Os
jovens que o sistema judiciário entrega para as facções
Muito
já se escreveu sobre a recente decisão do ministro Marco Aurélio que deu
interpretação literal ao parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo
Penal. A decisão, ao obedecer o texto da lei aprovada pelo Congresso Nacional e
sancionada pelo presidente da República, não é o absurdo. O absurdo é o descaso
dos responsáveis por revisar a necessidade da prisão não o terem feito. Como
estavam presentes os requisitos da prisão preventiva, bastaria que os
responsáveis estivessem atentos e não haveria ilegalidade a ser reconhecida
pelo ministro.
Aliás,
o próprio parágrafo único do artigo 316 é uma resposta para o descaso. Se não
prestam atenção nem no caso do André do Rap, de que maneira vocês acham que
eles lidam com os casos da grande maioria dos 253.963 presos provisórios?
Respondo: não lidam, esquecem. Pesquisem no site da Folha de S.Paulo os termos
"mutirão" e "presos provisórios".
A
decisão do ministro Marco Aurélio, entretanto, mais do que aos interesses
individuais dos chefes do crime organizado, atenderá aos interesses daqueles
que se dedicam a, de forma oportunista, discutir o processo penal como se ele
fosse uma amontoado de casos de "Andrés do Rap" ou de grandes casos
de corrupção.
Explico:
o juiz Marcelo Semer, na sua pesquisa que deu origem ao livro
"Sentenciando o Tráfico", avaliou 800 sentenças em oito estados do
país e concluiu que, na maioria dos casos, os réus são primários e foram presos
em flagrante pela Polícia Militar. Casos de pequenos traficantes, portanto.
Prender as grandes lideranças demanda investigação.
Ao
discutirmos o processo penal, precisamos sempre lembrar que o nosso medo das
organizações criminosas pode nos fazer defender um tipo de sistema que
interessa às suas lideranças, porque, ao jogar indiscriminadamente jovens
primários num sistema superlotado e dominado pelas facções, contribui
ativamente para a cooptação de novos membros para os seus quadros.
*Gabriela Prioli, é mestre em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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