Bolsonaro não aceita sugestões apresentadas por seu ministro da Economia, e há um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo
Na
segunda-feira passada, na presença do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da
Economia, Paulo Guedes, e do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo
Barros (PP-PR), o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta
orçamentária para 2021, anunciou a criação do novo programa social do governo,
que chamou de Renda Cidadã. Ele informou que o governo iria limitar o pagamento
de precatórios judiciais e, com os recursos que sobrariam, financiar o
programa. Ontem, o ministro Paulo Guedes surpreendeu o país ao afirmar que nada
daquilo valeu. Chegou a sugerir que nunca se pensou em tal coisa.
O
anúncio de Bittar, no Palácio do Planalto, está gravado e pode ser facilmente
acessado na internet. O mais impressionante é que, no dia seguinte, o próprio
Bittar e o líder Ricardo Barros reafirmaram a decisão e negaram que o governo
pudesse recuar de sua proposta, mesmo com a forte reação contrária dos
mercados.
A
avaliação unânime dos analistas foi de que o governo estava propondo uma
“pedalada fiscal”, com a postergação do pagamento dos precatórios. Iria
transferir uma dívida, que todo ano a Justiça manda pagar, para ser quitada
pelas futuras gerações.
Guedes
aproveitou ontem a entrevista de divulgação dos dados do Caged, que mostraram
uma forte criação de empregos com carteira assinada em agosto, para alterar
inteiramente o discurso oficial sobre os precatórios. “Sabemos que precatórios
são dívidas líquidas e certas, transitadas em julgado. Ninguém vai botar em
risco a liquidação de dívidas do governo. Vamos pagar tudo”, disse,
demonstrando uma certa exaltação. “Estamos aqui para honrar compromissos.
Compromisso fiscal, de dívida”, acrescentou.
O
ministro afirmou que sua preocupação era com o “crescimento explosivo” da
despesa com o pagamento de precatórios nos últimos anos. Segundo informou, esse
gasto era de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões no governo Dilma Rousseff e a
projeção para 2021 é de R$ 55,5 bilhões. “Estamos examinando [os precatórios]
estritamente com foco em controle das despesas.”
Guedes
reafirmou, no entanto, sua intenção de apresentar um novo programa social para
amparar os “invisíveis”, que foram descobertos pelo governo com o auxílio
emergencial. Segundo ele, são 40 milhões de pessoas que precisam de ajuda a
partir de janeiro, quando o auxílio emergencial acabar. Guedes voltou a afirmar
que é preciso promover uma aterrissagem suave, quando isso ocorrer.
Ele
disse que nunca pensou em utilizar parte do dinheiro que seria usado para pagar
os precatórios para financiar o Renda Brasil. Foi com esse nome que o ministro
se referiu ao novo programa social do governo Bolsonaro, e não Renda Cidadã,
empregado por Bittar. “Uma despesa permanente precisa ser financiada com uma
receita permanente. Não pode ser financiada por um puxadinho, por um ajuste”,
afirmou.
O
problema, portanto, está do mesmo tamanho. Ou seja, como o novo programa do
governo, qualquer que seja o seu nome, será financiado a partir de janeiro do
próximo ano?
É
importante relembrar que todas as sugestões apresentadas pela área econômica
foram vetadas pelo presidente Bolsonaro. A ideia inicial, com a qual a equipe
de Guedes trabalhou desde o início, era eliminar os programas sociais
considerados ineficientes, ou seja, que não estão atingindo as pessoas mais
necessitadas da sociedade, e direcionar os recursos para os mais carentes e
para os trabalhadores informais.
A
primeira proposta levada ao presidente foi a de acabar com o abono salarial,
que concede até um salário mínimo por ano para o trabalhador que ganha até dois
pisos por mês. Bolsonaro rejeitou a proposta publicamente, dizendo que não iria
tirar dos pobres para dar para os paupérrimos. Aquele foi um banho de água fria
na equipe de Guedes, pois o fim do abono abriria um espaço de R$ 20 bilhões
para turbinar o Renda Brasil.
Depois,
o presidente rejeitou também o fim do seguro-defeso, que é concedido aos
pescadores artesanais no período da desova dos peixes. O secretário da Pesca,
Jorge Seif Junior, ao lado de Bolsonaro em sua live semanal, chegou a dizer que
o fim do seguro-defeso era “fake news”.
Em
seguida foi a vez de o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, ser
desautorizado pelo presidente da República. Em entrevista ao Valor, Waldery defendeu a
desindexação de benefício previdenciários, ou seja, suspender pelo prazo de
dois anos a correção monetária do valor das aposentadorias e pensões. O
secretário estimou que a medida reduziria as despesas da União em R$ 17 bilhões
em 2021 e em R$ 41,5 bilhões em 2022.
Com
a repercussão das palavras de Waldery, o presidente usou as redes sociais para
dizer que uma proposta como aquela só podia ser feita por alguém que não tem
coração e anunciou que daria “cartão vermelho” para quem insistisse no assunto.
Bolsonaro disse também que não queria ouvir falar em Renda Brasil até 2022. Ele
mudou de ideia no dia seguinte, ao autorizar o relator das PEC Emergencial e do
Pacto Federativo, senador Marcio Bittar, a incluir em seu substitutivo a
criação de um novo programa social.
Depois
da forte reação dos mercados e da própria sociedade à “pedalada fiscal” dos
precatórios, o ministro Guedes informou ontem que o governo não vai financiar o
Renda Brasil com parte dos recursos que seriam utilizado para pagar
precatórios. O ministro disse, no entanto, que o programa será criado para
fazer a “aterrissagem suave” do auxílio emergencial.
A impressão que está passando ao público é de um governo perdido. Com um presidente que não aceita as sugestões apresentadas por seu ministro da Economia e um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo. Há também as intrigas entre ministros. Ontem, por exemplo, Guedes afirmou que tinha gente dentro do governo querendo “estourar o teto de gastos em R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões”. E que sua intenção é não deixar que isso aconteça.
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