- O Globo
Por que acabar com o Bolsa Família? Um programa bom, reconhecido no mundo inteiro, com um foco claro, aperfeiçoado ao longo do tempo por especialistas que entenderam a sua lógica e metodologia. Falta à equipe econômica humildade e conhecimento da engenharia social. Além disso, faz falta um verdadeiro ministério da área social. Esse governo já demonstrou o quanto pode errar com seus improvisos e oportunismo.
O governo Lula derrapou no início com o Fome Zero. Como marca era bom, mas na prática a ideia era uma distribuição de vouchers como o food stamps, política americana dos anos 1950. Não ficou de pé. Houve um debate intenso, com duas vantagens: cientistas sociais que entendiam do assunto no governo participaram dele e o país tinha a experiência da Bolsa Escola que levou muita informação para a mesa de discussão. A política pública nasceu em Brasília, em 1995, na gestão de Cristovam Buarque. Depois foi implantada em Campinas e em Belo Horizonte. Por fim foi adotada, com valor pequeno, no governo federal. Havia sido feito um cadastro que depois foi ampliado. A pergunta era: quantos são e onde estão os invisíveis? O Estado foi buscá-los.
O foco da política é a mulher pobre, para “ajudá-la no grande desafio de criar uma família enfrentando dificuldades econômicas e muitas vezes as flutuações da vida pessoal”, como conta um dos primeiros economistas a me explicar a importância da focalização das políticas sociais. O alerta é que não se pode acabar com o Bolsa Família sem uma discussão ampla, objetiva, com especialistas e baseando-se em dados. Só assim se saberá como e por que mudar. Descaracterizar o programa pode trazer muitas consequências negativas, além de criar uma escada para um populista com claro projeto autoritário.
— O Bolsa Família é como o Pelé: reconhecido como exemplo de excelência mundo afora, apesar de não ser totalmente aceito pelos brasileiros. Mas talvez porque é um programa para mulheres e pobres, e com crianças, ele agora é motivo de experimentos sociais desabridos. Planejam engoli-lo em um programa não para crianças, mas para corrigir imperfeições do mercado de trabalho — avalia este economista.
Esse é um dos erros. Um programa para criar empregos é uma coisa, a rede de proteção social é outra. Qual é o foco desse Renda Brasil, que se quer vincular a um “emprego verde e amarelo”? Aliás, é a reapresentação da ideia de criação de um subemprego formal, um trabalhador com menos direitos e uma empresa que não contribua para a Previdência. Assim, aprofunda-se o problema da descapitalização do sistema previdenciário.
Uma coisa é certa: este governo sabe cometer erros como nenhum outro. O Ministério da Economia quer acabar com o abono salarial porque jovens da classe média estão recebendo o benefício no começo da carreira profissional. Ora, basta estabelecer a renda familiar como uma pré-condição. Quer acabar com o seguro-defeso porque tem fraude. Ora, que tal combater a fraude? O governo pode aproveitar e aprender a combater as extravagantes fraudes no auxílio emergencial. Estimular a entrada de jovens no mercado de trabalho é fundamental, mas é outro programa.
A engenharia social do Bolsa Família deu mais certo porque se baseou em experiências exitosas. A condicionalidade na época era a presença da criança na escola, mas acabou sendo a porta de entrada de outras políticas públicas. Ruth Cardoso, com uma equipe interdisciplinar de excelentes especialistas, desenvolveu o Bolsa Escola Federal. Sob essa base, o PT construiu a mais bem-sucedida e mais bem focalizada política de transferência de renda do Brasil. Foi uma construção coletiva. Todos viram isso. Bolsonaro, na quarta-feira em Ipatinga, disse o seguinte: “passamos por tantos problemas no passado e nenhum outro presidente lembrou do povo para dar uma aspirina sequer”. O que é isso? Uma mentira dita pelo presidente da República.
Não se improvisa em política social. O país tem imensa desigualdade e está agora diante da necessidade de dar amparo a quem está momentaneamente sem capacidade de gerar sua renda. O governo Bolsonaro vai improvisar. Por arrogância, por oportunismo eleitoreiro, por desconhecer a complexidade de se montar um eficiente programa social. O risco de errar é enorme.
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