domingo, 4 de outubro de 2020

Bruno Boghossian – O atalho conservador

- Folha de S. Paulo

Parte da retórica do presidente na pauta de costumes tem adesão acima da média na região

No palanque montado em São José do Egito, no sertão pernambucano, Jair Bolsonaro mencionou Deus dez vezes em pouco mais de cinco minutos. Quase no fim do discurso, o presidente pediu que a plateia votasse em “gente que tenha Deus no coração” nas eleições municipais e acrescentou o lema do integralismo: “Deus, Pátria e Família”.

Além de multiplicar sua presença em inaugurações e surfar no auxílio emergencial do coronavírus, Bolsonaro também aposta na retórica conservadora para cristalizar sua popularidade no Nordeste. A pauta de valores pode servir de atalho para o eleitorado da região num momento de incertezas na economia.

Embora tenham produzido efeito limitado na campanha de 2018 por ali, onde Bolsonaro teve votação modesta, alguns itens de sua agenda de costumes têm adesão acima da média na população nordestina.

Uma pesquisa do Datafolha mostrou, no fim daquele ano, que 54% dos entrevistados da região eram contra o aborto em caso de estupro. No Sudeste, o percentual era de 39%.

No ano anterior, o instituto perguntou se uma mulher que interrompesse a gravidez deveria ser processada e ir para a cadeia. No Nordeste, 66% concordaram com a punição, contra 51% no Sudeste.

Diferenças regionais não ocorrem em todos os temas. O percentual de brasileiros que rejeitavam a educação sexual nas escolas em 2018, por exemplo, era similar no Nordeste (43%) e no Sudeste (44%). Ainda assim, o índice era alto o suficiente para reforçar a sensibilidade da agenda.

O apelo à pauta de costumes pode ser útil porque certos pontos embaralham a identificação rotineira com políticos de direita e esquerda. Na pesquisa de 2017, 67% dos entrevistados que diziam apoiar uma candidatura de Lula eram favoráveis à prisão de mulheres que abortassem.

No auge de sua popularidade, aliás, o petista dizia ser contra o aborto, mas defendia sua abordagem como questão de saúde pública. Em 2016, ele repetiu a posição e declarou ser “católico, cristão e até conservador”.

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