Semear confusão é a estratégia que resta ao
republicano, cuja situação no mapa eleitoral é precária
Desde os debates
entre John Kennedy e Richard Nixon em 1960 — os primeiros da história americana
—, os Estados Unidos encaram o embate dos candidatos na televisão como um
ritual da democracia. Mas o que se viu sessenta anos depois, na noite da última
terça-feira em Cleveland, foge a qualquer tradição.
Nos 90 minutos do
debate entre Donald Trump e Joe Biden houve, na conta do “Washington Post”, 93
interrupções — 71 provocadas por Trump. O bate-boca nada trouxe de relevante ao
eleitor que buscava se informar para escolher candidato. Em vez disso, o clima lembrava
uma luta de boxe em que um contendor não larga o adversário, por mais que o
juiz — o moderador Chris Wallace — tente apartar os dois.
Por um acerto entre
as campanhas de Biden e Trump, Wallace não tinha o poder de desligar o
microfone, essencial para moderar discussões que descambam para ofensas e
agressões. Para evitar o caos nos debates marcados para as próximas semanas (um
entre os candidatos a vice), a Comissão de Debates Presidenciais anunciou que
acrescentaria “estrutura adicional”. Nenhuma estrutura, porém, resolverá o
problema destas eleições. Um problema com nome e sobrenome conhecidos: Donald
Trump.
Trump deixou claro
no final do debate que não está disposto a aceitar o resultado das urnas, caso
não lhe seja favorável. Repetiu — sem apresentar prova — acusações de fraude no
voto postal. Insinuou que a Suprema Corte decidirá sobre um resultado que
“possivelmente não conheceremos por meses” (daí talvez sua pressa em indicar
uma nova juíza conservadora ao tribunal). Num tom de ameaça velada, conclamou
partidários a “examinar com cuidado” a votação e se recusou a condenar os
supremacistas responsáveis pela violência racista. Num momento ambíguo, deu a
entender que um desses grupos ficasse “de prontidão” (“stand by”).
Semear confusão é a
estratégia que resta a Trump, cuja situação no mapa eleitoral é precária. Desde
o início da campanha, Biden lidera as pesquisas nos estados decisivos por
margem superior à de Hillary Clinton em 2016. O debate não mudará isso. O
ingrediente que favorece Trump é, paradoxalmente, o que ele ataca: a alta
proporção de votos postais tende a estender a apuração por vários dias e a
abrir brechas a toda sorte de contestação na Justiça.
Nunca na história
americana houve ameaça parecida. Nunca um presidente contestou a lisura do
processo democrático antes mesmo da votação. A perspectiva continua incerta e
imprevisível. As consequências poderão ser dramáticas para a estabilidade internacional
e o futuro da democracia — e não só nos Estados Unidos.
Denúncia contra Flávio desafia influência do pai –
Opinião | O Globo
Instituições têm de continuar a
resistir à pressão do Planalto em defesa da família Bolsonaro
Adenúncia do MP do
Rio contra Flávio Bolsonaro por peculato e lavagem de dinheiro, praticados à
frente de uma organização criminosa especializada em saquear os cofres públicos
por meio do esquema da “rachadinha”, acusa o senador de ter desviado R$ 2,7
milhões da Assembleia Legislativa (Alerj), quando era deputado, e de ter usado
mecanismos clássicos de lavagem de dinheiro em operações com dinheiro vivo.
A acusação está
lastreada numa investigação do Ministério Público iniciada em 2018, na Operação
Furna da Onça, sobre deputados da Alerj que aplicavam esse golpe. A tramoia,
comum entre parlamentares do baixo clero, municipais, estaduais e federais,
consiste em nomear assessores que aceitem repassar um quinhão de seu salário.
Por isso, precisam ser pessoas de confiança, familiares ou amigos muito
próximos.
