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Blog do Aggio
É indiscutível a importância dos EUA para o mundo. O século XX foi
caracterizado, com razão, como o “século americano”. Depois do fim do
comunismo, no início da década de noventa, isso ficou ainda mais claro. Depois
de percorridas duas décadas do século XXI, nem mesmo o protagonismo assumido
pela China conseguiu deslocar a importância dos EUA no mundo, se considerarmos
as dimensões tecnológicas, econômicas, culturais, etc.. Ainda que se possa
falar de um relativo arrefecimento do poder dos EUA, não resta dúvida a
respeito do papel hegemônico que os EUA ainda jogam na cena mundial.
Mesmo não sendo eleitores, nós brasileiros, assim como boa parte da população
mundial, não temos como não expressar grande interesse sobre o embate que se
trava nas eleições presidenciais norte-americanas. Depois dos quatro anos de
Trump, há uma grande expectativa sobre o resultado destas eleições. Há muitas
razões para ser assim, a começar pelo fato de que já se espera que o resultado
não seja conhecido de imediato em razão tanto da polarização confrontacional
que Trump instituiu ao processo eleitoral, com acusações de fraude e ameaça de
não respeitar os resultados, que fica difícil antever quando se dará a conhecer
o vencedor da eleição.
De toda maneira, é inegável que os EUA ocupam o centro do sistema mundial
atualmente existente. Direta ou indiretamente, as escolhas políticas feitas nos
EUA invariavelmente repercutem de maneira global. E isso vale para problemas
que os EUA acabaram gerando – como se observou na grave crise global de 2008-9,
cujas repercussões ainda sentimos – quanto para decisões de governança que, sem
a presença norte-americana, perdem em credibilidade e até mesmo em eficácia.
Por outro lado, os EUA exercem um papel pedagógico sobre o mundo que não tem
padrão de comparação com outros países. Assim, o que ocorrer lá repercute
positiva ou negativamente numa dimensão global. A vitória de Trump em 2016 foi
sinal verde para o avanço de lideres e governantes iliberais em diversos
países, com o destaque infeliz de Bolsonaro não só para os brasileiros. É desse
esperar, como apontam as pesquisas, que uma derrota de Trump nessas eleições
corresponda a um efeito inverso, abrindo espaço para se restituir ou restaurar
uma nova situação no cenário internacional de caráter mais colaborativo e de
afirmação do multilateralismo.
Isto porque, com Trump se pôde observar com mais clareza a fragilidade da ordem
internacional. Nos últimos 4 anos houve um visível déficit de governança
mundial, aprofundando uma lacuna entre a globalização e as instituições
responsáveis por dirigi-la e governa-la. E isto gerou contradições e tensões
bastante perigosas, voltando-se a favar em uma “nova guerra fria”. Como diz
Mario del Pero, cientista político da CienciPo, de Paris, com Trump abriu-se um
“fosso entre globalização e a globalidade”. Estas eleições são
importantíssimas uma vez que a superação dessa situação demanda um empenho
ativo dos EUA no interior da ordem mundial.
Trump contaminou o cenário internacional com uma orientação reacionária
inteiramente extemporânea. Enfraqueceu o lugar hegemônico dos EUA aos olhos do
mundo, mas não a vitalidade da sociedade norte-americana em defesa de valores
democráticos, humanistas e igualitários. Quis restituir os termos do antigo
imperialismo a partir da lógica de “única potência”, coisa que já não é mais
possível no mundo de hoje. O resultado é que, depois de 4 anos, lhe faltam
tanto aliados sólidos e importantes, quanto um horizonte de futuro que possa
ser compartilhado pelos demais países, especialmente pelos aliados tradicionais
dos EUA como foram os países europeus desde o pós-guerra.
Ao futuro de sociedades democráticas de perfil ocidental, em sentido gramciano,
interessa vivamente uma recomposição da aliança entre EUA e União Europeia
(UE), não o seu enfraquecimento como objetivou Trump. O conflito econômico
mundial não foi abolido com o fim da URSS, ele apenas ganhou novos contornos
que precisam ser governados a partir de critérios de interdependência,
multilateralismo e democracia. Os problemas da EU, tais como um novo padrão de
crescimento econômico, a imigração descontrolada, a luta contra o jiradismo
mulçumano, o desemprego, etc., têm demonstrado uma resiliência muito grande e
tudo o que a UE não precisa é da confrontação de tipo unilateral que Trump
instituiu nos últimos anos. Por tudo isso que estas eleições se apresentam ao
mundo todo como históricas. Serão dias e noites que europeus, latino-americanos
e boa parte da população mundial estarão atentos ao que vai se passar nos EUA.
O clima é de que se possa ultrapassar os descaminhos dos últimos anos.
*Alberto
Aggio, historiador, professor titular da Unesp
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