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O Globo
O julgamento da cassação, por parte do presidente do Supremo Luis Fux, do habeas corpus dado pelo ministro Marco Aurélio Mello ao traficante André do Rap, um dos chefes da maior organização criminosa em atuação no país, trouxe à baila temas fundamentais no debate jurídico-político que vem se desenrolando, como a prisão em segunda instância e o excesso de decisões monocráticas dos ministros do Supremo.
Fux já tem a maioria de seis votos garantida para manter sua decisão, e deve
ter a unanimidade do plenário a seu favor, contra o voto do relator, ministro
Marco Aurélio Mello. Ao decidir levar a plenário na primeira oportunidade
depois do feriadão o debate sobre sua decisão de cancelar o habeas-corpus, o
presidente do Supremo o fez também para demonstrar o respeito pela decisão
colegiada.
Desde sua posse, mostrou-se preocupado com a colegialidade das decisões, e
ontem ressaltou em seu voto que o tribunal “deve ser unívoco em suas
manifestações juspolíticas e, mesmo na salutar divergência, há de ostentar
coesão de ideais”. A tese do ministro aposentado Sepúlveda Pertence de que os
11 ministros do Supremo são 11 ilhas que decidem cada qual à sua maneira,
reflete essa dificuldade de impor o pensamento do colegiado: “Mais do que 11
juízes, somos um só tribunal”, reforçou o presidente do Supremo em seu voto.
Segundo dados do próprio STF, 82% das decisões deste ano foram monocráticas,
confirmando o índice que vinha sendo demonstrado pelo projeto “Supremo em
Números” da Fundação Getúlio Vargas do Rio. A decisão do ministro Marco Aurélio
Mello trouxe para debate o que muitos consideram um excesso de decisões
individuais, muitas, como no caso do HC do traficante, contrariando
jurisprudência da própria Corte.
Existe na Câmara uma emenda constitucional para proibir decisões monocráticas
em julgamentos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI). O próprio
ministro Marco Aurélio, que é um defensor da colegialidade, propôs que fossem
proibidas decisões monocráticas contra medidas de outros poderes, Executivo e
Legislativo. Foi derrotado por unanimidade.
Ontem, no debate sobre o habeas corpus, o ministro Luis Roberto Barroso ampliou
uma proposta que já está em discussão no STF. Além de levar ao plenário virtual
as decisões monocráticas, para que o colegiado a referende ou não mais rapidamente,
Barroso ampliou a proposta sugerindo que seja criado um caminho mais rápido
(fast-track) no plenário virtual apenas para as decisões liminares e
cautelares, que poderiam ser examinadas pelos ministros em até um dia, quando
necessária a urgência.
A prisão em segunda instância é outro tema relevante que foi levantado na
discussão sobre o caso. O traficante já estava condenado em segunda instância
em dois processos que somam uma pena de 25 anos. Como houve um retrocesso no
caso, com o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) alterando a legislação
que permitia a prisão de um condenado em segunda instância, o traficante ainda
pode recorrer até o trânsito em julgado.
Mesmo assim, no caso dele, pela periculosidade, não poderia ter a prisão
preventiva revogada. Como disse o ministro Luis Fux, o condenado debochou da
Justiça. Fica mais patética ainda a situação quando se sabe que o termo de
soltura exigiu que ele agisse como um cidadão que quer se reintegrar à
sociedade. O que faz supor que um chefe de organização criminosa condenado a 25
anos, que esteve foragido por cinco anos, quer se reintegrar à sociedade?
A continuação do julgamento hoje é mais importante para definir parâmetros para
a adoção do artigo 361 do Código de Processo Penal (CPP) do que pelo resultado
em si, que já está definido. Aparentemente há uma maioria já firmada no sentido
de que a não renovação a cada 90 dias, como exige o novo artigo, não seja
motivo para a soltura automática do preso.
Há ministros, como Luis Roberto Barroso, que consideram que um condenado em
segunda instância não tem que ter sua prisão preventiva renovada. Como os
deputados que incluíram esse artigo no pacote anticrime dizem que estão
preocupados com a situação dos pobres presos sem culpa formada, Barroso sugere
que apenas aqueles que estão presos sem terem sido julgados devam ser objeto do
artigo polêmico.
A decisão final do Supremo pode neutralizar os efeitos desse artigo que, tudo
indica, foi enxertado no pacote anticrime para proteger criminosos de colarinho
branco.
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