O ex-PM Fabrício
Queiroz, que cultiva laços antigos com o clã Bolsonaro, é denunciado como
principal operador do esquema. No período investigado, diz a denúncia, recebeu
de assessores do então deputado estadual Flávio R$ 2 milhões em depósitos e
outros R$ 2,9 milhões em espécie. Dessa fábrica saíram milhões para Flávio
lavar na compra e venda de imóveis e na sua loja de chocolates.
O hoje senador
Flávio, o Zero Um, não é o único integrante do clã a mexer com tanto dinheiro
vivo. Segundo O GLOBO revelou, o deputado federal Eduardo, o Zero Três, ao
comprar por R$ 1 milhão um apartamento na Avenida Pasteur, de frente para a
Baía de Guanabara, pagou R$ 100 mil “em moeda corrente do país, contada e
achada certa”, conforme registra a escritura no jargão peculiar dos cartórios.
O vereador Carlos, o Zero Dois, na compra de imóveis, também pagou na tal moeda
corrente “contada e achada certa”.
Também foi
comprovado o uso de dinheiro vivo por duas ex-mulheres do presidente Jair
Bolsonaro, Rogéria e Ana Cristina Valle, sempre na compra de imóveis. Rogéria,
mãe dos três filhos mais velhos do presidente, os três Zeros, adquiriu um
imóvel na Tijuca pago em espécie, segundo o “Jornal Nacional”. Ana Cristina,
enquanto era casada com Bolsonaro, foi além: comprou 14 imóveis, cinco pagos em
dinheiro vivo.
Embora não seja
ilegal, o uso de dinheiro vivo sempre levanta nas autoridades a suspeita de
lavagem. Quem, afinal, paga imóveis em espécie? O chefe do clã, o presidente
Bolsonaro, nunca deixou de se desdobrar na defesa dos seus.
Agiu assim junto ao
Supremo e pressionou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro para ter canais
próprios na Polícia Federal. Moro foi empurrado para fora do governo, e o
Supremo impediu que Bolsonaro nomeasse um amigo para a PF. Não há dúvida de
que, diante da denúncia, o presidente testará outra vez sua influência no
Judiciário. As instituições precisam continuar a resistir à pressão.
A
inflação do Alvorada – Opinião | O Estado de S. Paulo
As palavras, decisões e atitudes irresponsáveis de Jair
Bolsonaro espantam investidores, afetam o câmbio e inflam os preços
O
presidente Jair Bolsonaro é hoje a fonte de inflação mais perigosa. Suas
palavras, decisões e atitudes irresponsáveis assustam o mercado, espantam
investidores, afetam o câmbio e acabam inflando os preços com a alta do dólar.
Em outros países se pode conter a inflação com aumento de juros, principal
instrumento de aperto monetário. Não há, no entanto, meios de controlar o
presidente brasileiro, fazê-lo medir suas palavras e tentar criar um ambiente
político e econômico saudável e previsível.
Um
novo susto derrubou a bolsa de valores na segunda-feira e levou o dólar a R$
5,67, a maior taxa desde 21 de maio, quando a cotação chegou a R$ 5,70. O fato
assustador, desta vez, foi o anúncio de mais uma gororoba fiscal para financiar
a Renda Cidadã, estandarte da campanha pela reeleição. A fórmula anunciada
inclui uma redução de pagamentos de precatórios, algo com cheiro de calote, e
uma apropriação muito polêmica de recursos do Fundeb. De novo o Banco Central
(BC) precisou intervir no mercado, vendendo moeda americana, para derrubar a
cotação até R$ 5,63, uma taxa ainda muito elevada.
Dólar
muito caro, muitas vezes superando por 40% a cotação do início do ano, tem
pressionado os preços por atacado. Os aumentos são em parte explicáveis pelas
exportações do agronegócio, principalmente para a China, e em parte também pelo
câmbio. Dólar mais caro estimula também as vendas de produtos de menor peso na
balança comercial, como o arroz, mas muito importantes para o mercado interno.
Além disso, preços domésticos tendem a acompanhar os externos, especialmente
quando há aumento de custos.
