Quando o ministro da Economia afirma que o cerne de uma proposta como o tal “Renda Cidadã” simplesmente não vale, tem-se a dimensão da barafunda.
Que
confiança pode inspirar um governo que anuncia algo num dia para desmentir
categoricamente no dia seguinte? Que palavra vale, a de ontem ou a de hoje?
Como investidores devem avaliar um país que tem no presidente da República,
ninguém menos, a principal fonte de instabilidade?
Quando
o ministro da Economia, Paulo Guedes, informa que o cerne de uma proposta
apresentada com estardalhaço pelo próprio presidente Jair Bolsonaro dois dias
antes simplesmente não vale, como foi o caso do tal “Renda Cidadã” – programa
de transferência de renda tido e havido como a maior realização de um governo
que até agora fez quase nada –, tem-se a dimensão da barafunda.
O
governo não se entende nem a respeito do nome do programa. Já foi “Renda
Brasil”, tornado assunto proibido por Bolsonaro depois que a equipe econômica
sugeriu que a única maneira de financiá-lo seria congelando aposentadorias.
Poucos dias depois, surgiu o tal “Renda Cidadã”, bancado pelo calote em
precatórios e por dinheiro tomado indevidamente do Fundeb, o fundo de
financiamento da educação básica.
Do
Fundeb, Paulo Guedes nada falou, mas nem precisava: é a segunda tentativa do
governo de tirar verba da educação para, como disse o ministro da Economia em
outra ocasião, “injetar dinheiro na veia dos pobres”. A primeira tentativa,
como se sabe, foi barrada no Congresso, por ser um drible tosco no teto de
gastos, ao qual o Fundeb não está submetido.
Já
a respeito da limitação dos recursos destinados ao pagamento de precatórios
para financiar o “Renda Cidadã”, o ministro Guedes foi didático: disse que o
novo programa não pode ter a arquitetura de um “puxadinho” e que o dinheiro
destinado aos precatórios “não é uma fonte saudável, limpa, permanente e
previsível”. E explicou que o “Renda Cidadã”, por ser uma despesa permanente,
“tem que ser financiado com uma receita permanente”.
O
fato embaraçoso é que o próprio ministro Guedes estava presente no solene
anúncio do novo programa e ouviu tudo sem se manifestar. Segundo gente do
governo, a ideia de usar os precatórios foi de Guedes. O senador Márcio Bittar
(MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, declarou, em meio ao espanto do mercado
com as ideias francamente irresponsáveis que nortearam o plano, que uma
proposta como essa jamais teria sido apresentada sem a chancela de Bolsonaro e
Guedes.
A
esta altura, pouco importa o que disse o ministro Guedes ou o que argumentou o
senador Bittar. O responsável é o presidente Jair Bolsonaro. É ele quem deseja
criar um programa de transferência de renda sem promover cortes de gastos,
especialmente com o funcionalismo. Tampouco sinaliza apoio às reformas e
convicção em relação às privatizações. Enquanto isso, quer, em suas palavras,
“ficar de bem com todo mundo”, o que ninguém consegue.
O
governo é exclusivo reflexo das decisões de Bolsonaro – ou, talvez seja melhor
dizer, da falta delas. Se algo funciona, reivindica para si a autoria mesmo
quando a iniciativa é de terceiros, como no caso da reforma da Previdência ou
do auxílio emergencial; quando não funciona, o que acontece na maior parte do
tempo, o governo terceiriza a responsabilidade, como no caso da devastação
econômica da pandemia ou de sua desesperadora incapacidade de tocar a agenda
liberal prometida na campanha.
O
ministro Paulo Guedes, macaqueando seu chefe, chegou ao cúmulo de acusar o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de mancomunar-se com a esquerda para barrar
as privatizações que ele e sua equipe, por incompetência e por falta de apoio
de Bolsonaro, não conseguem realizar. Rodrigo Maia devolveu a agressão, dizendo
que Guedes está “desequilibrado” e “deveria assistir ao filme A Queda” – que
mostra Hitler nos seus últimos dias, encerrado num bunker com seus auxiliares e
completamente alheio à realidade.
