Então
o juiz partilha jantar e bons vinhos com um parlamentar e no dia seguinte julga
se ele recebeu corrupção?
Algum
tempo atrás, um ministro do STF me ligou para reclamar de uma coluna em que eu
criticava o fato de ele (ministro) ter dado um habeas corpus a uma pessoa de
suas relações. Não cito o nome do ministro porque isso foi solicitado por ele.
Mas o teor da conversa não está incluído nessa restrição.
Foi
assim: o ministro começou perguntando se eu duvidava da isenção dele naquele
julgamento. Respondi que o ponto não era exatamente isso: havendo ou não
dúvidas, para mim estava claro que nem ele nem qualquer outro ministro poderia
julgar pessoas com que mantinha relações sociais.
O
ministro respondeu que isso seria praticamente impossível em Brasília. Lá,
acrescentou, todo mundo que gira em torno das diversas esferas do poder se
conhece. Disse, inclusive, que mantinha ótimas relações com políticos
influentes.
E
me perguntou: você acha que eu não posso julgar um deputado ou senador com quem
troco ideias, e até jantamos juntos?
Respondi:
pois acho que não devia de jeito nenhum. Então o juiz partilha jantar e bons
vinhos com um parlamentar e, no dia seguinte, julga se ele recebeu corrupção?
Logicamente,
voltamos ao tema da isenção, o ministro garantindo que era capaz de separar a
função de juiz de suas atividades sociais e políticas.
Estranhei
a questão das atividades políticas. O ministro então comentou que
frequentemente participava de negociações com membros de outras esferas de
poder para administrar crises, apagar incêndios, encaminhar projetos de lei e
emendas constitucionais. Tudo absolutamente normal, sustentava com vigor.
Na
verdade, isso é mesmo normal na corte brasiliense. Diversos episódios estão
acontecendo neste exato momento. O então presidente do STF, Dias Toffoli,
recebe para uma pizza o presidente da República, que é investigado naquela
corte. Sendo que o próprio Toffoli havia poucos dias dera uma decisão favorável
a um dos filhos de Bolsonaro.
A
indicação de ministros para as cortes superiores é uma manobra política. Não
que não existam bons juízes, mas o aspirante a cargos superiores tem que fazer
política, angariar apoio entre deputados, senadores, líderes partidários e do
governo, membros das cortes às quais concorre e, claro, tomar uma tubaína com o
presidente da República. (Antes, era tomar uma cerveja com Bolsonaro, mas
tubaína cai melhor entre religiosos e o povão. Pelo menos, eles acharam isso.)
Também
é verdade que juízes, uma vez entronizados no cargo, mudam as posições que haviam
assumido durante o processo de indicação. Às vezes, é traição. Outras vezes, a
força dos fatos e o andamento dos processos obrigam o juiz a abandonar uma
promessa. Aconteceu, por exemplo, no caso do mensalão.
Quando
começou a aparecer, quase todo mundo em Brasília, incluindo jornalistas,
garantia que não aconteceria nada, que estava tudo acertado entre os ministros
e o governo Lula. Como se viu, não estava. Quer dizer, até poderia ter havido
alguma combinação, mas a força da investigação e o vigor de alguns juízes deram
um sinal claro de virada. Um avanço que depois se materializou com a Lava-Jato.
O
momento atual, contudo, é uma tentativa de volta ao passado, dos “bons” tempos
da corte brasiliense, quando os jornalistas também consideravam normal toda
aquela promiscuidade.
Lembro-me
de um debate entre jornalistas em que um deles dizia que não se podia criticar
uma decisão do presidente da Suprema Corte. Ora, é claro que se pode, e é o que
se faz na imprensa independente. A Corte erra, e isso, de uns tempos para cá,
nem é raro.
Há
alguns meses, o STJ tomou uma decisão ridícula: dizia que o comerciante não
poderia dar desconto ao comprador que pagasse à vista. Seria injusto com quem
pagava a prazo.
Um
ministro que participara do caso me ligou dizendo que era mesmo ridículo, mas
estava na lei. Ou seja, a culpa era do Congresso.
Mas, se os juízes são capazes de tantas interpretações , poderiam perfeitamente evitar o vexame. Agora, mudou. Pode dar desconto — o que aliás todo mundo fazia, com ou sem lei. Aliás, é outro problema da corte: não sabem o que acontece no país.
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