A
inflação do atacado é bem visível no Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M),
calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Esse
indicador subiu 4,34% em setembro, 14,40% neste ano e 17,94% em 12 meses. Mas
convém traduzir esse aranzel de letras e números. O IGP-M é formado por três
componentes. Os preços ao produtor (atacado) têm peso de 60%. Os preços ao
consumidor correspondem a 30% do conjunto. O índice nacional do custo da
construção representa 10% do indicador total.
Os
preços por atacado, os mais sensíveis ao mercado internacional e ao câmbio,
subiram 5,92% em setembro, 20,14% em 2020 e 25,26% em 12 meses. As maiores
altas foram as dos produtos agropecuários: 9,41% no mês passado, 28,82% no ano
e 45,52% em 12 meses. Mas, com o isolamento, a perda de renda e a insegurança
de milhões de famílias, o consumo foi refreado. Por isso, a maior parte da alta
de preços ficou represada no atacado. Houve pouco repasse ao varejo e ao
comprador final.
Por
isso, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) aumentou apenas 0,64% no último
mês, 2,03% em 2020 e 3,04% nos 12 meses até setembro. Mas isso é um número
médio. O custo da alimentação, um dos principais componentes do IPC, subiu bem
mais que os outros preços pagos pelas famílias, com altas de 1,30%, 7% e 9,08%
nos períodos considerados. Em setembro o arroz ficou 11,08% mais caro e virou o
novo terror inflacionário.
“O
câmbio médio dos próximos 30 dias poderá determinar o futuro de curto prazo do
IGP-M”, disse o coordenador de índices de preços da FGV, André Braz, ao
apresentar os novos dados. Dólar na faixa de R$ 5,50 a R$ 5,60 poderá, segundo
ele, impedir a desaceleração dos preços.
Não
se pode rejeitar a possibilidade de um IGP-M com 20% de alta em 2020, embora o
cenário básico seja outro, comentou o economista. Com a volta da China e de
outras grandes economias à normalidade, as commodities se valorizam “e a
incerteza doméstica cria uma desvalorização cambial que, se for perpetuada,
poderá criar uma pressão em direção a esse cenário”, acrescentou.
A
incerteza doméstica, refletida no dólar, também é fator inflacionário. É
palavra de especialista, confirmada no dia a dia dos mercados. Faltou dizer de
onde vem a incerteza. Vem, é claro, do desgoverno, principal fonte de
insegurança fiscal e econômica. Exemplo: a lambança orçamentária discutida na
segunda-feira. Endereço: Palácio da Alvorada. Mas as emas são inocentes.
A
democracia na América – Opinião | O Estado de S. Paulo
Donald Trump não respeita o adversário político, o próprio
partido e o eleitor
O
primeiro debate das eleições americanas assustou os telespectadores. Foram 90
minutos de injúrias, insultos e demasiadas interrupções. “Ninguém jamais viu um
debate presidencial como o festival de gritos e agressões de terça à noite
entre o presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden”, resumiu Dan
Balz, do Washington Post.
Desde
o início, o presidente americano impôs o tom do debate, com falas agressivas e
contínuas interrupções. Sem sucesso, o moderador Chris Wallace fez vários
apelos a Donald Trump para que respeitasse a ordem do debate. Tal incivilidade
impediu uma discussão efetiva sobre os reais problemas do país. No entanto, por
mais constrangedores que tenham sido os maus modos de Trump, eles não foram o aspecto
mais assustador do debate – e do que se tem visto até agora da campanha
eleitoral nos Estados Unidos.
Atrás
nas pesquisas de opinião, Donald Trump tem colocado em dúvida a lisura do
sistema eleitoral americano, sem trazer qualquer fato que apoie sua acusação.
Como escreveu Thomas L. Friedman no New York Times, “o presidente disse-nos de
inúmeras maneiras que ou será reeleito ou deslegitimará o voto, alegando que
todas as cédulas por correio – uma tradição consagrada que conduziu
republicanos e democratas ao cargo e foi usada pelo próprio Trump – são
inválidas”.
