Demandas judiciais com risco provável têm forte elevação
A
proposta do governo de limitar o pagamento de precatórios pela União, com o
objetivo de usar a sobra dos recursos para financiar o novo programa Renda
Cidadã, teve apenas um mérito: chamou a atenção para uma despesa que não para
de crescer. O gasto da União com o pagamento de sentenças judiciais aumentou de
forma acelerada nos últimos anos e, o que é pior, há indícios de que a situação
poderá se agravar no futuro. Ou seja, a despesa atual pode ser a ponta de um
iceberg.
Quem
tiver a curiosidade de ler o anexo de riscos fiscais, que acompanha o Projeto
de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2021, vai verificar que o total
das demandas judiciais contra a União, considerando aquelas de risco possível e
provável em conjunto, se elevou de R$ 1,645 trilhão em 2018 para R$ 2,204
trilhões em 2019 - um crescimento de 33,9%. O anexo informa que o resultado foi
influenciado pelo forte crescimento de ações de risco provável no período, que
se elevaram de R$ 117,6 bilhões em 2018 para R$ 664,1 bilhões em 2019 - uma
variação de 410%.
O
texto do anexo do PLDO explica que os órgãos do Poder Judiciário são os
responsáveis pela tramitação e julgamento das ações judiciais contra a União.
Nesse sentido, o evento “pagamento judicial” pode ser classificado como um
“risco”, “na medida em que ele é um evento futuro e incerto”. Cabe à
Advocacia-Geral da União (AGU) atuar perante os órgãos judiciários para obter
decisões que sejam favoráveis à Fazenda Pública, no sentido de evitar a
realização de pagamentos judiciais, explica o anexo.
As
ações judiciais são classificadas, quanto à probabilidade de perda para o
erário público, em risco provável, possível e remoto. O Tribunal de Contas da União
(TCU) determinou que os processos com risco considerado como provável deverão
constituir provisão, a ser reconhecida nas demonstrações contábeis elaboradas
pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Por
isso, o anexo do PLDO tratou apenas das demandas de risco possível, que
apresentaram discreta elevação no último ano, alcançando, em dezembro de 2019,
o estoque de potencial impacto de R$ 1,540 trilhão, representando uma elevação
de 0,7% em relação a 2018.
O
dramático, para as finanças da União, é o assombroso crescimento das ações de
risco provável, pois, em futuro próximo, elas se traduzirão em despesas
orçamentárias a serem pagas. O anexo do PLDO diz que o expressivo aumento das
ações de risco provável pode ser explicado pela atualização dos critérios de classificação
dos riscos, operada pelas portarias AGU nº 318/2018 e nº 514/2019. “Tais
normativos ensejaram reclassificação de parte das ações judiciais que passaram
a serem classificadas como de risco provável”, diz o texto.
O
anexo do PLDO chama a atenção para o fato de que não há precisão a respeito do
término das ações judiciais e dos montantes a serem pagos, pois o tempo de
tramitação de cada processo é variável, podendo durar vários anos ou ser
resolvido no curto prazo. Os próprios valores das estimativas para as perdas
devem ser avaliados com cuidado, destaca o texto do anexo, pois o impacto de
algumas ações não está disponível. Ou seja, a perda poderá ser maior do que a
estimada.
A
curiosidade de quem toma conhecimento da astronômica despesa da União com o
pagamento de sentenças judiciais é saber do que tratam essas ações. Elas podem
ser movidas contra a administração direta da União. Por exemplo, existem
numerosas ações para o fornecimento de medicamentos de alto custo fora da lista
do SUS. Só com esse item, o risco de perda possível foi estimado em R$ 1,3
bilhão.
Uma
ação alega responsabilidade objetiva da União por dano causado ao setor
sucroalcooleiro, em virtude da fixação dos preços dos produtos do setor em
valores inferiores ao levantamento de custos realizado pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV). A perda possível foi estimada em R$ 107 bilhões. Outra ação pede
indenização de prejuízos sofridos pelas empresas aéreas, em razão da política
tarifária estabelecida no período de outubro de 1987 a janeiro de 1992. A perda
possível foi estimada em R$ 2,2 bilhões.
Há
demandas judiciais contra a União de natureza tributária, inclusive
previdenciária. Uma ação questiona, por exemplo, a incidência da contribuição
do PIS sobre as receitas decorrentes da locação de bens imóveis, inclusive no
que se refere às empresas que alugam imóveis esporádica ou eventualmente. A
perda possível foi estimada em R$ 2,9 bilhões em um ano e R$ 14,6 bilhões em
cinco anos. Há ainda ações contra autarquias e fundações, contra empresas
estatais dependentes do Tesouro Nacional e demandas contra o Banco Central.
Na
nota técnica conjunta 5/2020, divulgada nesta semana, as consultorias
Legislativa e de Orçamento da Câmara dos Deputados dizem que as despesas da
União decorrentes de decisões judiciais estão atingindo valores muito
preocupantes. Segundo a nota, o valor de R$ 55,5 bilhões para o pagamento de
sentenças judiciais previsto na proposta orçamentária de 2021 “reflete apenas a
ponta de um problema ainda maior, que são os riscos fiscais associados ao forte
crescimento de ações contra a União”.
Diante disso, a nota ressalta que “a necessidade de fortalecimento da defesa jurídica do Estado em face do crescimento das demandas em todas as áreas é um tema que, mais cedo ou mais tarde, terá que ser enfrentado”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário