Por Alvaro Gribel (interino)
Depois de mais uma semana
de brigas e perda de tempo, fica a pergunta sobre o que pretende o ministro
Paulo Guedes no governo Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, houve quem lembrasse
uma frase do economista Roberto Campos, de que chegou ao Congresso querendo
fazer o bem, mas depois viu que poderia apenas evitar o mal. No caso de Guedes,
há dúvidas, porque parte dos problemas tem origem no seu temperamento. Se a
conversa de Rogério Marinho com investidores foi tida como desleal, também não
se pode dizer que tudo que ele falou não faz sentido.
Paulo Guedes chegou a
Brasília carregando a fama de que não tinha experiência como gestor de equipes
e de ser uma pessoa de difícil convívio. Por isso, sempre se saiu melhor como
investidor, consultor e palestrante, onde conseguia encantar plateias,
especialmente formada por seus pares. No governo, tem demonstrado falta de foco
na formulação e apresentação de projetos — como disse Marinho — e repete sempre
frases feitas, qualquer que seja o seu interlocutor. Na relação com a imprensa,
não entendeu o básico sobre comunicação institucional.
Apesar da formação de
economista, Guedes não parece muito afeito aos números. É comum o ministro
arredondar dados para cima e fazer contas de 10 anos para, em qualquer
contexto, chegar à casa do trilhão. Na semana passada, usou o artifício para
dizer que o país já tem garantido R$ 1,2 tri de investimentos nesta década
pelos marcos legais em andamento, da cabotagem, setor elétrico, saneamento e
privatizações. Antes da pandemia, enquanto as projeções do mercado para o PIB
caíam, ele dizia que o país ia “crescer o dobro” e citava dados da arrecadação,
como faz até hoje. Quem acompanha as coletivas da Receita sabe que esse não é o
melhor indicador antecedente de atividade. A entrada de recursos no caixa do
Tesouro pode variar com pagamentos extraordinários e de acordo com o
calendário. É uma estatística poluída.
A última semana foi
exemplar do comportamento errático do ministro. Na entrevista em que anunciou o
Renda Cidadã, na segunda-feira, defendeu o programa, alegando que ele tinha
encontrado o timing perfeito para entrar na pauta. Na terça, silenciou,
enquanto o relator do Orçamento, Márcio Bittar, defendia a ideia, que teve
forte reação negativa do mercado. Na quarta-feira, Guedes apareceu de última
hora na apresentação dos dados do Caged. Chamou o uso de precatórios de
puxadinho, embora Bittar tenha afirmado que a proposta tenha nascido no
Ministério da Economia. Terminou a semana em nova troca de farpas com Marinho.
Por causa da pandemia, as
comissões do Congresso estão paralisadas. A que está em funcionamento é a da
reforma tributária, mas ela não anda porque Guedes não enviou a proposta do
governo. Sendo hoje domingo, provavelmente ficará para a “semana que vem”.
‘Já está no preço?’
Na reunião com
investidores na quarta-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros,
ouviu de analistas que qualquer tipo de contabilidade criativa para se criar o
Renda Cidadã seria visto como uma forma de furar o teto de gastos. O deputado,
então, questionou: “Então esse risco já está no preço?” Querendo saber se o
pior já teria acontecido com a bolsa, o dólar e o risco-país. Ouviu como
resposta um sonoro “não”, porque os investidores ainda não creem que o governo
fará isso. Mas se fizer, vai piorar.
Sinais trocados
Enquanto várias sondagens
apontam recuperação da confiança, os indicadores do mercado financeiro estão
mostrando um cenário mais negativo para o Brasil, principalmente pela questão
fiscal.O superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV, Aloisio Campelo
Jr., explica que a indústria e o comércio estão melhores, enquanto a confiança
dos consumidores e serviços ficou para trás. “É importante ressaltar que a
recuperação nas sondagens de confiança é para um patamar pré-crise, que não é
tão alto. A economia não estava bombando antes do vírus, no início do ano”,
explicou.
Efeito 'denominador'
Paulo Guedes tem citado a recuperação da utilização da capacidade instalada (Nuci), que subiu de 57%, no pior momento da crise, para 78% em setembro. Ou seja, por esse número, a ociosidade estaria voltando a níveis de antes da pandemia. Mas nem tudo é tão bom quanto parece, explica Campelo. Com a crise, houve fechamento de fábricas, o que provocou um “efeito denominador”. As empresas que fecham saem da estatística e o Nuci fica mais alto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário