Discussão
sobre novo programa social do governo Bolsonaro deve ficar para depois das
eleições municipais
Depois
da grande confusão patrocinada pelo governo e pelas lideranças políticas em
torno do financiamento do programa de renda básica por uma limitação do
pagamento de precatórios, a ideia que ocorre à equipe econômica, agora, é:
“Vamos deixar como está pra ver como é que fica,” sintetizou uma fonte
qualificada.
Isso
porque o presidente Jair Bolsonaro está focado nas eleições e tem como um
objetivo político superar o prestígio do ex-presidente Lula no Nordeste.
Passadas as eleições, volta-se a discutir como financiar o Renda Cidadã ou
Renda Brasil, que o governo quer criar para ter sua marca, advogam assessores
do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na
quarta-feira, Guedes jogou um balde de água fria na pretensão de financiar o
programa social com dinheiro economizado com o não pagamento de precatórios. A
proposta de dar um calote nos credores do Estado foi anunciada em entrevista
coletiva no Palácio da Alvorada na segunda-feira e soou mais como um
“gigantesco bode na sala” do que uma real alternativa para o novo programa de
renda. A reação do mercado foi péssima e o pai da ideia desapareceu.
Se
depender da área econômica, agora, nenhuma decisão será tomada no calor da
campanha eleitoral. Resolvida essa questão política, a expectativa predominante
é de Guedes ainda tentar voltar à proposição original do Renda Brasil, que
seria criado com a fusão de 27 programas sociais dispersos (abono salarial,
Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, entre outros).
Isso,
porém, não reúne uma massa de recursos suficientes para financiar as 14 milhões
de famílias que já recebem o Bolsa Família e mais umas 20 milhões de pessoas
colhidas entre os mais de 60 milhões de brasileiros que estão recebendo o
auxílio emergencial. A ideia seria de garantir uma renda de cerca de R$ 300 por
mês.
Aliás,
debate-se um programa social que, a rigor, ninguém conhece e nunca viu uma
folha da sua concepção. O ministro da Economia diz que o programa do Renda
Brasil, ou Renda Cidadã, está nas mãos de Onyx Lorenzoni, ministro da
Cidadania. Não se tem informações básicas sobre qual o publico-alvo do novo
programa, quantas pessoas deverão ser beneficiadas por uma renda mínima e
quanto isso custará ao Tesouro.
A
proposta de Guedes é reforçar a verba para o Renda Brasil com mais cerca de R$
40 bilhões. Dinheiro que seria tirado da classe média que declara Imposto de
Renda e se beneficia de deduções de gastos com saúde e educação, que devem ser
abolidas. Quanto à tributação dos ricos e muito ricos, Guedes acena apenas com
o Imposto sobre Transações Digitais.
“Esse
é um programa conceitualmente íntegro”, costuma dizer o ministro, referindo-se
à concepção de financiamento da renda básica. O problema é que Bolsonaro não
aceitou a ideia de fusão de quase três dezenas de programas sociais para bancar
o Renda Brasil sob o argumento que isso significaria “tirar dos pobres para dar
aos paupérrimos”.
O
ministro da Economia, porém, acredita que poderá voltar à carga e persuadir o
presidente a apoiá-lo em mais essa empreitada. Afinal, se ele já não é mais o
“posto Ipiranga”, está confiante de que ainda detém uns 80% a 85% de apoio de
Bolsonaro.
Da
profusão de ideias anunciadas e retiradas de cena sobrou um pente-fino que o
governo pretende fazer na crescente conta dos precatórios. Pelo ministro da
Economia, ele paga os valores menores e vai administrando, na boca do caixa, os
débitos de maior valor. Como se trata de dívida transitada em julgado, não cabe
mais recurso a não ser quitá-la.
O
relator da PEC do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), abrigou no
seu substitutivo a limitação dos pagamentos de precatórios a 2% da receita
corrente líquida anual. Cifra equivalente a R$ 16,1 bilhões para quitar uma
conta de precatórios de praticamente R$ 55 bilhões no próximo ano.
Na
reta final da preparação do substitutivo, o senador tirou da PEC os “3D”,
defendidos pela área econômica, na proposta de Orçamento: desindexar,
desvincular e desobrigar. Ou seja, descarimbar as receitas para devolver ao
Congresso a função de decidir sobre a destinação do dinheiro público e dar ao
Executivo margem de manobra para gerir o Orçamento da União.
Ideia
tão cara ao ministro da Economia, os “3D” teriam como objetivo eliminar
correções automáticas de valores e “vícios corporativos” que reservam para
grupos específicos parcelas do Orçamento.
Com
a desindexação seria possível reforçar o caixa da União e não comprometer o
teto de gasto.
Sem
os “3D” e com a criação do Imposto sobre Transações Digitais suspensa, o
programa econômico de Guedes fica ferido de morte.
O
ministro, porém, acredita que o relator da PEC 186 e do Orçamento para 2021
está com duas versões de substitutivo. Em uma delas não constam a desindexação,
desvinculação e desobrigação do Orçamento. Mas haveria uma outra em que ele
manteve os “3D”. Assim, Guedes ainda vê uma chance de a proposta vingar.
O
bate-cabeça do governo na questão fiscal tem um alto preço que deve ser visto e
compreendido pelo presidente da República. A taxa Selic (juros básicos da
economia), que hoje está em 2% ao ano, o nível mais baixo da série histórica,
está sob elevado risco de ter que ser aumentada. Os juros futuros subiram
substancialmente e estão, hoje, na casa dos 9% ao ano para o primeiro biênio do
próximo governo.
Esse
é o preço da incerteza e da insegurança do mercado com relação aos rumos da
política fiscal do governo pós-pandemia. Com um rombo de mais quase R$ 1
trilhão nas contas do setor público e uma dívida que cresce aceleradamente e
que baterá na casa dos 100% do PIB possivelmente ainda neste ano, não cabe ao
governo adicionar mais tensão e volatilidade nos mercados de juros, câmbio e
ações.
Cabe ao governo, isto sim, encontrar uma boa explicação para o caso de vir a romper o teto do gasto ou simplesmente cumpri-lo, que é o que se espera de uma administração séria e responsável.
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