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O Globo
A
militarização da Amazônia parece ser a saída que o governo de Bolsonaro projeta
para garantir nossa soberania na região, como se ela estivesse realmente
ameaçada. Desde que o candidato à presidência dos democratas nos Estados
Unidos, ex-vice-presidente Joe Biden, disse no debate com Trump, referindo-se
às queimadas no Brasil, que vai procurar outros países para criar um fundo de
preservação da Amazônia de U$ 20 bilhões, e que, se o desmatamento continuar,
haverá "consequências econômicas significativas", o presidente
Bolsonaro vem acirrando os ânimos nacionalistas dos militares.
Responde que “não estamos à venda” em sua live do Facebook, e considera a fala
de Biden uma demonstração de que há interesses espúrios de outros países na
Amazônia. Bolsonaro joga toda sua política externa na reeleição de Trump, vê
nossa relação diplomática com os Estados Unidos como “plena”, e lamenta que
Biden, que pode vir a ser eleito presidente dos Estados Unidos, “parece estar
querendo romper o relacionamento com o Brasil por causa da Amazônia”.
Consequentemente, diz que o Brasil precisa de Forças Armadas
"preparadas" para proteger a Amazônia caso algum país resolva fazer
"uma besteira" contra o Brasil. “E nós temos que fazer o que?
Dissuadi-los disso. E como você faz a dissuasão disso? Ter Forças Armadas
preparadas. Mas nossas Forças Armadas foram sucateadas ao longo dos últimos 20
anos”, lamentou.
O estranho é que no Fórum Econômico Mundial, ao encontrar-se com o
ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, Bolsonaro disse que gostaria de “explorar a
Amazônia com os Estados Unidos”. Mesmo que seja apenas uma bravata, essa
convocação à defesa da Amazônia entusiasma os militares, e boa parte dos
seguidores bolsonaristas mais radicais.
A idéia de juntar o ICMBio ao Ibama, por exemplo, está sendo vista pelos
ambientalistas como uma tentativa de militarizar a preservação do
meio-ambiente, que já está dominada por militares no Ibama. Há também pressões
vindas dos setores produtivos para a mudança da política ambiental do governo,
pois a ação do ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles está se tornando tóxica
para os exportadores.
O agronegócio já está sofrendo as conseqüências de uma política ambiental que
desafia o mundo ocidental, e pode provocar prejuízos à marca Brasil, que sempre
teve um peso importante no mercado mundial. Os agricultores estão gastando mais
dinheiro do próprio bolso para fazer o rastreamento dos seus produtos, para
poder provar que não são oriundos de áreas desmatadas.
A nomeação do vice-presidente Hamilton Mourão para presidir o Conselho da
Amazônia foi um primeiro passo para dar mais credibilidade às ações do governo
na região, mas, embora tenha mais bom senso que Salles, o vice-presidente
precisa ter sob sua jurisdição órgãos que hoje estão no ministério do
Meio-Ambiente.
Por isso voltou a ser cogitada a fusão do ministério do Meio-Ambiente com a
Agricultura, uma idéia que o presidente Bolsonaro teve no início de seu
governo, ao montar o novo ministério. Na ocasião, e com razão, pareceu ser uma
manobra para rebaixar o Meio-Ambiente em favor do agronegócio. Agora, ao
contrário, seria uma ação para proteger o agronegócio das críticas
internacionais à política ambiental do governo Bolsonaro.
A proposta é que o vice-presidente Hamilton Mourão assuma toda a
coordenação da política ambiental, e que a Agricultura absorva funções
burocráticas do Meio-Ambiente. Mourão teria assim sob sua orientação o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que ele já criticou, a ponto
de apoiar um movimento do Ministério da Defesa para comprar um satélite que
faria a mesma função de monitoramento de queimadas e desmatamentos que o
sistema do Inpe já faz.
A idéia foi abandonada, mas Mourão, assumindo a política ambiental, terá o
sistema de satélites já existente à sua disposição. Tudo isso pode ser feito, e
melhorará a imagem do país no exterior, se demonstrarmos que estamos realmente
combatendo as queimadas e o desmatamento, e não apenas entregando aos militares
uma hipotética defesa da região, sem alterar o negacionismo do governo.
Um meio-ambiente verde, e não verde-oliva.
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