Perversa,
a tática de Trump, lançando suspeitas infundadas sobre a contagem dos votos,
causa enormes estragos na confiança na democracia. Caso não vença no Colégio
Eleitoral, o candidato republicano dá sinais de querer criar uma enorme
confusão, levando o resultado das urnas para avaliação da Suprema Corte ou do
Senado.
Esse
descarado desrespeito às regras do jogo tem causado apreensão. “Nossa
democracia está em terrível perigo”, escreveu Thomas L. Friedman. Segundo o
colunista do New York Times, um perigo como esse não era visto “desde a Guerra
Civil; mais perigo do que depois de Pearl Harbor, mais perigo do que na crise
dos mísseis cubanos e mais perigo do que durante Watergate”. Não deixa de ser
estranho que esse perigo se dê precisamente no país que tem sido o paradigma de
democracia.
Essa
dramática situação é resultado de uma tática usada há anos por Donald Trump,
com a conivência de não poucas pessoas. O candidato republicano não respeita o
adversário político, não respeita o próprio partido e não respeita o eleitor.
Pesquisa
realizada pela CNN apontou que Joe Biden venceu o debate da noite de
terça-feira contra Donald Trump por 60% a 28%. Num cenário tão dramático, é um
alívio constatar que o bom senso parece ainda prevalecer minimamente. Mas, como
disse o cientista político Hussein Kalout, “foi um dos piores debates da
história das eleições americanas. Um debate caótico e desprovido de conteúdo e
de propostas estruturais. O confronto se deu de forma rasteira e é impossível
auferir a vitória a um dos lados. O eleitor americano foi o maior perdedor”.
O
quadro é extremamente preocupante. A confusão que Donald Trump se esforça para
armar pode trazer grandes prejuízos não apenas para os Estados Unidos, mas para
todo o mundo. No caso do Brasil, há ainda um aspecto especialmente
constrangedor. Mesmo diante do comportamento de Donald Trump, o governo de Jair
Bolsonaro insiste em ser submisso, de um jeito nunca visto na diplomacia
brasileira, ao candidato republicano e a seus interesses eleitorais.
O
debate de terça-feira à noite, com a atuação absolutamente incivilizada do
candidato republicano, evidencia o grau de cegueira deliberada de Jair
Bolsonaro e de parte de seu governo, em especial da chamada ala ideológica.
Vale lembrar, por exemplo, a análise do chanceler Ernesto Araújo, publicada em
artigo, na qual dizia que Donald Trump era o único que talvez pudesse ainda
salvar o Ocidente. Mais realista parece ser a constatação de Thomas L. Friedman
sobre o candidato republicano: é “a pessoa mais desonesta, perigosa, mesquinha,
divisiva e corrupta que já ocupou o Salão Oval”.
Primeiro round – Opinião | Folha de S. Paulo
Debate caótico entre Trump e Biden nos EUA põe em dúvida futuro
de um clássico da democracia ocidental
Na noite de terça-feira (29), o presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, protagonizaram o mais insólito confronto entre dois postulantes à liderança dos Estados Unidos que já se viu.
Desde o primeiro debate
presidencial televisionado, no qual um altivo John Fitzgerald Kennedy trucidou
um amarrotado Richard Nixon em 1960, esses eventos passaram a ser vistos como
momentos de gala do processo político americano.
Com regras limpas para
garantir a exposição de ideias e o esclarecimento dos eleitores, além de inibir
golpes abaixo da cintura, tornaram-se clássicos da democracia ocidental e
ofereceram um modelo imitado no mundo inteiro.
Entretanto, assim como o
cavalheirismo deu lugar um dia à guerra mecanizada, parece não haver mais
espaço para a civilidade.
O público global, porque a
eleição na potência mundial fala aos interesses de todos, foi exposto a uma torrente inócua
de vulgaridades, em que Trump conseguiu rebaixar ainda mais o nível
que tinha estabelecido nos embates com Hillary Clinton,
há quatro anos.
O republicano jogou para sua
plateia e não parecia preocupado em ganhar indecisos para suplantar Biden, que
hoje ostenta 7 pontos de vantagem nas
pesquisas. Logo trouxe o democrata, a maior parte do tempo
titubeante, para o seu nível. Chamado de burro por Trump, Biden pediu que o
rival se calasse e o chamou de palhaço e mentiroso.
Aparentemente atordoado
diante da verborragia agressiva do presidente desatinado, seu oponente perdeu a
primeira chance de se mostrar ao eleitorado como alternativa racional. Se o mau desempenho irá
se refletir no restante da campanha, por ora é insondável.
A constatação possível é
outra. Sequestrado pelo método das redes sociais, em que desinformação e
ofensas pessoais substituem o cotejamento de visões de mundo, o debate
esvaziou-se de sentido —como se a apoplexia que acompanhou a ascensão de Trump
e outros populistas o tornasse inviável.
Ainda que se aperfeiçoem as
regras, os próximos dois duelos da corrida eleitoral americana prometem mais
cenas lamentáveis. É certo que serão avidamente estudados no Brasil de Jair
Bolsonaro, talvez o mais fiel
discípulo de Trump entre os governantes da safra que chegou ao
poder no ciclo recente.
Como tudo o que o ídolo
americano faz encontra eco no seu pupilo tropical, os brasileiros já podem ter
uma amostra do que lhes espera se o presidente aceitar participar de debates na
campanha de 2022.
Retrato do atraso – Opinião | Folha de S. Paulo
Relatório sobre baixo acesso a tecnologia mostra custo da
letargia do governo na área educacional
Uma das consequências sociais mais graves da pandemia de Covid-19, a interrupção das aulas presenciais nos últimos meses pôs em evidência a enorme dificuldade para incorporar novas tecnologias ao ensino oferecido na rede pública.
Observou-se, de um lado, que
um expressivo contingente de estudantes, por não dispor de computadores ou
acesso à internet em casa, não pôde acompanhar as atividades oferecidas pelas
escolas em substituição às aulas regulares.
De outro, viu-se que as
próprias escolas padecem de carências brutais nesse terreno, seja de
equipamentos eletrônicos, seja de conexões em velocidade adequada.
Um relatório da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ofereceu novas evidências
do atraso nacional.
Segundo o documento, que analisou dados de 79 países que participam do Pisa,
principal avaliação
internacional de ensino, o Brasil ostenta a vexaminosa média de
1 computador para cada 10 alunos.
A marca coloca o país nas
últimas posições do ranking da organização, ao lado de Marrocos e Kosovo, e
muito atrás de seus vizinhos latino-americanos. O mais próximo é o México, cuja
relação é de 1 computador para 4 estudantes.
Os dados abarcam
estabelecimentos privados e públicos, sugerindo que o problema é ainda mais
acentuado na rede oficial, que atende 80% dos estudantes do país.
Como em outros assuntos sob
sua responsabilidade, também nesse o Ministério da Educação se omite.
Uma licitação para aquisição de 1,3 milhão de computadores destinados à rede
pública, ao custo de R$ 3 bilhões, acabou suspensa devido a suspeitas de
fraude. Um ano depois, nem o edital foi refeito nem as denúncias esclarecidas.
O programa voltado à
implementação de acesso à
internet sofre de baixíssima eficiência. Em 2019, apenas 16%
dos recursos disponíveis para esse fim foram utilizados.
Não basta comprar
computadores para as escolas e dotá-las de conexões velozes para que o país
supere seu atraso educacional. Abdicar dessas ferramentas, contudo, como faz o
governo, equivale a manter milhões de estudantes apartados das imensas
potencialidades propiciadas pela tecnologia.
