sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Merval Pereira - O controle da Justiça


- O Globo

Controlar os tribunais, especialmente os superiores, é o sonho de todo presidente, para moldar as leis do país à sua semelhança. Os presidentes Bolsonaro, do Brasil, e Trump, dos Estados Unidos, estão empenhados no momento nesta tarefa, com maior possibilidade de acerto do americano, que pode vir a ter seis ministros conservadores na Corte Suprema, contra apenas três progressistas.  

Mas nem sempre a manobra dá certo, como se pode constatar no Brasil no caso dos governos Lula e Dilma, que nomearam 8 dos 11 ministros do Supremo e, mesmo assim, o PT sofreu sérias derrotas, tanto no mensalão quanto no petrolão.  

A mesma coisa acontece nos Estados Unidos, onde John Roberts, Chefe da Justiça Americana, equivalente ao presidente do Supremo Tribunal Federal, mas com mandato vitalício no cargo, mesmo tendo sido nomeado pelo presidente George W. Bush, em 2005, tem dado votos de minerva nem sempre a favor do governo republicano de Trump.  

O presidente Bolsonaro acaba de indicar seu primeiro ministro do Supremo, o desembargador Kassio Nunes, para a vaga do decano Celso de Mello. Até o ano que vem, o ministro Marco Aurélio Mello se aposentará. Se não houver nenhuma aposentadoria antecipada, somente se reeleger o presidente Bolsonaro poderá indicar mais dois ministros do STF, pois os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski se aposentam em 2023.  

Até 2022, Jair Bolsonaro terá feito pelo menos 14 indicações para os tribunais superiores, com a abertura prematura da vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) com a aposentadoria de José Mucio. É possível que o presidente indique para essa vaga seu atual chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que teria chance de ter experiência no cargo antes de poder ser indicado para o Supremo.  

Bolsonaro já fez uma nomeação para o TST, quatro no TSE e três no STM. Poderá indicar durante seu mandato dois ministros para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), três para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mais um para o Superior Tribunal Militar.  

Já Trump tem mais chance de influenciar o sistema de Justiça americana, não apenas alterando a composição da Corte Suprema, mas indicando cerca de 300 juízes para os seus mais diversos níveis. No fatídico debate com Joe Biden, Trump ressaltou a importância de continuar no governo para alterar a composição do sistema judicial americano.  

Se conseguir confirmar a nomeação de Amy Barret para a vaga de Ruth Bader Ginsburg, falecida recentemente, Trump terá nomeado três ministros da Suprema Corte – os outros dois são Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh - transformando uma corte divida entre quatro republicanos e quatro democratas, com o presidente republicano dando o voto de minerva, em uma dominada pelos republicanos durante muitos e muitos anos, pois o cargo é vitalício.  

O presidente Trump tem utilizado essas nomeações como tema de campanha: "Nos próximos quatro anos, o presidente dos Estados Unidos escolherá centenas de juízes federais e quase provavelmente um, dois, três e até quatro para a Suprema Corte. O resultado dessas decisões determinará se nos apegamos aos princípios fundadores de nossa nação ou se eles serão perdidos para sempre", disse.

Assim como seu “amigo” Donald Trump, que está em guerra aberta contra a Suprema Corte devido às várias derrotas que vem sofrendo mesmo com a maioria conservadora, Bolsonaro também pretende reverter algumas decisões do Supremo, como a ampliação do direito do aborto ou casamentos homossexuais.   

Tentou enfrentar o Supremo Tribunal Federal (STF), mas com afrontas diretas que não se registram nos Estados Unidos. A disputa de Trump é ideológica apenas, enquanto a de Bolsonaro tem aspectos ideológicos, mas descamba para a baixaria e ameaças explícitas às instituições democráticas.

A nomeação do desembargador para a vaga no STF tem a intenção de abrir diálogo com a parte do STF que, momentaneamente ou não, tem os mesmos objetivos políticos, o principal deles desmobilizar a Operação Lava-Jato e proteger os integrantes do Centrão, os mesmos que se envolveram nos escândalos recentes.  

Protegendo-os, Bolsonaro também protege os seus.
     

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