A
fatura chegou primeiro para os desempregados e trabalhadores “por conta
própria”, que dependem do auxílio emergencial do governo; mas virá para todos,
à prestação
Desculpe-me
o trocadilho, mas tem tudo a ver com a velha frase dos bares norte-americanos
que nas décadas de 1930 e 1940 ofereciam a refeição para quem pagasse a bebida.
Ficou mundialmente famosa porque intitulou um dos livros do economista liberal
Milton Friedman, guru do ministro da Economia, Paulo Guedes. A lembrança não
tem nenhuma relação direta com suas frases de efeito, até porque, ele tem
evitado declarações polêmicas, mas, com o artigo publicado, ontem, pela economista
Mônica de Bolle no jornal O Estado de S. Paulo, a propósito dos custos
econômicos do negacionismo de Donald Trump em relação à pandemia. Os custos
políticos podem inviabilizar a reeleição dele.
Segundo
os economistas norte-americanos David Cutler e Lady Summers, citados no artigo,
a queda do PIB norte-americano deve chegar a US$ 16 trilhões até outubro do
próximo ano, ou seja, 90% do PIB, se a pandemia for controlada até lá. Nos
cálculos dos dois economistas, foram incluídos os indicadores econômicos, como
o aumento dos pedidos de seguro desemprego, mas, também, estimativas relativas
aos prejuízos causados pela liquidação de vidas humanas, ou seja, de força de
trabalho geradora de riqueza.
O
Brasil não tem indicadores que possibilitem esse tipo de cálculo, mas tem
estatísticas que podem servir de referência para um razoável balanço de perdas
e danos. Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e
professora da Sais/Johns Hopkins University, Mônica De Bolle destaca que o
nosso Sistema Único de Saúde (SUS), posto à prova pela pandemia, pode nos dar
uma noção, por exemplo, de quanto será preciso investir na Saúde em razão das
sequelas da covid-19 nas pessoas que se recuperaram da doença. Como a população
está envelhecendo, a pandemia também agrava, por falta de tratamento, as
doenças associadas à idade — diabetes, câncer, cardiopatias —, que se somam
àquelas que são consideradas endêmicas, como tuberculose, dengue, hanseníase,
malária e Aids, que já pressionavam o sistema de saúde.
O
Brasil é o 2º país com mais mortes por covid-19. Só os Estados Unidos têm mais
vítimas: 220.694. Até o final da tarde de ontem, eram 150.998 óbitos de
brasileiros causados pela doença. Segundo o Ministério da Saúde, 5.113.628
pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus no país, 10.220 a mais nas
últimas 24 horas. O número de mortes, felizmente, está caindo: foram 309.
Aproximadamente
4,5 milhões de pessoas se recuperaram da doença até o momento. Outras 436 mil
estão em acompanhamento. São 713 vítimas a cada milhão de habitantes, o que
coloca o Brasil na 3ª posição de letalidade da pandemia no ranking mundial. O
Peru é o país onde a covid-19 mais mata em relação ao número de habitantes
(1.008 pessoas para cada milhão), o segundo é a Bélgica (880 pessoas).
As advertências de Mônica de Bolle são importantes porque as pesquisas de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, com a recuperação de seu prestígio, reforçam o discurso negacionista oficial, robustecido pelo fato de que o pior já passou e a redução das taxas de contaminação permite que a política de isolamento social seja flexibilizada, como está sendo, na maioria das cidades. A fatura do vírus chegou primeiro para os desempregados e trabalhadores “por conta própria”, que perderam sua fonte de renda e dependem do auxílio emergencial do governo. A ideia de uma recuperação econômica rápida, acalentada pelo ministro Paulo Guedes, porém, não tem sustentação técnica. A conta está chegando para os demais à prestação.
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