Renda Brasil gera tensão entre Bolsonaro e Guedes e põe à prova limite de gastos
Além de viabilizar um ajuste gradual do Orçamento, o teto para os gastos federais inscrito na Constituição tem um caráter didático. A sujeição da despesa total a um limite incentiva a avaliação da qualidade, da eficiência e da prioridade de cada política pública.
Não se pode afirmar, infelizmente, que tal entendimento esteja consolidado no debate público —provavelmente porque o padrão das últimas décadas foi a expansão contínua das ações do Estado. A iniciativa do governo Jair Bolsonaro de criar o programa Renda Brasil já põe à prova o mecanismo.
Em razão do teto, a desejada ampliação do Bolsa Família depende do corte de outros desembolsos. O Planalto gostaria de ao menos dobrar a transferência direta de renda a famílias muito pobres.
Como o Orçamento é engessado por pagamentos obrigatórios, a questão se resume a abater despesas livres restantes, aprovar reformas mais profundas ou desistir do limite máximo dos gastos.
Nos últimos anos, a escolha tem sido reduzir investimentos, que já caíram ao nível da imprudência, mal cobrindo a depreciação da infraestrutura. Também resta pouca margem para cortar no custeio.
Nesse cenário, a primeira opção da equipe do ministro Paulo Guedes, da Economia, foi utilizar recursos de programas sociais tidos como menos eficientes no combate à pobreza: o abono salarial, o Farmácia Popular e seguro-desemprego sazonal para pescadores.
Ambiciosa, ainda assim a medida não bastaria para um Renda Brasil do tamanho desejado por Bolsonaro —que, de todo modo, vetou a ideia de fazer tais cortes.
O impasse reavivou o debate em torno de reformas fiscais. Guedes e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltaram a mencionar o plano de desvincular e desindexar despesas.
Esse projeto exige mudanças constitucionais que permitam a redução de salários de servidores públicos e o fim da correção obrigatória de benefícios previdenciários e assistenciais, além da revisão da exigência de gastos mínimos em saúde e educação.
Politicamente difíceis, tais providências não redundariam, ademais, em economias imediatas.
A pior alternativa, por fim, seria burlar o teto, ou seja, estender o período de calamidade da pandemia de modo a autorizar dispêndios além do limite constitucional.
Uma gambiarra do tipo —que provavelmente abriria caminho para outras— elevaria incertezas sobre a sustentabilidade da dívida pública e provocaria turbulência financeira que, cedo ou tarde, comprometeria a recuperação da economia. Mais que desacreditando seu ministro, Bolsonaro estaria sabotando seu governo e o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário