A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade.
Ontem
foi um dia de mais confusão na área econômica. O ministro da Economia, Paulo
Guedes, rechaçou a proposta de utilização dos recursos destinados aos
precatórios para viabilizar o programa Renda Cidadã, muito criticada pelos
especialistas, como se nada tivesse a ver com ela. A medida foi anunciada pelo
relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), depois de ter sido
aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro e, pasmem, o próprio Guedes. O ministro
da Economia também estava com Bolsonaro e os líderes do governo no Congresso
quando a proposta foi anunciada.
“Um
projeto dessa magnitude jamais seria apresentado se não tivesse o conhecimento
e a aprovação do presidente da nação e o carimbo de OK do ministro da
Economia”, disse Bittar, segundo o qual Guedes havia dado uma demonstração
cabal de que concorda com a proposta, durante a sua reunião com Bolsonaro. Na
manhã de ontem, porém, Guedes disse que o gasto com precatório estava sendo
examinado com foco no controle de despesas e que não era “uma fonte saudável,
limpa, permanente, previsível” para financiar a nova política de transferência
de renda do governo. Ou seja, detonou a proposta de Bittar. Na terça-feira,
apesar das críticas, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também havia
anunciado que o Palácio do Planalto não recuaria da proposta.
A
grande interrogação é se a postura de Guedes teve aval do presidente Jair
Bolsonaro, que gosta desse faz que vai mas não vai, ou o ministro da Economia
se encheu de brios e resolveu marcar posição mais responsável sobre a questão
fiscal. A primeira hipótese é mais provável, porém, outra declaração polêmica
de Guedes levanta suspeitas de que pode ser a segunda. O ministro da Economia
acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de ter feito um acordo
com a esquerda para não aprovar as privatizações.
“Não
há razão para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria acordo
entre o presidente da Câmara e a esquerda para não pautar as privatizações.
Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas e temos
que pautar toda essa transformação que queremos fazer. A retomada do
crescimento vem pela aceleração de investimentos em cabotagem, infraestrutura,
logística, setor elétrico, das privatizações, Eletrobrás, Correios… Estamos
esperando”, disparou Guedes, que aproveitou a divulgação de dados do Caged
sobre geração de empregos para provocar o presidente da Câmara, com quem vive
às turras. Em resposta, Maia disse que Guedes “está desequilibrado” e sugeriu
ao ministro que assistisse ao filme A Queda, que narra os últimos dias de Adolf
Hitler e do Terceiro Reich.
Não
faz sentido o ataque de Guedes a Maia. O presidente da Câmara é um político
liberal, nunca foi de esquerda. Para ele, porém, dialogar com a esquerda é tão
importante quanto ter o apoio do Centrão para o bom funcionamento da Casa, isso
possibilita acordos que garantem as votações e o avanço do trabalho
legislativo. Maia foi o grande artífice da reforma da Previdência. Dispõe-se a
ter mesmo papel nas reformas tributária e administrativa, mas há divergências
de fundo entre o presidente da Câmara e Guedes, principalmente sobre o novo
imposto sobre operações financeiras, que Maia não aceita. Com o bate-boca de
ontem, um dos dois terá de recuar para o processo andar.
Entretanto, pode-se imaginar que Guedes aguarda o fim do mandato de Maia e aposta num presidente da Câmara alinhado com Bolsonaro: Arthur Lyra (PP-AL), por exemplo, o líder do Centrão mais alinhado com o governo. Mas essa é uma jogada de alto risco, porque o governo perde tempo, e nada garante que o sucessor de Maia será um pau mandado do presidente da República. A outra possibilidade, já aventamos aqui: Guedes está se movimentando como quem pretende marcar posição e sair do cargo em grande estilo. O desgaste do ministro da Economia só aumenta junto aos agentes econômicos, seu prestígio com os políticos nunca esteve tão por baixo. Ambos farejaram o cheiro de animal ferido na floresta. Guedes, o superministro, era o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Não é mais.
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