Na
ânsia de criticar as medidas de combate à pandemia, bolsonaristas escancaram
seu darwinismo social, o que deveria custar votos
Não é somente a corrupção que degrada a política, como querem fazer crer os oportunistas que se travestiram de cruzados anticorrupção para alcançar o poder nas eleições passadas. A política também perde o sentido quando a ignorância é elevada à categoria de ativo eleitoral.
Tome-se
como exemplo a declaração de Celso Russomanno, candidato à Prefeitura de São Paulo,
segundo a qual “não temos uma quantidade imensa de moradores de rua com
problema de covid” porque “talvez eles sejam mais resistentes que a gente
porque convivem o tempo todo nas ruas, não têm como tomar banho todos os dias,
et cetera e tal”.
Seria
um erro tratar essa declaração grotesca como simples anedota de campanha
eleitoral, como tantas que períodos estranhos como esse costumam produzir. É,
ao contrário, fortemente simbólica do pesadelo que o País atravessa, entregue
em parte a políticos que deliberadamente tratam os eleitores como néscios e,
pasme o leitor, ainda ganham votos com isso.
Ao
classificar os pobres como uma espécie diferente, “mais resistente que a gente”
porque vive nas ruas e não toma banho, o candidato Celso Russomanno nada mais fez
do que imitar seu padrinho, o presidente Jair Bolsonaro – que não faz muito
tempo, também a propósito da pandemia, disse que “o brasileiro tem que ser
estudado” porque “ele não pega nada: você vê o cara pulando em esgoto ali, sai,
mergulha, tá certo?, e não acontece nada com ele”.
Na
ânsia de criticar as medidas de combate à pandemia, sobretudo o isolamento
social, adotadas pelos governos estaduais e prefeituras, os bolsonaristas
escancaram seu darwinismo social e fazem o elogio do obscurantismo, o que deveria
escandalizar os cidadãos brasileiros e custar votos. Mas não é isso o que
acontece: a popularidade de Bolsonaro vem subindo e o candidato Celso
Russomanno está liderando as pesquisas.
Esse
aparente sucesso da impostura como capital eleitoral pode sugerir que
candidatos aumentarão suas chances de vitória se deliberadamente investirem em
embustes grosseiros, impressão que tende a multiplicar as candidaturas
sustentadas por discursos fraudulentos. Como resultado, a campanha eleitoral,
que normalmente já é repleta de promessas grandiloquentes e distorções da
realidade, corre o risco de ser conduzida para o terreno da farsa absoluta – em
que opiniões absurdas como a do candidato Russomanno, chanceladas pelo
presidente Bolsonaro, ganham mais valor que os argumentos embasados em fatos
comprovados.
Isso
nada tem a ver com política: é, ao contrário, sua completa negação, pois não é
possível falar em política sem que haja uma realidade compartilhada por todos,
a partir da qual se discutirão as soluções concretas para os problemas da
comunidade.
Quando
candidatos favoritos a cargos eletivos e líderes políticos da envergadura de um
presidente da República se esforçam para conduzir o debate para o terreno da
mais absoluta mistificação, negando a razão e a ciência como se estas fossem
prejudiciais ao País, salga-se o terreno comum da política, enquanto germina o
campo do charlatanismo autoritário.
Tudo
isso no momento em que a pandemia já matou mais de 150 mil brasileiros. Ou
seja, não é um capricho qualquer, tampouco um tema que possa ser tratado de
forma leviana na campanha: é de vida ou morte que se trata. Se um postulante à
prefeitura da maior cidade da América Latina, apoiado por ninguém menos que o
presidente da República, “argumenta”, sem nenhuma base na realidade, que
moradores de rua devem ser imunes à covid-19 porque não tomam banho e vivem
aglomerados, é o caso de levantar as mãos aos céus e agradecer pelo fato de não
ser ele o prefeito neste momento.
Mas
pode vir a ser, segundo indicam as pesquisas de intenção de voto. E esse
desfecho eleitoral, a julgar pelo que se viu até aqui, pode ajudar a aprofundar
o empreendimento bolsonarista de aniquilação da inteligência e da capacidade de
julgamento, sem as quais não se administra racionalmente um governo nem, muito
menos, se constrói uma democracia saudável.
