domingo, 4 de outubro de 2020

Míriam Leitão - Caos e confusão como método

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

Depois de mais uma semana de brigas e perda de tempo, fica a pergunta sobre o que pretende o ministro Paulo Guedes no governo Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, houve quem lembrasse uma frase do economista Roberto Campos, de que chegou ao Congresso querendo fazer o bem, mas depois viu que poderia apenas evitar o mal. No caso de Guedes, há dúvidas, porque parte dos problemas tem origem no seu temperamento. Se a conversa de Rogério Marinho com investidores foi tida como desleal, também não se pode dizer que tudo que ele falou não faz sentido.

Paulo Guedes chegou a Brasília carregando a fama de que não tinha experiência como gestor de equipes e de ser uma pessoa de difícil convívio. Por isso, sempre se saiu melhor como investidor, consultor e palestrante, onde conseguia encantar plateias, especialmente formada por seus pares. No governo, tem demonstrado falta de foco na formulação e apresentação de projetos — como disse Marinho — e repete sempre frases feitas, qualquer que seja o seu interlocutor. Na relação com a imprensa, não entendeu o básico sobre comunicação institucional.

Apesar da formação de economista, Guedes não parece muito afeito aos números. É comum o ministro arredondar dados para cima e fazer contas de 10 anos para, em qualquer contexto, chegar à casa do trilhão. Na semana passada, usou o artifício para dizer que o país já tem garantido R$ 1,2 tri de investimentos nesta década pelos marcos legais em andamento, da cabotagem, setor elétrico, saneamento e privatizações. Antes da pandemia, enquanto as projeções do mercado para o PIB caíam, ele dizia que o país ia “crescer o dobro” e citava dados da arrecadação, como faz até hoje. Quem acompanha as coletivas da Receita sabe que esse não é o melhor indicador antecedente de atividade. A entrada de recursos no caixa do Tesouro pode variar com pagamentos extraordinários e de acordo com o calendário. É uma estatística poluída.

A última semana foi exemplar do comportamento errático do ministro. Na entrevista em que anunciou o Renda Cidadã, na segunda-feira, defendeu o programa, alegando que ele tinha encontrado o timing perfeito para entrar na pauta. Na terça, silenciou, enquanto o relator do Orçamento, Márcio Bittar, defendia a ideia, que teve forte reação negativa do mercado. Na quarta-feira, Guedes apareceu de última hora na apresentação dos dados do Caged. Chamou o uso de precatórios de puxadinho, embora Bittar tenha afirmado que a proposta tenha nascido no Ministério da Economia. Terminou a semana em nova troca de farpas com Marinho.

Por causa da pandemia, as comissões do Congresso estão paralisadas. A que está em funcionamento é a da reforma tributária, mas ela não anda porque Guedes não enviou a proposta do governo. Sendo hoje domingo, provavelmente ficará para a “semana que vem”.

‘Já está no preço?’

Na reunião com investidores na quarta-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, ouviu de analistas que qualquer tipo de contabilidade criativa para se criar o Renda Cidadã seria visto como uma forma de furar o teto de gastos. O deputado, então, questionou: “Então esse risco já está no preço?” Querendo saber se o pior já teria acontecido com a bolsa, o dólar e o risco-país. Ouviu como resposta um sonoro “não”, porque os investidores ainda não creem que o governo fará isso. Mas se fizer, vai piorar.

Sinais trocados

Enquanto várias sondagens apontam recuperação da confiança, os indicadores do mercado financeiro estão mostrando um cenário mais negativo para o Brasil, principalmente pela questão fiscal.O superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV, Aloisio Campelo Jr., explica que a indústria e o comércio estão melhores, enquanto a confiança dos consumidores e serviços ficou para trás. “É importante ressaltar que a recuperação nas sondagens de confiança é para um patamar pré-crise, que não é tão alto. A economia não estava bombando antes do vírus, no início do ano”, explicou.

Efeito 'denominador'

Paulo Guedes tem citado a recuperação da utilização da capacidade instalada (Nuci), que subiu de 57%, no pior momento da crise, para 78% em setembro. Ou seja, por esse número, a ociosidade estaria voltando a níveis de antes da pandemia. Mas nem tudo é tão bom quanto parece, explica Campelo. Com a crise, houve fechamento de fábricas, o que provocou um “efeito denominador”. As empresas que fecham saem da estatística e o Nuci fica mais alto.

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