O que está em jogo vai além do futuro de Lula ou do xadrez político —é o futuro do combate à corrupção
A licença médica do ministro do Supremo Celso de Mello, da Segunda Turma do STF, deu um xeque-mate na Lava-Jato. Antecipou o cenário dos sonhos para os políticos condenados por corrupção com base em inquéritos instaurados pela força-tarefa de Curitiba. Situação que pode se manter indefinidamente, a depender de quem o presidente Bolsonaro venha a indicar para a vaga do ministro, que se aposenta em novembro.
O preceito legal de que todo empate em julgamento favorece o réu faz com que, sem Celso de Mello, os quatro ministros restantes da Turma fiquem divididos entre dois “garantistas” (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski), mais sensíveis a argumentações da defesa, e dois “punitivistas” (Cármen Lúcia e Edson Fachin, este relator dos processos da Lava-Jato no STF).
Os primeiros efeitos práticos dessa divisão da Segunda Turma já ocorreram. Caiu uma sentença do juiz Sergio Moro condenando um doleiro do caso Banestado e, pela primeira vez, um acordo de delação premiada foi anulado. Ele fora firmado na Operação Pelicano, contra fiscais de renda de Curitiba. Os dois casos são de antes da Lava-Jato e prenunciam o que poderá acontecer no julgamento de outras ações que contestem vereditos do ex-juiz.
Com aval implícito de Bolsonaro, um denso clima “garantista”, anti-Lava-Jato, toma conta de parte do Judiciário e, de forma mais visível, da Procuradoria-Geral da República, entregue pelo presidente a Augusto Aras, que tem agido como barreira de proteção a seus interesses. Aras acaba de despachar ao Supremo parecer do vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros que defende a reivindicação do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) por foro privilegiado no caso das “rachadinhas”, ocorrido quando ele ainda era deputado estadual. A posição vai contra o entendimento firmado pelo STF, que relaciona o foro ao cargo.
O processo de Lula contra Moro, na Segunda Turma, já recebeu votos de Cármen e Fachin, contra o pedido para anular a condenação no caso do tríplex do Guarujá. Gilmar pediu vista. Responsável pela pauta, cabe a ele decidir se recoloca o processo em julgamento sem Celso, o que provavelmente garantiria o resultado pró-Lula. Ou se espera a substituição do ministro. Não se deve esquecer o sólido conjunto de provas contra o ex-presidente.
Embora não seja mais possível nesse processo, o ideal seria que casos críticos fossem levados ao plenário, para haver um debate mais robusto. O que está em jogo no STF vai além do futuro de Lula e do xadrez eleitoral. Será julgada a capacidade do Estado e da sociedade de enfrentar com a necessária energia a corrupção em suas diversas formas e estágios.
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