sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Eliane Cantanhêde* - ‘Não tem de onde tirar’

- O Estado de S.Paulo

Num redemoinho, Guedes não agrada a Bolsonaro, ao Congresso, ao mercado e à opinião pública

 O ministro Paulo Guedes se debate em mares revoltos, ora emerge, ora afunda, fazendo tudo para sobreviver, numa situação comum em Brasília, quando autoridades entram no redemoinho, sem forças para sair, e raramente chegam a um porto seguro. De superministro, ele agora luta para se manter à tona, com o desafio de cumprir as ordens e fazer as vontades, quase impossíveis, do chefe Jair Bolsonaro.

Com a mesma obsessão com que defende os filhos da PF, do MP, da mídia e da verdade, o presidente agora trata da sua própria campanha e mandou Guedes se virar e arranjar recursos para o “seu” Bolsa Família, com o nome de Renda Cidadã, maior valor e mais abrangência, sem mexer no teto de gastos nem criar novo imposto. Dinheiro, porém, não cai do céu nem dá em árvore – mesmo que desse, as árvores estão virando carvão.

De onde tirar o dinheiro? “Não tem de onde tirar”, responde com clareza o vice Hamilton Mourão. Não tem mesmo e tudo o que os técnicos do Ministério da Economia conseguem produzir são soluções... técnicas. Mas o mundo é político, o ano é de campanha e o presidente está no modo populista-eleitoral e “não vai tirar do pobre para dar a paupérrimo”.

Guedes está num mato sem cachorro. A primeira ideia foi garfar do eleitor aposentado ou pensionista para dar para o eleitor do Bolsa Família. Bolsonaro matou a tiros. A segunda foi impopular e de legalidade duvidosa: sacar dos precatórios, decididos pela Justiça, e do Fundeb, prorrogado a duras penas e sob a resistência do Planalto. Aí quem atirou foi o próprio Guedes. Mas foi também um tiro no pé.

Perdendo aval de Bolsonaro e atraindo desconfiança no mercado e na opinião pública, o ministro-âncora do governo está como um náufrago de apoios. Perdeu o chão quando a pandemia contaminou e derrotou a prioridade fiscal – sua especialidade –, exigindo gastos. Frágil, atraiu a cobiça de ministros, ressuscitou a alma estatizante dos militares, encolheu. Depois de derrotas internas, críticas externas e sucessivas evidências de não estar agradando, a gota d’água foi o tal “cartão vermelho”. Não foi coisa de Rogério Marinho, de Tarcísio de Freitas, e sim do presidente.

Foi aí que Paulo Guedes aprendeu que superministro não existe e convocou uma imersão, ou retiro espiritual, para ensinar o básico do poder à sua equipe: quem foi eleito, tem voto, entende de política e manda é o presidente. O que ele quer e diz é uma ordem. Ponto. E Guedes ressurgiu das cinzas decidido a recuperar prestígio e liderança na onda do Centrão. Durou pouco.

No primeiro grande lance desse “recomeço”, Guedes deu com os burros n’água. Na segunda-feira, ele participou da reunião e do anúncio, com o presidente, ministros, assessores e líderes do governo (ou seja, do Centrão) da proposta de tirar dos precatórios e do Fundeb para dar para os paupérrimos do Bolsa Família. Na quarta, o mesmo Guedes foi a público negar tudo e descartar o uso de precatórios. Tirou o corpo fora. O dito pelo não dito.

Assim como a procuradora Lindôra Araújo denunciou e “desdenunciou” o deputado Arthur Lira, nome do Planalto à presidência da Câmara em 2021, Guedes assumiu e depois renegou o uso dos precatórios, que havia afetado câmbio e Bolsa e agitado o mundo jurídico – afinal, esse dinheiro não é do governo, é dos credores do governo. A ideia é (era) dar calote?

E, assim como Bolsonaro culpa os governadores pelos seus erros absurdos na pandemia, Guedes tenta arranjar um culpado para a falta de privatizações, reformas, recursos, ações e soluções: Rodrigo Maia, que chamou o ministro de “desequilibrado”. Maia sai da presidência da Câmara em fevereiro. E Guedes, até quando fica no Ministério da Economia? Abraço de afogados...

* Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta

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