Experiências
de solidariedade deveriam inspirar políticas públicas
Perdendo a enésima oportunidade de ficar calado, Bolsonaro chegou não faz muito a desdenhar dos que ficam em casa para se proteger da pandemia. "É para os fracos", decretou, quando já passavam de 135 mil os mortos pela Covid-19. Na realidade, os "fortes", expostos diariamente ao novo coronavírus, são muitos —e muito diversos em estilo e condições de vida.
A
grande maioria é formada por aqueles para os quais o isolamento não é opção,
por lhes faltarem renda, moradia adequada, acesso a saneamento e água potável.
São os milhões de pobres, predominantemente negros, que vivem nas periferias ou
nos centros degradados de nossas cidades.
É
difícil saber ao certo como vêm passando e de que modo têm reagido à pandemia.
O pouco que se conhece de sua dor e de sua força deve-se à Rede
de Pesquisa Solidária, que reúne mais de uma centena de estudiosos de
diferentes formações e filiações acadêmicas, engajados em levantar
dados que ajudem a melhorar a ação dos governos durante e depois da
pandemia.
Um
grupo de membros dessa rede, coordenado pela socióloga Graziela Castello, vem
coletando periodicamente informações junto a lideranças comunitárias de várias
capitais brasileiras sobre os principais problemas enfrentados pelas populações
mais vulneráveis.
O
que angustia antes de tudo os ativistas das comunidades são as famílias que
passam fome, uma ameaça sempre presente. Segue-se a perda do emprego ou do
trabalho e da renda. Depois, a dificuldade de acesso a serviços públicos como
educação, justiça e atendimento funerário; finalmente, a expansão do contágio e
a dificuldade de conseguir a adesão das pessoas às medidas de proteção.
Os
mesmos temas aparecem nos relatos de três ativistas participantes do evento
"A pandemia nas favelas", organizado pela Fundação Fernando Henrique
Cardoso e disponível no YouTube. Eles contam como líderes e entidades comunitárias
se mobilizaram para suprir carências de toda ordem. Distribuíram
cestas básicas, material de higiene, máscaras; organizaram atividades para
gerar renda e fizeram podcasts para difundir informações úteis sobre a
pandemia; auxiliaram os agentes comunitários de saúde e saíram em busca de
espaços para o isolamento dos doentes e proteção dos mais velhos.
Dor,
luto e incerteza —mas também solidariedade, força e inovação— aparecem nos
depoimentos dos participantes do encontro, assim como naqueles coletados pela
Rede Solidária. São experiências que poderiam inspirar parcerias inovadoras e
políticas públicas mais adequadas a um país onde o isolamento não é para quem
quer, porém para quem pode.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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