- Valor Econômico
Equipe do Ministério da Economia diz que Paulo Guedes é resiliente e não vai deixar o cargo facilmente
Tão logo foi descartada a forma que havia sugerido para financiar o programa de renda mínima, o Renda Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou para sua assessoria e encomendou alternativas. Na segunda-feira mesmo, os técnicos, sob a coordenação do secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, começaram a esmiuçar os 3 D: desobrigação, desvinculação e desindexação do Orçamento.
Na reunião em que apresentou o plano para o pós-pandemia em que constava do pacote a substituição do Bolsa Família pelo Renda Brasil - como parte do Pró-Brasil que estava para ser divulgado no dia seguinte -, Guedes propôs que a renda mínima fosse financiada por remanejamentos de programas sociais existentes, tais como abono salarial, Benefício de Prestação Continuada e diversas outras rubricas do Orçamento da União. Assim, os programas sociais seriam mais bem focalizados.
O presidente Jair Bolsonaro contou, na quarta feira, em viagem à Minas Gerais, que na reunião de segunda-feira suspendeu o anúncio do Pró-Brasil, marcado para a terça, porque não pretendia remanejar dinheiro “dos pobres para os paupérrimos”. Descartada aquela hipótese, sobraram os 3 D que são parte da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo. Bolsonaro disse, também, que esperava novas soluções para hoje.
Do bloco das despesas primárias obrigatórias listam, por ordem de tamanho, a Previdência Social, pessoal e encargos e, em terceiro lugar, vem um conjunto de programas cujos gastos obrigatórios estão sob controle de fluxos. São os subsídios e demais benefícios fiscais (gastos tributários), o Benefício de Prestação Continuada, entre outras despesas.
Do lado dos gastos tributários, que totalizaram no ano passado cerca de R$ 307 bilhões, há desde a redução dos benefícios do crédito presumido do PIS/Cofins para a agricultura e para a agroindústria até a limitação para a dedução dos gastos com despesas médicas na declaração do Imposto de Renda da pessoa física.
Segundo documento enviado ao Congresso no fim do ano passado, antes, portanto, da pandemia, cortes dessas despesas poderiam gerar cerca de R$ 56 bilhões no Orçamento para 2021. A meta seria reduzir os gastos tributários dos atuais 4,2% do PIB para 2% do PIB em um prazo de dez anos.
Do total do Orçamento, em torno de 70% são indexados à variação do salário mínimo ou a índices de preços. Isso equivaleria a algo próximo a R$ 75 bilhões quando a inflação considerada convergia para a meta de 4,25%, no ano passado. Mas hoje, com a inflação abaixo do piso da meta, essa despesa deve cair para menos da metade. A ideia, aqui, seria ter um Orçamento todo em valores nominais.
As receitas legalmente vinculadas à despesas previamente definidas abrangem cerca de um terço (1/3) do Orçamento, São uma porção de itens, sendo que há, também, duas grandes despesas: saúde e educação. Nesses casos a proposta seria apenas para liberar as amarras que engessam a gestão dos recursos, e não propriamente reduzir gastos.
A desobrigação refere-se a gastos que têm que ocorrer, embora não haja uma receita previamente destacada para financiá-los. Aqui entram, por exemplo, aumentos automáticos da folha de salários, que ocorrem por promoções nas carreiras, mesmo com a manutenção do veto presidencial a reajustes de salários dos funcionários públicos em 2021.
Quando elaborou o Pró-Brasil que era, originalmente, um plano de investimentos em obras públicas da ordem de R$ 150 bilhões, concebido por Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, Guedes procurou centrá-lo no emprego e na renda.
O Renda Brasil pretende suceder o auxílio emergencial de R$ 600 (que deve ser prorrogado, em menor valor, até dezembro) a partir de janeiro. O presidente determinou que o renda mínima seja de R$ 300 para um universo de 20 milhões de famílias. Hoje o Bolsa Família atende a 14 milhões.
Além de encontrar receitas para arcar com esse aumento do alcance do Renda Brasil, o ministro da Economia terá que submeter a Bolsonaro, provavelmente hoje, o conjunto da obra, que pretende desonerar a folha de salário das empresas e compensar essa perda de receitas com a criação de uma Contribuição sobre Transações.
Embora Guedes esteja tentando vender essa ideia como um tributo sobre transações digitais, ela é bem mais ampla e incide sobre pagamentos e recebimentos em geral, sendo 0,2% em cada uma das etapas. Com esses recursos seria possível isentar da contribuição previdenciária a folha de pagamentos até um salário mínimo. E cortar de 20% para 10% a alíquota incidente sobre o restante da folha.
Há quem veja nessa proposta o caminho para a definitiva mudança do regime da Previdência Social para capitalização, que constava da reforma e não foi aprovada.
A reação do mercado financeiro às declarações de Bolsonaro sobre o plano de Guedes foi ruim. O real se desvalorizou frente ao dólar, a bolsa caiu e os juros futuros subiram. Há o temor de que Guedes deixe o governo. Mas há, também, o receio de que o ministro, mesmo ficando, não tenha mais planos para a retomada da economia no pós-pandemia. Como se o arsenal liberal de medidas tivesse se esgotado
Enquanto todos dão tratos à bola para descobrir o destino de Guedes e do país, o ministro comemorava, ontem, a aprovação da nova Lei de Falências na Câmara e comentava com interlocutores que “as reformas avançam em meio ao barulho” das repercussões negativas da fala presidencial e das especulações quanto a seu futuro.
Assessores próximos ao ministro dizem que ele é resiliente e não vai sair por pouca coisa.
O cardápio para a construção do Renda Brasil foi dado por Bolsonaro: não pode furar a lei do teto, não pode ser de R$ 200 ou de R$ 600 nem tirar do pobre para dar aos miseráveis. É com base nessas três premissas que as equipes da Fazenda e do Planejamento trabalham para entregar, hoje, alguma nova proposta.
Alguém vai ter que pagar para que o país tenha um programa de renda mínima mais amplo do que o bem-sucedido Bolsa Família. Que seja quem já ganhou demais. Esta é uma boa oportunidade para melhorar a péssima distribuição da renda no Brasil.
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