Para lançar o Renda Brasil sem ameaçar o teto de gastos, o melhor seria ele encarar as reformas
O embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes em torno do Renda Brasil revela a distância que, entre nós, separa a realidade econômica da fantasia política. Sem cortar outras despesas, não há como expandir o Bolsa Família para atender os 66 milhões que recebem o auxílio emergencial, mantendo o teto de gastos públicos — compromisso assumido pelo próprio Bolsonaro.
Para financiar o Renda Brasil, Guedes sugeriu acabar com programas sociais ineficazes, como abono salarial, seguro-defeso ou salário-família. Bolsonaro estrilou contra o fim do abono, dizendo que não “tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. A saída de Guedes era coerente com o espírito de um governo que, na economia, afirma zelar pela saúde das contas públicas. Mas esbarrou noutro governo que, na política, quer tudo ao mesmo tempo.
A solução para criar espaço orçamentário — para qualquer coisa, não só para o Renda Brasil — é conhecida: promover reformas que reduzam os gastos obrigatórios. É o caso da reforma administrativa, medida urgente cujo impacto no Orçamento seria imenso e duradouro.
Bastaria economizar uns 3% do que o Estado gasta com o funcionalismo para, somando aos recursos já gastos no Bolsa Família, financiar um Renda Brasil na faixa de R$ 250. Congelar a folha de pagamentos federal renderia, em dois anos e meio, o equivalente a outro Bolsa Família. Desvincular despesas obrigatórias das respectivas fontes de receita ajudaria a liberar recursos hoje engessados. Inscrever na Constituição a permissão para reduzir salários e jornadas em emergências fiscais, como a que vivemos hoje, contribuiria para evitar o colapso das contas públicas.
Outras fontes de financiamento plausíveis, ao menos durante a transição até que os benefícios das mudanças administrativas estivessem maduros, poderiam envolver o fim de isenções tributárias ou privatizações. O Estado brasileiro gasta quase um Bolsa Família só para cobrir o buraco de empresas deficitárias sem interesse público ou estratégico. A venda de estatais também traria uma contribuição bem-vinda ao caixa, no meio do sufoco fiscal.
Cada uma dessas medidas representa um desafio legislativo. Mas não deveria ser difícil aos economistas do governo desenhar um projeto em que o custo político das reformas pudesse ser acoplado ao atrativo dos benefícios sociais.
Vencer as resistências estabelecidas exige capacidade de negociação e articulação política, ingredientes em falta no governo Bolsonaro. O que não existe é mágica. Não dá para aprovar mais gastos sem saber de onde virá o dinheiro — nisso Guedes está certo. Cabe a Bolsonaro fazer a melhor escolha. A alternativa mais sensata, uma vez que algum desafio político ele terá de enfrentar, é encarar com seriedade os projetos das reformas administrativa e tributária e as privatizações.
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