É
necessário liderança e vontade política para enfrentar a insegurança jurídica
Segurança
jurídica significa estabilidade das relações judiciais, não havendo mudanças
arbitrárias de leis e regulamentos, e nem de sua interpretação. Trata-se de um
alicerce do bom funcionamento da economia. Quando as regras do jogo mudam sem
critério e inesperadamente, a economia não floresce.
O Brasil sofre
do mal da insegurança jurídica. Exemplo recente é a disputa judicial entre a
prefeitura do Rio de Janeiro e a concessionária da Linha Amarela.
No ano passado, o prefeito Marcelo Crivella mandou
destruir cabines de pedágio após cancelar unilateralmente o contrato de
concessão, por julgar o pedágio abusivo. O TJ do Rio concedeu liminares em
favor da empresa. No mês passado, o STJ,
em decisão monocrática, as derrubou.
Esse
é um exemplo de populismo que penaliza a todos ao final. Reduz o interesse por
investimento em infraestrutura e pressiona as tarifas, que tendem a ser mais
elevadas para remunerar riscos regulatórios.
A
insegurança jurídica tem raízes históricas: um Estado que nasceu autoritário,
estabelecendo regras de funcionamento da economia de forma arbitrária e
beneficiando grupos específicos, mas ferindo o bem comum. O resultado é a
desconfiança em relação a governo, instituições e outros cidadãos. A sociedade desconfiada
reage de duas formas. Por um lado, aumenta a demanda por regulação estatal para
conter perdas. Um exemplo é a legislação trabalhista engessada – agora menos
por conta da reforma de 2017 –, que embora bem intencionada, prejudica a
produtividade do trabalho e a geração de empregos, com ônus elevado para o
empregador e indiretamente para o empregado. Por outro lado, desrespeita as
leis e regulações estatais, como na sonegação de impostos.
Essa
é uma característica de países emergentes com democracia tardia. As pesquisas
indicam, no entanto, que o Brasil está no extremo de disfuncionalidade nesse
balanço de menor confiança da sociedade e maior regulação estatal. Destoamos
pela maior insegurança jurídica.
Para
acomodar tantos interesses em um país complexo, com muitas demandas dos
diferentes segmentos da economia e da sociedade, a regulação estatal acaba
sendo não apenas excessiva, como também ambígua e complexa, o que alimenta a
judicialização. Ao final, a desconfiança é generalizada, incluindo a dos órgãos
públicos em relação a empresas e indivíduos. Na dúvida, autua-se.
Os
problemas se retroalimentam. O País parece preso em uma armadilha. Um Estado
instado a agir, mas que se torna onipresente pelas minúcias da regulação e
arbitrariedades. Uma sociedade que clama por ação estatal, mas ressente dos
seus efeitos colaterais. Há também desvios éticos da sociedade quando há
oportunismo de litigantes e da advocacia fomentando a judicialização. Fazemos
parte da confusão, sem nos darmos conta.
O
Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico aponta que o Brasil responde por
98% das ações cíveis contra companhias aéreas no mundo. Há até startups que
ajudam os passageiros a processarem as empresas. Pena a criatividade mal
direcionada. Decisões questionáveis criam jurisprudência, como a indenização de
passageiros mesmo em caso de condições meteorológicas adversas e sem devida
comprovação de dano moral.
O
tamanho do contencioso tributário nas três esferas de governo estava em 73%
do PIB em 2018, segundo Lorreine Messias, Larissa Longo e
Breno Vasconcelos, sendo 16,4% do PIB o contencioso administrativo da União,
contrastando com a média de 0,19% de Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México.
Além de elevado, o contencioso tributário é crescente e a conclusão de um
processo demora quase 19 anos em média, segundo o ETCO.
Além
da ineficiência econômica, há riscos fiscais envolvidos. As demandas judiciais
contra a União classificadas como perda possível estavam em 113%
das despesas primárias em 2018 ante 48,5% em 2015.
É
possível enfrentar a insegurança jurídica, mas é necessário liderança e vontade
política. Não parece uma preocupação deste governo.
*Consultora e doutora em economia pela USP
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