E
a realidade é que o Brasil, justamente no momento em que mergulha em profunda
crise e precisa de direção firme e racional, está à mercê de um governo que
reflete fielmente a incapacidade de seu chefe de administrar até mesmo seu
bunker.
A crise da covid-19 agravou problemas sociais e econômicos dos argentinos
A rápida degradação dos indicadores sociais da Argentina depois que o país foi atingido pela pandemia do novo coronavírus torna cada vez mais plausíveis as projeções de que, no fim deste ano, metade de sua população estará vivendo em estado de pobreza. A chegada da crise da covid-19 acentuou dramaticamente dificuldades econômicas e sociais que a Argentina enfrentava havia pelo menos dois anos.
Tendo
de combater uma crise sanitária de proporções até então desconhecidas que
surgiu apenas três meses depois de ter assumido o cargo, o presidente Alberto
Fernández não tem encontrado respostas adequadas para os novos problemas da
Argentina. Da mesma forma, Fernández não está conseguindo superar os velhos
problemas que já assolavam o país em dezembro do ano passado, quando tomou
posse. São dificuldades bem conhecidas dos argentinos, como a recessão e a
perda de dinamismo da economia, a inflação, a dívida externa e a deterioração
das condições de vida de boa parte da população. O que vinha mal ficou pior.
Estatísticas
recentes dão a dimensão social dos problemas do país. A taxa de pobreza medida
pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) alcançou 40,9% da
população no primeiro semestre deste ano. Isso significa que 18,5 milhões de
argentinos são considerados pobres. Os que vivem abaixo da linha de pobreza
passaram de 8% para 10,5% da população. São 4,7 milhões de pessoas nessa
condição.
O
avanço da pobreza é rápido. No fim de 2019, 35,5% da população vivia na
pobreza, ou seja, o índice cresceu 5,4 pontos porcentuais em seis meses. Isso
representa 2,5 milhões de pessoas. É o número de argentinos que, em seis meses,
se somaram aos que já viviam nessa condição. No semestre em curso, se as
previsões se confirmarem, um número bem maior de pessoas será incorporado aos
pobres do país.
A
persistência dos velhos problemas e o surgimento de novos, sem que haja sinais
de efetiva ação pública para contê-los, tendem a tornar o quadro pior na
segunda metade do ano. A atividade econômica vem perdendo força. O PIB do país
encolheu 19,1% no segundo trimestre, resultado pior do que o do primeiro
trimestre de 2001 (queda de 16,3%), quando a economia entrou em colapso por
causa da instituição da paridade entre peso e dólar.
Com
variação de 2,70% em agosto, a inflação de 12 meses está em 40,7%, inferior à
de 2019, de 53,8%, mas ainda muito alta. A inflação, por si só, assombra as
empresas e as famílias, que, quando podem, tentam preservar seu patrimônio. Com
altos índices de desemprego e com queda de renda em razão da redução da
atividade econômica, a consequência não poderia ser muito diferente da que os
números da pobreza do Indec mostram.
A
manutenção ou fortalecimento de medidas de restrições à mobilidade na área
metropolitana de Buenos Aires e a expansão, pelo interior do país, de casos de
covid-19 deixam o cenário ainda sombrio para o segundo semestre.
Dificuldades
para reabrir a economia, a perda de mercados no exterior, as dificuldades que o
governo de Alberto Fernández tem para atrair investimentos, a constante necessidade
de buscar novos entendimentos com os credores externos (o país voltou a
negociar com o Fundo Monetário Internacional), o cenário de devastação social
provocado pela pandemia tornam a recuperação ainda mais problemática. O
histórico político peronistapopulista do presidente e a presença forte da
ex-presidente Cristina Kirchner nas decisões de governo (ela é vice-presidente
de Fernández) agravam o problema. A agenda heterodoxa do governo na área
econômica, com restrições a negócios e controle de preços, de fluxo de capitais
e de importações, também compõe esse cenário desolador.