A manobra e a conivência – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
tentativa de reeleição de Davi Alcolumbre trava a pauta do Congresso Nacional
Além de ser inconstitucional, a tentativa de reeleição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), trava a pauta do Congresso, impedindo o avanço de projetos de lei relevantes para o País, como mostrou reportagem do Estado. Diante da grave crise social, econômica e fiscal, não é momento de o Legislativo inventar problemas adicionais. É hora de cumprir a Constituição e de dar andamento a tudo aquilo que possa ser estímulo ao investimento, à produtividade e ao emprego.
O
texto constitucional é cristalino quanto à proibição de reeleição dos presidentes
da Câmara e do Senado. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões
preparatórias, a partir de 1.º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura,
para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de
dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente”, diz o art. 57, § 4.º da Constituição.
Tal
proibição deveria extirpar pela raiz qualquer desejo de reeleição que
eventualmente possa aflorar em algum ocupante da presidência da Câmara e do Senado.
Não há trilha a ser percorrida fora da Constituição. No entanto, “Alcolumbre
voluntariou-se para reeleger-se. Uma decisão pessoal, cuja razão real ainda não
emergiu. (...) O presidente do Senado assumiu tal obstinação e paralisou as
atividades da Casa”, escreveu Rosângela Bittar no Estado (Balé de
sombras, 14/10).
Para
angariar apoio à reeleição, David Alcolumbre tem segurado a votação de projetos
que não tenham consenso entre os senadores. Com isso, projetos de lei já
aprovados pela Câmara, como o novo marco legal do mercado de gás e as novas
regras para recuperação judicial, estão parados no Senado. Também não há
previsão para votar textos que modernizam regras dos setores ferroviário e
elétrico, cuja tramitação se iniciou no Senado. Os quatro projetos estavam na
lista de prioridades enviada em março ao Congresso pelo ministro da Economia,
Paulo Guedes. Só com o novo marco do gás, o governo esperava destravar
investimentos de até R$ 43 bilhões.
A
situação atual da pauta do Senado é mais um elemento a confirmar o acerto da
proibição da reeleição da presidência da Câmara e do Senado. De alguma forma,
tal vedação vem proteger o andamento dos trabalhos legislativos de eventuais
interesses eleitorais do presidente da Casa. Para que o cargo não seja usado para
obter a reeleição, o constituinte fez o óbvio: proibiu a reeleição.
A
insistência do presidente do Senado em sua reeleição é, assim, um grande
equívoco. Nesse intento, Alcolumbre busca envolver até o Judiciário, na
expectativa de obter uma decisão judicial que, contrariando a Constituição,
autorize a possibilidade de permanecer no cargo. Mas, no atual quadro, outras
duas grandes omissões chamam a atenção.
Em
primeiro lugar está a tolerância do Palácio do Planalto em relação à tentativa
de Alcolumbre. As manobras do presidente do Senado atrapalham e atrasam
diretamente os projetos que em tese são prioritários para o governo federal,
mas não se vê o presidente Jair Bolsonaro atuando para pôr fim a tal situação.
Ao contrário, Alcolumbre tem contado com uma tácita aprovação do Palácio do
Planalto, mais interessado em acomodar interesses do que em promover reformas.
Além
disso, também chama a atenção a falta de oposição efetiva por parte dos
senadores aos planos de Alcolumbre. Mesmo os parlamentares que afirmam defender
a Constituição e o Estado Democrático de Direito portam-se estranhamente
coniventes com a manobra do presidente do Senado para se manter na cadeira por
mais dois anos. “O silêncio do Senado conta com a conivência da oposição, dos
ex-governadores, dos estreantes, dos antigos e de todos”, escreveu Rosângela
Bittar em sua coluna.
Não deixa de ser constrangedora a insistência de Alcolumbre em sua reeleição contra a Constituição. Mas ainda mais constrangedora é a conivência do Palácio do Planalto e de grande parte dos senadores. Nessa acomodação de interesses, quem perde é o País. Sem reformas, sem crescimento e sem emprego, ainda tem de ver a Constituição ser posta de lado.
Coragem
e responsabilidade – Opinião | O Estado de S. Paulo
SP
tem feito as lições de casa e planejado suas finanças para os desafios
pós-pandemia
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) demonstrou ter a compreensão do risco que se avizinha para as finanças públicas do Estado no ano que vem ao aprovar, por 48 votos a 37, o texto-base do plano de ajuste fiscal proposto pelo governador João Doria (PSDB) em agosto. Os destaques deverão ser votados em sessão ainda a ser marcada. No Twitter, Doria celebrou a aprovação do projeto, afirmando que os deputados “honraram seus mandatos e garantiram a saúde fiscal do Estado para assegurar o atendimento aos mais pobres e desvalidos em São Paulo”.
Após
semanas de obstrução por parte de deputados da oposição, a base do governo na
Alesp, enfim, conseguiu reunir o quórum necessário para a votação do Projeto de
Lei (PL) 529/2020, texto absolutamente vital para assegurar a higidez econômica
de São Paulo em um cenário de queda da arrecadação e aumento das despesas
decorrentes da pandemia de covid-19.
Passada
a fase mais aguda da pandemia, não serão poucas as demandas sobre o Estado para
mitigar no futuro próximo os efeitos da emergência sanitária no bem-estar dos
paulistas, aqui incluída a retomada de um ambiente favorável aos negócios em
São Paulo. Ser fiscalmente responsável é condição necessária para a atração de
empresas que geram emprego e renda.
Dois
fatores foram fundamentais para que o projeto de lei fosse aprovado na sessão
que entrou pela madrugada de quarta-feira passada. O primeiro foi a divisão na
bancada do PTB, composta por três deputados que, sistematicamente, vinham
deixando de apreciar o PL 529/2020. Um deles, o deputado Roque Barbiere, comprometeu-se
a comparecer à sessão e votar o projeto, provocando a ira do líder da bancada,
o deputado Campos Machado. “Hoje eu acordei e pensei comigo mesmo: o que é que
quer dizer traição?”, disse Machado da tribuna. As bancadas do PSL e do PSB
também ficaram divididas, com parte dos deputados favorável ao projeto, parte
contrária.
Menos
apaixonada e mais afeita à atividade política típica de uma Casa Legislativa
foi a reação do relator especial do projeto, o deputado Alex de Madureira
(PSD), à articulação que levou à aprovação do PL 529/2020 após as manobras de
obstrução da oposição. “Chegamos a um ponto em que conseguimos explicar (o PL
529/2020) para mais alguns deputados que, eu acho, entenderam os pontos
principais do projeto”, disse o parlamentar.
Outro
fator que foi crucial para a vitória do governo na votação do plano de ajuste
fiscal foi a disposição do Palácio dos Bandeirantes de rever alguns pontos do
projeto que, de fato, precisavam de ajustes ou até mesmo deveriam ser
descartados pelo Executivo. Foi o caso, por exemplo, do controvertido repasse
do saldo superavitário das universidades estaduais e da Fundação de Amparo à
Pesquisa de São Paulo (Fapesp) em 2019 ao Tesouro estadual. O governador João
Doria recuou e retirou do projeto tanto este dispositivo como a previsão de um
corte de cerca de R$ 1 bilhão dos orçamentos da Universidade de São Paulo
(USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e da Fapesp.
O
projeto de ajuste fiscal do governo do Estado prevê a extinção de empresas
estatais, revisão de isenções tributárias e um plano de demissão voluntária que
poderá abarcar 5 mil servidores públicos, entre outras medidas. Nos cálculos
iniciais do governo, a aprovação do pacote de medidas em sua versão original
geraria uma economia de, aproximadamente, R$ 9 bilhões. Evidentemente, após as
negociações travadas com a Alesp este montante será reduzido. Mas ainda assim é
esperada uma economia substantiva para os cofres do Estado.
São
Paulo é um dos poucos Estados que, nesta hora grave, têm feito as lições de
casa e planejado suas finanças para os desafios do momento pós-pandemia. Não
surpreenderá se, pouco mais adiante, os entes que não tiveram a mesma coragem
venham, de novo, bater à porta da União pedindo socorro.
A hora da 2ª instância – Opinião | Folha de S. Paulo
Trapalhada
com traficante ao menos reacendeu debate sobre cumprimento de penas
A
barafunda em torno da desastrada
soltura de um líder de quadrilha pelo ministro Marco Aurélio
Mello, do Supremo Tribunal Federal, teve ao menos o mérito de iluminar algumas
das principais disfuncionalidades de nossa Justiça.
Salta
à vista, em especial, que um perigoso traficante já condenado duas vezes em
segunda instância a penas que somam mais de 25 anos de reclusão —nesta semana,
a terceira, o Superior Tribunal de Justiça, confirmou o acórdão em um dos
processos— encontrava-se preso devido a uma cautelar.
Estivesse
o réu cumprindo sua pena, em vez de retido por prisão preventiva, não teria
sido tão fácil ter sido libertado e evadir-se.
O
remédio para essa situação é conhecido e defendido por esta Folha —encontrar
uma forma de restaurar a prisão após a decisão da segunda instância. Há várias
possibilidades no tabuleiro.
A
maioria dos integrantes do STF poderia, mais uma vez, mudar de ideia e alterar
a jurisprudência. O vaivém da corte, porém, não constitui a melhor resposta ao
problema.
O
ideal seria que o Congresso Nacional se pronunciasse sobre a matéria. Entre as
alternativas está aprovar uma emenda que altere o artigo 5º da Constituição,
mas a medida é polêmica: alguns juristas entendem que o texto, por tratar de
garantias individuais, estaria blindado contra mudanças.
Outro
caminho é a chamada emenda Cezar Peluso (ex-ministro do STF), que deixa intacto
o artigo 5º e modifica o sistema recursal. Com isso, o trânsito em julgado se
daria após a segunda instância; o acesso a cortes superiores seguiria como
hoje, mas não contaria como continuação do processo.
De
toda maneira, o cumprimento da pena após a segunda instância colocaria o Brasil
em linha com a prática da esmagadora maioria das democracias ocidentais —e
teria o efeito adicional de reduzir a proporção de presos provisórios no país,
que anda em torno dos 40%.
Este
último aspecto levou o Congresso a aprovar, no ano passado, uma norma que
obriga as autoridades a renovarem, a cada 90 dias, a fundamentação da prisão
provisória. Foi esse o dispositivo usado por Marco Aurélio para soltar o
traficante André do Rap.
O
objetivo da regra é dos mais nobres. Detentos pobres e sem acesso a bons
advogados são frequentemente esquecidos por anos no sistema carcerário, sem
julgamento. No episódio recente, faltou bom senso em sua aplicação.
Não
por acaso, o Supremo já formou nesta quarta-feira (14) maioria para
manter a prisão preventiva do criminoso, agora foragido.
Outro
vício escancarado na novela é que os ministros da corte funcionam como 11
ilhas, que não hesitam em usar seus amplos poderes mesmo contra o entendimento
do colegiado. Essa questão, por envolver prerrogativas e vaidades, é bem mais
difícil de resolver.
Mudança no trânsito – Opinião | Folha de S. Paulo
Melhorado,
texto que abranda normas combina medidas corretas e questionáveis
O
presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos, na terça (13), o texto final do
projeto que apresentou em 2019 para mudar o Código
de Trânsito Brasileiro. Felizmente, o Congresso
conteve o ímpeto inicial do mandatário, que dava vazão ao seu
populismo rodoviário, e melhorou em muito a proposta.
O
abandono de propostas irresponsáveis, como a abolição de multa para quem
conduzisse crianças sem o uso de cadeiras apropriadas, e outras sugestões do
Legislativo levaram a um resultado mais equilibrado, até mesmo com vantagens em
relação às normas vigentes.
É
o caso do aumento do prazo para renovar a Carteira Nacional de Habilitação
(CNH) de pessoas com idade inferior a 50 anos, que passa de cinco para dez
anos. O projeto do Executivo estabelecia limite de 65 anos de idade.
O
aumento do limite de pontos para perda da habilitação, de 20 para 40, quando
não há registro de infração gravíssima, pode ser considerado condescendente,
mas tende a contornar a indústria de recursos e subterfúgios que prosperou à
sombra do atual sistema.
Preocupante
se mostra a extensão indiscriminada do limite de 40 pontos para taxistas,
motoristas de aplicativos e caminhoneiros, tenham ou não cometido infração
gravíssima —ainda que se prevejam cursos de reciclagem para quem atingir 30
pontos.
Menos
rigoroso, mas não necessariamente menos eficaz, o uso da advertência em lugar
da multa, quando o motorista não reincidir na infração em 12 meses, merece
exame cuidadoso de seus resultados nos próximos meses.
Diante
da realidade do uso da bicicleta nas cidades, o texto acerta ao prever como
infração grave o estacionamento sobre ciclovias ou ciclofaixas, bem como ao classificar
como gravíssimo não reduzir a velocidade ao ultrapassar ciclistas.
Em
tema complexo, Bolsonaro vetou a alteração da regra que autoriza o tráfego de
motocicletas entre automóveis. Disciplinar o trânsito de motos, veículos que
lideram os acidentes fatais nas vias públicas, é um desafio nacional, dada a
quantidade de empregos e serviços que dependem da norma.
O
assunto não se presta a tiradas frívolas como a de Bolsonaro ao justificar o
veto— alegando que dessa forma a pizza levada pelo entregador chegará quente.
Até que enfim, a privatização dos Correios - Opinião | O Globo
Começa
a sair do papel a promessa de venda das estatais feita na campanha eleitoral de
2018
Chegou
enfim ontem à Presidência o projeto de lei que marca o início da privatização
dos Correios e a retomada do ambicioso plano de venda de estatais prometido na
campanha eleitoral pelo ministro Paulo Guedes. Demorou quase dois anos para a
promessa começar a sair do papel, mesmo assim trata-se de notícia excelente.
Depois dos Correios, a fila da privatização inclui desemperrar a venda da
Eletrobras, leiloar o Porto de Santos e a estatal do pré-sal.
O
projeto para os Correios, elaborado pelo Ministério da Economia, pretende criar
um mercado competitivo para a entrega de mercadorias e correspondências. Para
isso, regulamenta o artigo da Constituição que trata dos serviços postais e
cria uma nova agência reguladora, a Agência Nacional de Comunicações (Anacom).
Ela assumiria os poderes da Anatel e teria a incumbência adicional de cuidar
desse novo mercado de entregas, sujeito à concorrência privada.
A
principal dificuldade na privatização de uma estatal como os Correios é
garantir as entregas nas regiões mais remotas e menos lucrativas. Ainda não há
consenso sobre o modelo a adotar para conseguir isso. Uma dúvida é se a estatal
deve ser vendida inteira ou fatiada. Os defensores da divisão se inspiram na
privatização bem-sucedida da telefonia, quando a Telebras foi quebrada em
pedaços, e as áreas nobres e mais rentáveis para o negócio foram associadas à
obrigação de universalizar o serviço em regiões desassistidas.
Tal
modelo desperta críticas entre os defensores da venda da estatal inteira. De
acordo com o economista Sérgio Lazzarini, do Insper, o negócio em pedaços seria
pouco atraente ao capital privado. Como alternativa para levar entregas às
áreas remotas, Lazzarini acredita que será preciso oferecer incentivos
financeiros ou subsídios aos vencedores do leilão. O BNDES contratou uma
consultoria que deverá debater o tema com congressistas e apresentar um plano
em 120 dias.
Independentemente
do modelo que vier a ser adotado, a telefonia traz outras lições relevantes.
Enquanto os editais dos leilões das filhotes da Telebras exigiam a instalação
de orelhões nos rincões do Brasil, poucos eram então capazes de vislumbrar que
a universalização viria por meio da internet acoplada à telefonia celular. Da
mesma forma, tecnologias de entrega hoje ainda incipientes, como drones ou
caminhões autônomos, têm tudo para trazer ao setor de entregas um dinamismo
ainda difícil de imaginar. Daí a importância de abrir o setor à competição. O
setor privado sempre anda mais rápido que o Estado na hora de inovar para
prestar um serviço melhor.
O
ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi enfático ao assegurar que, depois
da privatização, ninguém deixará de receber cartas ou encomendas em qualquer
lugar do país. A Constituição exige que o Estado garanta a existência de um
serviço de entregas universal. Também devem ser garantidos padrões de agilidade
e o respeito à privacidade dos itens transportados. Quem são os acionistas das
empresas que prestarem o serviço é irrelevante.
O uso temerário de retardante no combate ao fogo no Centro-Oeste - Opinião | O Globo
Relatórios
do próprio Ibama alertaram para o risco da aplicação do produto químico
O
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aproveita a fumaça que ofusca a
paisagem do Norte e do Centro-Oeste do país para pôr em prática, sem qualquer
discussão com a sociedade, o uso temerário de retardantes no combate às
queimadas. Adicionado à água lançada pelas aeronaves, o produto químico, que
permite extinguir as chamas de forma mais rápida, foi aplicado na Chapada dos
Veadeiros, em Goiás, onde Salles esteve no último fim de semana.
Há
dúvidas sobre o efeito do produto no meio ambiente. E elas vêm do próprio
Ibama. Como mostrou o “Jornal Nacional”, um relatório do Centro Nacional de
Prevenção e Combate aos Incêndios (Prevfogo) alertava em julho que, depois do
uso do retardante, é preciso suspender o consumo de água, frutas e legumes por
quarenta dias na região atingida, e ela deve ser monitorada por seis meses.
Em
agosto, outro relatório do Prevfogo pôs em dúvida o uso de retardantes em áreas
como Pantanal, Xingu ou Araguaia, onde há água em abundância. Afirmou ainda não
ser possível definir o limite seguro para que o produto não cause mais danos
que o fogo. Como já virou praxe no governo, Gabriel Zacharias, responsável
pelos relatórios, foi exonerado.
E
passou mais uma “boiada”.
Embora
o Ministério do Meio Ambiente tenha alegado que o produto não é tóxico e que
não há restrição na legislação, o uso do retardante na Chapada dos Veadeiros
foi criticado pela Secretaria de Meio Ambiente de Goiás, que disse não ter sido
consultada, e por moradores da região, que pediram a saída de Salles. Em
resposta aos protestos, o ministério divulgou nota afirmando que “a opinião de
meia dúzia de maconheiros não era relevante”. A pasta argumentou ainda que a
Chapada está sob jurisdição federal. Não significa que Salles possa fazer o que
quiser no parque.
A
afobação para usar um produto químico controverso contrasta com a leniência do
ministério na contratação de brigadistas para combater os incêndios na Amazônia
e no Pantanal. Devido a questões burocráticas e mudanças na legislação, o
governo levou quatro meses para pôr os agentes em campo — só fez isso em agosto
—, mesmo sabendo desde o início do ano que o Centro-Oeste enfrentaria altas
temperaturas e uma estiagem severa, condições que contribuíram para agravar os
incêndios.
Não
surpreende que Amazônia e Pantanal venham registrando recordes sucessivos de
focos de incêndio este ano, segundo o Inpe — embora o governo não queira ver. A
perda de fauna e flora é imensurável. Negacionismo, inépcia, arrogância e
administração errática resultam no ambiente inflamável.
FMI adverte sobre a retirada prematura de estímulos fiscais – Opinião | Valor Econômico
A
capacidade do governo de realizar investimentos racionais, neste ambiente, é
limitada
Os
enormes e generalizados aumentos da dívida pública para combater os efeitos da
pandemia preocupam menos o Fundo Monetário Internacional do que a possibilidade
de que os países “desliguem o apoio fiscal muito cedo”. Manter os estímulos
fiscais para consolidar a retomada é uma recomendação, inequívoca no caso das
economias avançadas e com facilidade para contrair novos empréstimos. Ela é
condicional, porém, em relação a economias emergentes, muitas das quais já não
tinham espaços fiscais para políticas anticíclicas antes da covid-19 e
ampliaram dívidas já muito elevadas. No caso do Brasil, o caminho a seguir é
complexo. O Monitor Fiscal mostra que o país ampliou os gastos públicos tanto
quanto os países ricos, tem o maior endividamento do mundo emergente e
capacidade de financiamento adicional limitada - e sob desconfiança.
Os
países avançados precisam, além de evitar retirar o apoio fiscal prematuramente
- o FMI julga que o correto é mantê-los pelo menos até 2021 -, elevar os
investimentos públicos, cujo poder de irradiação cresce em meio a incertezas,
como as atuais. “No momento, o importante é sustentar a recuperação e reduzir
danos prolongados às economias”, disse Vitor Gaspar, diretor de Assuntos
Fiscais do FMI.
A
dívida dos países ricos subiu a 125,5% do PIB - a global, a 100% pela primeira
vez -, com alta de 20,8 pontos percentuais em relação a 2019. A dos países
emergentes aumentou 5,9 pontos percentuais, para 62,2% do PIB. O endividamento
dos países do G-20 já era exorbitante antes mesmo da pandemia: 240% do PIB. Mas
há dois motivos para que o Fundo não se alarme com a evolução da dívida dos
países ricos. A covid-19 foi um “evento único” para as dívidas e as taxas de
juros próximas ou abaixo de zero permitirão a estabilização do endividamento já
a partir de 2021 - exceto nos EUA e na China.
Os
dilemas mais difíceis na saída da pandemia estão na direção da política fiscal
que seguirão países cuja dívida é muito alta e têm em xeque sua capacidade de
continuarem se endividando. O Brasil é o exemplo extremo deste grupo, um caso
quase único entre os emergentes. Seus gastos contra os efeitos da pandemia
chegaram perto de 11% do PIB, bem acima dos 5% do PIB dispendidos pelos
emergentes. O déficit fiscal elevou-se para 16,8% do PIB, acima da média de
-14,4% dos países ricos e só abaixo de EUA e Canadá.
A
dívida bruta do governo geral brasileiro alcançará 101,4% do PIB em 2020,
segundo o FMI. A média dos emergentes é de 62% do PIB e quem mais se aproxima
do Brasil, ainda que a boa distância, é a Índia (89,3%). Pelas previsões do
Fundo, não explicitadas, o déficit fiscal em 2025 estará no mesmo nível (alto)
de 2019, em 5,9% do PIB, um dos piores resultados projetados de todos os
países, exceto China, Índia e alguns produtores de petróleo. Já a dívida bruta
cresce ao longo de todo o período, atingindo 104,4% do PIB ao fim do
quinquênio. Só os países ricos superam esta marca.
O
FMI sugere que países com restrição fiscal priorizem a proteção aos mais
vulneráveis e cortem gastos que redundam em desperdícios. Um planejamento
fiscal de médio e longo prazo é uma peça importante na transição. Perguntado,
Vitor Gaspar disse que o teto de gastos tem “importante papel a desempenhar”,
junto com as reformas. Outro capítulo do Monitor Fiscal, sobre investimento
público, foi mais explícito ao admitir a suspensão temporária de regras fiscais
que impedem gastos, desde que elas sejam substituídas por outras críveis, de
consolidação, anunciadas com clareza e em detalhes.
Há
vários meios de arrumar recursos para gastos que sustentem redes de proteção
social. Redução de salários de funcionários públicos, para o FMI, é um deles.
Outro é aumentar impostos sobre os mais ricos, seja para elevar os recursos de
programas focados nos mais vulneráveis, seja para reduzir o déficit. Uma outra
é taxar progressivamente salários e rendas para financiar investimentos na infraestrutura
e na reorientação da economia para atividades que criem empregos, elevem a
produtividade e sejam ambientalmente sustentáveis. O sistema tributário deve
ser reformado para apoiar estes objetivos.
Endividado, o Brasil precisa retomar o ajuste, sem descuidar de manter algum apoio fiscal. A maré política, que conduz o barco da reeleição de Bolsonaro, empurra mais na direção do fim das amarras fiscais e da gastança. A capacidade do governo de realizar investimentos racionais, neste ambiente, é limitada. Achar o meio termo é possível, embora pouco provável.
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