Descartar o teto de gastos para favorecer o projeto político do presidente seria um disparate
Nenhuma pesquisa equivale à realidade, mesmo assim os últimos números do Datafolha bastam para comprovar a inflexão na queda de popularidade sofrida pelo presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia. Apesar da responsabilidade inequívoca dele na tragédia das 106 mil mortes, nunca tantos brasileiros aprovaram seu governo. Aqueles que o consideram ótimo ou bom somaram 37% — eram 32% no final de junho. Os que o julgam ruim ou péssimo foram 34% — eram 44%. Desde a posse, é a primeira vez que mais gente aprova do que reprova a gestão Bolsonaro.
São dois os motivos para isso. Primeiro, o auxílio emergencial de R$ 600, distribuído a 65,3 milhões de brasileiros em virtude da pandemia. Entre os que solicitaram o benefício, a aprovação de Bolsonaro é 6 pontos maior. Três quintos da alta na popularidade vêm, diz o Datafolha, da população com renda familiar de até três salários mínimos. A reprovação a Bolsonaro caiu 13 pontos nessa faixa desde junho, e também 13 pontos entre os que têm instrução fundamental. No Nordeste, região a que Bolsonaro tem se dedicado com afinco, a reprovação caiu 17 pontos, enquanto a aprovação subiu 6. O auxílio serviu para que ele atraísse o eleitorado tradicionalmente associado ao lulismo.
Só que Bolsonaro também se recuperou nos estratos mais altos. No grupo com instrução superior, a aprovação subiu 5 pontos desde junho, a reprovação caiu 11 desde maio. No de renda mais alta, a primeira subiu 6, a segunda caiu 5 desde junho. A reviravolta nesses segmentos se deve ao segundo motivo: o recuo de Bolsonaro nas provocações diuturnas para inflamar sua base. Pesa aí o rosto mais apresentável de um político que trocou agrados a militantes nas redes sociais por afagos ao Centrão.
A alta na popularidade é coerente com a estratégia para a reeleição em 2022. Mas os 37% não bastam para garanti-la. Nem para descartá-la. Tudo dependerá do que acontecer. Mesmo que mantenha o figurino menos agressivo e o namoro com o Centrão, Bolsonaro não tem controle sobre o que acontecerá ao auxílio que, como diz o próprio nome, tem prazo para expirar.
Tenta transformá-lo numa política de renda básica que leve sua assinatura, um novo Bolsa Família. Não será tão fácil. Até agora, o auxílio já custou R$ 130 bilhões aos cofres públicos. Será impossível mantê-lo sem rever regras de equilíbrio fiscal, como o teto de gastos.
Seria um disparate alterá-las para financiar o projeto político de Bolsonaro. A renda básica é discutida no mundo todo como forma de compensar o desemprego tecnológico, não a miséria endêmica. Para implantá-la no Brasil, o Congresso precisaria criar espaço orçamentário. Antes, portanto, seria necessário promover reformas no Estado, em especial a administrativa e a tributária. Do contrário, o país quebra. Com ou sem Bolsonaro.
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