A
América Latina é apontada como a região mais atingida pelo desemprego no
pós-pandemia, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho. O problema
é particularmente duro para os mais jovens. O cenário, ruim na região, parece
pior na Argentina.
Centrão dá o tom da ‘nova política’ no governo Bolsonaro – Opinião | O Globo
Para
quem chegou ao poder prometendo o fim do ‘toma lá dá cá’, a transformação é
notável
O
líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), um dos próceres do Centrão,
outro dia fez dupla com Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo,
para retirar Paulo Guedes de uma dessas entrevistas em que o ministro da
Economia parecia falar demais. Dias depois, no anúncio do Renda Cidadã —
programa que atropelou a reforma tributária e até agora não se sabe como será
financiado —, Barros assumiu ares de mestre de cerimônia e tentou pôr Guedes no
devido lugar: responsável pela Economia. Ressaltou, em pleno Palácio da
Alvorada e na presença do presidente, que existe um núcleo político respondendo
a Bolsonaro — e que as propostas econômicas tramitam por esse núcleo antes de
chegar ao presidente.
Não
é pequena a mudança, na medida em que Guedes, outrora chamado de
“superministro”, sancionou a nova arquitetura de poder. Para quem chegou a
Brasília proclamando a “nova política” e o fim do “toma lá dá cá”, a
transformação de Bolsonaro em busca de apoio no Congresso tem sido notável. Na
prática, para garantir a base de sustentação — justamente o que se recusava a
fazer no início do governo — , ele tem se unido de forma carnal ao pedaço mais
fisiológico da política brasileira, o proverbial Centrão.
Os
motivos são vários, de questões de ordem familiar — são conhecidas as
dificuldades dos filhos com o Ministério Público e a Justiça — ao desejo de
fazer seus projetos andarem. É legítimo um presidente fazer concessões em busca
de apoio no Legislativo, e jogar dentro das regras da democracia é sempre
preferível à alternativa. Mas o jogo cobra um preço.
A
relevância crescente do Centrão é palpável. Está presente na possível
indicação, à vaga de Celso de Mello no Supremo, do desembargador Kassio Nunes,
próximo do bloco (em particular, do deputado Ciro Nogueira, PP). Ou na
reviravolta na Procuradoria-Geral da República, com a súbita retirada da
denúncia contra o deputado Arthur Lira (PP) por corrupção passiva (a
subprocuradora-geral, Lindôra Maria Araújo, pediu ao STF para ignorar a
acusação que encaminhara, fato que não deve ter muitos precedentes). Ou ainda
no esvaziamento progressivo da Lava-Jato por toda sorte de manobra.
O
Centrão também é peça-chave na engrenagem da sucessão na Câmara. O presidente
Rodrigo Maia assumiu o protagonismo na condução da agenda legislativa no vácuo
de poder do início do governo. Mas as pontes entre governo e Maia vão sendo
queimadas, como mostra o choque de Guedes com ele.
Bolsonaro,
decididamente, mudou sua forma de fazer política. Passou do voluntarismo tosco
de querer indicar o filho Zero Três, o deputado federal Eduardo, à embaixada em
Washington ao convívio com os profissionais do “toma lá dá cá”. No
presidencialismo de coalizão, é inevitável alguma aproximação. Tudo depende dos
termos. Por enquanto, o governo patina. Tanto que nenhuma das reformas anda,
nem o Renda Cidadã sai do plano da fantasia.
É
preciso criar mecanismos para evitar que contratos emergenciais fiquem à mercê
de saqueadores
É
nauseante a ideia de que saqueadores se aproveitam da mais letal pandemia em
cem anos para avançar sobre os depauperados cofres públicos. Mas é justamente o
que vem ocorrendo no Brasil, que nos últimos seis anos empreendeu, com a
Lava-Jato, a maior operação de sua história contra a corrupção. Apesar dos
esforços, a roubalheira não foi estancada. A situação de emergência na saúde,
com dispensas de licitação, aumentou o apetite das organizações criminosas.
O
Rio é um retrato dessa disfunção. Segundo apuração da Procuradoria-Geral da
República, enquanto milhares morriam de Covid-19, uma organização criminosa
instalada dentro do governo desviava recursos da compra respiradores e da
montagem de hospitais de campanha. O escândalo levou ao afastamento do
governador Wilson Witzel (PSC), que enfrenta uma investigação no STJ e um
processo de impeachment em fase final.
A
Operação Raio X, deflagrada na terça-feira em cinco estados — São Paulo, Pará,
Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná —, investiga irregularidades em
contratos de mais de R$ 2 bilhões entre Organizações Sociais (OSs) e agentes
públicos. Mostra que a corrupção na saúde está disseminada pelo país. As apreensões
revelam para onde ia o dinheiro do contribuinte: sete aviões, um helicóptero,
três fazendas e mais de 50 carros foram comprados, diz a polícia, com a propina
de contratos superfaturados. Investigadores afirmam que os desvios não
começaram este ano, mas cresceram na pandemia.
No
Pará, a Operação SOS, da Polícia Federal (PF), teve como um dos alvos o
governador Hélder Barbalho (MDB). Na terça-feira, foram presos dois secretários
estaduais e um assessor do gabinete do governador. Desvios são atribuídos a
contratos para gestão de hospitais, inclusive os de campanha.
Numa
outra operação, da PF e do Ministério Público Federal, o governador de Santa
Catarina, Carlos Moisés (PSL), foi alvo na quarta-feira de mandados de busca e
apreensão. Ele é suspeito de fraudes num contrato de R$ 33 milhões para comprar
200 respiradores. O valor foi pago antecipadamente, mas só chegaram 50. Carlos
Moisés também enfrenta um processo de impeachment.
Embora
os órgãos de controle e fiscalização estejam atuando para punir os
responsáveis, como demonstram as operações, é preciso discutir meios de manter
a saúde imune à ação de criminosos. Há de haver mecanismos que impeçam de antemão
a sangria de dinheiro público. A saúde é um dos setores em que são mais
essenciais — e situações de emergência sempre atrairão oportunistas. São
louváveis as operações, mas prevenir que os já escassos recursos sejam drenados
pela corrupção é sempre melhor do que remediar.
Apesar do Planalto – Opinião | Folha de S. Paulo
Covid
desacelera no país; incúria, que incluiu mau uso de doação, alongou crise
Os
brasileiros enfim voltam a respirar algum otimismo diante da marcha lúgubre da
Covid-19. Com cautela, pois nada assegura que a desaceleração
captada em estatísticas se sustente num país em que a
irresponsabilidade sentou praça na própria Presidência da República.
Os
números não mentem, por mais que Jair Bolsonaro se empenhe em negar a gravidade
da epidemia. Com 144 mil mortos em menos de sete meses, a nação que governa
concentra 14% dos óbitos pelo novo coronavírus no mundo, tendo meros 3% da
população.
Pela
primeira vez, porém, o monitoramento da doença por esta Folha enseja algum
alívio. O Brasil deixou o estágio de estabilidade (em patamar mais elevado que
o desejável, anote-se), no qual se achava há 40 dias, para firmar-se numa fase
em que os casos novos exibem queda inquestionável.
No
pior momento de agosto, a média móvel diária de infecções alcançou a alarmante
cifra de 46,2 mil. Reduziu-se agora a 26,5 mil, em boa parte pela retração da
moléstia na cidade e no estado de São Paulo. Ninguém pode dar-se por
satisfeito, contudo, quando seis ou sete centenas de brasileiros ainda morrem
com Covid-19 todos os dias.
São
vítimas de enfermidade que pode ser prevenida, com distanciamento e máscaras,
enquanto não há tratamento nem vacina eficazes.
Um
dos fatores para o péssimo desempenho do país na contenção da pandemia foi a incapacidade
de organizar logística para testar maciçamente a população. Era providência
essencial para isolar contaminados e seus contatos diretos e para embasar a
estratégia nacional.
Coordenar
prefeitos e governadores nessa empreitada cabia a Bolsonaro. O presidente
investiu no oposto, levando descrédito ao Ministério da Saúde. E fez mais que
sabotar o esforço dessas autoridades, incluindo realocar dinheiro doado para
realização de exames.
Como
a Folha revelou,
R$ 7,5 milhões ofertados por um frigorífico para viabilizar 100 mil testes
rápidos terminaram
redirecionados a atividades clientelistas.
Dias
após o depósito, o governo decidiu reencaminhar o recurso para o programa
Pátria Voluntária, liderado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro. As verbas
se destinaram, então, à distribuição de cestas básicas por entidades
missionárias evangélicas.
Trata-se
de uma amostra reveladora da incúria que prolongou e acentuou uma crise
sanitária, econômica e social cujos efeitos apenas começam a arrefecer.
O nó das creches – Opinião | Folha de S. Paulo
A
despeito da redução das filas, primeira infância é desafio para prefeito de SP
Na
capital paulista, a garantia do atendimento em creches pelo sistema educacional
tem desafiado sucessivas gestões. Trata-se de tema que merece primazia nos
debates desta eleição municipal.
Sabe-se
hoje, com sólida evidência, que a atenção à primeira infância tem papel
decisivo no processo de aprendizado e para a redução da desigualdade. Na maior
e mais rica metrópole do país, há carências históricas a sanar, como
mostrou reportagem da
série “Os nós de São Paulo”, publicada pela Folha.
Em
2024, quando acaba o próximo mandato na prefeitura, vence o prazo estipulado em
lei municipal para que a oferta de vagas alcance 75% das crianças de zero a
três anos que solicitarem matrícula.
É
fato que o município tem feito progressos nesse terreno. A capital já cumpriu
em 2018 a meta do Plano Nacional de Educação que fixou o atendimento de 50% das
crianças em creches até 2024.
Novas
vagas continuaram a ser abertas desde então, mas a defasagem ainda se mostra
preocupante e afeta a vida de milhares de famílias —em especial nas áreas mais
vulneráveis da cidade.
A
pandemia tornou o problema mais premente, uma vez que se observa aumento do
fluxo de alunos que deixam a escola privada em busca da rede pública, um dos
efeitos do empobrecimento das famílias que se agravou neste ano.
Hoje,
de acordo com o MEC, 63% dos meninos e meninas de zero a três anos estão
matriculadas em creches paulistanas, a grande maioria em unidades públicas. A
fila, segundo dados municipais de junho, é de 22,7 mil crianças.
Se
na média é necessária uma ampliação de cerca de 7% para atender à demanda
oficial, em bairros pobres, como Marsilac, o aumento teria de chegar a 20% ou
mais.
Em
que pesem os esforços do prefeito Bruno Covas (PSDB), parece claro que a
próxima gestão, qualquer que seja o vitorioso no pleito, terá muito a fazer.
Diante das restrições de tempo e recursos, convênios com a rede privada têm
minorado o problema, mas restam dúvidas importantes acerca da qualidade e do alcance
dos serviços.
Dólar sobe com risco de mudança da política fiscal – Opinião | Valor Econômico
O
aprofundamento da fragilidade fiscal é o fator de fundo para o enfraquecimento
do real
O
Brasil ganhou mais um título ruim, o de ter a “pior” moeda global. Mesmo diante
do recuo global do dólar nos últimos três meses, a moeda americana continuou a
se valorizar ante o real - 40,11% no ano até setembro. A conta do real ante o
dólar, mostra uma maxidesvalorização de 29,8%. Recentemente, o dólar voltou a
deslizar em direção aos R$ 6, como em maio, quando quase chegou lá (R$ 5,90). O
aprofundamento da fragilidade fiscal, já elevada antes da pandemia, é o fator de
fundo para o enfraquecimento do real. Ela se exprime na saída de capitais
aplicados em portfólio, com intensidade especial nas aplicações em ações.