Em debate, Trump diz que não aceitará resultado das urnas – Opinião | Valor Econômico
A pandemia, que matou mais de 206 mil americanos, impediu
comícios e reuniões com eleitores nos quais Trump leva vantagens sobre Biden,
que tem discurso discreto, frequentemente monótono e propensão a gafes. O bom
estado da economia, que favorece o incumbente, esvaiu-se e em seu lugar veio
uma depressão de 31,4% no segundo trimestre. O desemprego disparou. O
comportamento de Trump durante a pandemia foi irresponsável e desastroso. Há
meses Biden lidera as pesquisas e o republicano não tem conseguido diminuir
vantagem de 5 a 7 pontos percentuais. Biden está à frente ou empatado em
Estados decisivos, como Pennsylvania e Wisconsin, Flórida e Carolina do Norte.
Fora da TV, não houve confronto direto entre os candidatos. A noite de terça
foi uma das poucas oportunidades até a eleição e foi desperdiçada por Trump. O
presidente tem seu eleitorado cativo, que está acostumado ou aprecia seu estilo
autoritário, burlesco e sarcástico, que se esparrama cotidianamente pelos
tweets. Trump fez tudo para roubar a cena no debate, conseguiu, mas não obteve
trunfos políticos que esperava.
Em primeiro lugar, é o presidente quem está atrás nas pesquisas e precisa desgastar Biden, mas Trump só sabe fazer isso à sua maneira boçal. Disse que Biden é um candidato senil, que não sabe o que fala, e sugeriu que ele fosse testado por doping antes ou depois do debate. Nele, Trump se superou em impropriedades e grosserias em sua estratégia tão maldosa quanto infantil. Sua ininterrupta catadupa de palavras buscava dificultar o raciocínio de Biden e mostrá-lo aparvalhado como o estereótipo eleitoral que criara. O democrata não caiu nessa e, quando parecia que iria cair, Trump não o deixou com suas interrupções em série.
Trump mal fez a defesa de seu governo, o que é surpreendente, ou sintomático, e sua mensagem foi uma colcha de retalhos costurada com valores negativos. Em um dos momentos mais reveladores, recusou-se a condenar supremacistas brancos e milícias de direita, dizendo que alguém precisava “fazer alguma coisa com os antifas e a esquerda” e que elas “recuar e ficar a postos”. Insistiu na lorota de que a eleição será massivamente fraudada pelos democratas com votos pelo correio, que crescerão com a pandemia.
Biden, que não é um orador brilhante, escolheu temas e
manteve-se neles o quanto pode. Disse que o papel de Trump na pandemia foi
vergonhoso, esquivou-se do rótulo de esquerdista que o presidente quis lhe
pregar e disse que Trump “foi o pior presidente que existiu”. Desaconselhou a
escolha agora, feita por Trump, de um novo membro da Suprema Corte e defendeu o
que a mudança poria em risco: o programa de seguro de saúde amplo instaurado
por Obama (Obamacare). Mostrou-se mais preocupado com os problemas do povo
americano do que com seu próprio ego, caso de Trump.
Pesquisas indicam que Biden venceu o debate que praticamente não
houve. O fato é que Trump não se empenhou em atrair os eleitores independentes
ou moderados, e, acintoso, deixou claro que não aceitará o resultado das
eleições, que serão decididas pela Suprema Corte se Biden não vencer por ampla
margem, o que é pouco provável. Trump vem pisando nas instituições desde que
chegou ao poder e agora comporta-se como um ditador de república de bananas,
que diz de antemão que só aceita o resultado das urnas se for o vencedor e
conclama seus apoiadores a ir às ruas defendê-lo.
Nunca a democracia americana viveu risco semelhante. Trump desmoraliza o sistema eleitoral em causa própria, e propôs que seus eleitores votem nas urnas e também pelo correio, para provar que as fraudes são possíveis. O “The New York Times” resumiu em um título a análise de sua performance na terça: “O debate mostrou que a maior ameaça à eleição é o próprio Trump”.
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