Usando-se
a marca da mulher do presidente atraem-se áulicos e espertalhões
A
repórter Constança Rezende mostrou que o vírus dos áulicos capturou
R$ 7,5 milhões que o frigorífico Marfrig doou ao governo em março para a compra
de 100 mil testes rápidos para detectar o coronavírus.
Testaram zero e a história dessa maluquice é uma viagem ao mundo da burocracia,
da bajulação e das espertezas.
Aos fatos:
No dia 23 de março a Marfrig ofereceu o dinheiro à Casa Civil da Presidência da República.
A primeira encrenca. Dias depois o Itaú-Unibanco fez o certo. Anunciou
a doação de R$ 1 bilhão para o combate à pandemia sem colocar um só tostão na
máquina do governo. Bolsonaro dizia que “brevemente o povo saberá que foi
enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do
coronavírus”.
No
dia 20 de maio a Casa Civil informou que o dinheiro seria usado “com fim
específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19”. Levaram dois meses
para processar a informação. Já haviam morrido 18.959 pessoas. O
ministro Paulo Guedes dizia que tinha um amigo inglês capaz de fornecer 40
milhões de testes por mês ao Brasil.
Passaram
maio e junho. A 1º de julho a Casa Civil mudou de ideia e perguntou à Marfig se
o dinheiro dos testes podia ser usado no projeto Arrecadação Solidária,
vinculado ao programa Pátria Voluntária, de Michelle Bolsonaro, mulher do
presidente. Diante de tantos nomes bonitos, quem seria capaz de dizer não? A
essa altura já tinham morrido 60.194 pessoas.
Juntaram-se
dois erros. Num, o dinheiro iria sabe-se lá para onde. No segundo, caiu na
velha cumbuca das obras assistenciais da mulher do presidente. Salvo
no Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, elas quase sempre foram uma
fábrica de encrencas. Geridas por áulicos, apurrinharam as vidas de Maria Thereza
Goulart e de Rosane Collor de Mello.
O
dinheiro da Marfrig foi doado para a compra de testes, mas
os çábios expandiram o alcance. Iria também para medicamentos, comida ou
material de limpeza. Qualquer coisa, enfim. A Associação de Missões
Transculturais Brasileiras, outro nome bonito, recebeu R$ 240 mil. No seu
endereço funcionava um restaurante, mas seu presidente informa que, por ser uma
associação, “só tem endereço fiscal”. Fica combinado assim.
Marquetagens
e manobras burocráticas puseram Michelle Bolsonaro numa fria. Ela, como
acontecia com Maria Thereza Goulart e Rosane Collor de Mello, não administra o
dinheiro dos programas a que empresta seu nome. Usando-se a marca da mulher do
presidente atraem-se áulicos e espertalhões. Ao final a conta vai para a
senhora.
A
Casa Civil informa que só a Fundação Banco do Brasil sabe o destino exato dos
R$ 7,5 milhões da Marfrig. Se o dinheiro não serviu para testar pessoas, o caso
pode servir para testar a capacidade do governo e do Banco do Brasil de dizer
que aconteceu com o ervanário. O Itaú-Unibanco sabe para onde foi cada centavo
do bilhão que doou.
UM
GRANDE REPUBLICANO
Acaba
de sair nos Estados Unidos o livro “The Man Who Ran Washington” (“O Homem que
Mandou em Washington - A Vida e os Tempos de James Baker III”). Ele comandou as
campanhas de três presidentes republicanos. Foi chefe da Casa Civil de Ronald
Reagan e George Bush 1º, secretário de Estado e do Tesouro.
Junto
com seu parceiro de duplas de tênis Bush 1º, administrou a diplomacia americana
durante o colapso da União Soviética e a reunificação da Alemanha. Se isso
fosse pouco, articulou a
equipe de advogados que garantiu a presidência dos Estados Unidos para Bush 2º.
Nela incluiu John Roberts, atual presidente da Corte Suprema.
Nascido
numa família de advogados texanos, James Baker foi criado no conforto. Para
quem viu as baixarias de Donald Trump no debate de terça-feira, sua vida
mostra que existem conservadores e republicanos decentes.
A
única eleição que disputou mostra quem ele era. Seus marqueteiros mostraram-lhe
que o adversário deixara em liberdade um criminoso que mais tarde mataria duas
pessoas. Baker recusou o tema. Ele achou que a acusação seria pessoal. Perdeu a
eleição.
O autor do livro é o jornalista Peter Baker, sem parentesco com o biografado. A fábrica que produzia conservadores craques como Bush 1º e James Baker está temporariamente fechada. Aos 90 anos, leva a vida em Houston, caçando e pescando.
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