Os
problemas domésticos tem a primazia, como mostra o comportamento dos índices de
risco, como o CDS de cinco anos (que subiu 16% no mês, para 255 pontos) e o
aumento dos juros ao longo da curva de longo prazo, pondo em xeque a orientação
de juros baixos por um período prolongado dada pelo BC.
Mas
a instabilidade externa tem peso importante na trajetória declinante do real. O
deslocamento da moeda brasileira vem em um crescendo desde 2019, outro ano em
que ela esteve muito pressionada. Até agosto de 2020, saíram pelo câmbio
financeiro US$ 47,6 bilhões, um montante ligeiramente inferior aos US$ 48,8
bilhões que bateram em retirada do país na crise de 2008. Mas em 2019, foi pior
- US$ 62,2 bilhões. A aversão ao risco que levou os investidores ao dólar até o
Federal Reserve anunciar, perto do fim do ano, que interromperia a alta dos
juros fez os investidores reavaliarem aplicações no Brasil mesmo após a reforma
da Previdência.
A
pandemia derrubou as bolsas mundiais, nova onda de aversão ao risco derrubou o
real, e o pico do dólar foi atingido em 13 de maio. A partir daí, porém, não só
os recursos que saíram não voltaram como os ingressos de capital se reduziram,
caso do investimento direto no país. Em 2019, ele somou US$ 73,5 bilhões e em
2020, segundo previsões, encostará em US$ 50 bilhões. O saldo líquido de saída
das aplicações em ações na B3 até setembro foi negativo em R$ 72 bilhões, já
incluídas as movimentações de estrangeiros nos IPOs do ano (Valor Online).
O
estimulante do apetite por risco, os juros altos brasileiros, deixou de existir
em 2020. A 2%, a taxa Selic aponta rendimentos que perdem para a inflação. As
bolsas americanas se mostraram um refúgio mais rentável, mais seguro e com
menos volatilidade que a brasileira. As chances de retorno da economia
americana a seu ritmo normal, e das empresas aos lucros, são bem maiores que as
do Brasil, que tem claramente um problema de crescimento, expresso muito antes
de qualquer pandemia, em uma expansão raquítica de 1% nos últimos três anos.
Sem
a atração dos juros e com perspectiva de crescimento problemática, sobraram
dívidas crescentes e um enorme problema fiscal. “O Brasil tem a curva de
rendimentos mais inclinada da América Latina, maior relação dívida em relação
ao PIB e é o país emergente que mais gastou dinheiro do contribuinte para
enfrentar a pandemia”, avalia a consultoria Oxford Economics.
Com
a dívida bruta em 88,8% do PIB e um ponto de interrogação sobre sua capacidade
de crescer sustentadamente, o Brasil atrai mais os capitais especulativos,
desde que pague de acordo. Como a dívida brasileira é basicamente em reais, os
investidores domésticos agem da mesma forma. O Tesouro encurtou o prazo dos
débitos nos leilões para não sancionar uma alta do custo, que espera ser
temporária.
Para
ser temporária, porém, é necessário que o governo indique um rumo claro, tente
com determinação fazer as reformas que prometeu e demonstre unidade de
propósitos. O episódio dos Rendas (Brasil, depois Cidadã), entre outros,
reforçou evidências de que o presidente tem pouco apreço pelas reformas, o
ministro da Economia as defende mas perde cada vez mais a capacidade de
influenciar Bolsonaro, enquanto crescem as vozes dentro do governo, e de seus
aliados fisiológicos a favor da derrubada do teto de gastos, sem terem a menor
ideia do que colocar no lugar.
O teto de gastos é uma das maneiras de se controlar o déficit público. Se ele não se tornou sustentável, é possível achar outras ferramentas que cumpram o mesmo objetivo - conter despesas, tornar declinante a curva dos déficits e da relação dívida/PIB. O presidente está de olho na reeleição e boa parte de seus conselheiros só pensa em ampliar despesas. Nesta situação, o BC está certo em economizar reservas, pois vendê-las seria um desperdício. Mesmo que a desvalorização do real não vá muito mais longe, é preciso colocar ordem na casa ou os juros não ficarão aonde estão.
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