Guedes
incorporou o raciocínio confuso, a linguagem agressiva e até os trejeitos do
chefe
Noves
fora a pandemia,
o ministro Paulo Guedes e a economia estão na berlinda e inspiram as
previsões de mudanças importantes no governo no início do novo ano. Enfrentar
seu jogo é para os fortes, pois tem reflexos no câmbio, na bolsa, na inflação,
na dívida. No entanto, para explicar o que acontece com o laureado economista,
cujo poder declina, recorre-se apenas a uma anedota: Instrutor infiel
aconselhou seu aprendiz de hipnose a fazer, como dever de casa, treinamento com
os peixes, diante de um desses imensos aquários de parque turístico. Preocupado
com a demora, o professor foi atrás e encontrou-o em transe, olhos fixos,
lábios em bico, abrindo e fechando a boca, em estado de respiração mecânica. Em
vez de hipnotizar, fora hipnotizado.
Eis
a questão. Admitido para ser contraponto e conselheiro técnico do desaparelhado
presidente Jair Bolsonaro, Guedes se fundiu a ele e se perdeu junto. O
temperamento e a impertinência, já os possuía ao chegar. Em menos de dois anos,
porém, incorporou o raciocínio confuso, a linguagem agressiva, a interpretação
distorcida da realidade e até os trejeitos do chefe. Tornou-se sua alma gêmea.
Não se está falando só das já folclóricas gafes que tanto poderiam ilustrar a biografia de um como do outro. Quem não se lembra das empregadas domésticas e a Disneylândia? E a dos funcionários públicos, os “parasitas”? Aquelas do uso dos precatórios como orçamento e da taxação do seguro desemprego, deslizes técnicos engavetados, candidatos à ressurreição. Tem a última, a de ter medo de ser derrubado por “lobby da Febraban”. E as penúltimas, dos nazistas, da volta do AI 5, dos insultos à mulher do presidente da França...
Mas
há também o traço de caráter, a preferência pelo conflito, a soberba, a falta
de disposição e competência para o diálogo com o Congresso
Nacional e com o Supremo Tribunal Federal. Bem como dificuldades extremas na
relação com os ministros em particular. Tal e qual. Nas instâncias da economia,
existia relativa confiança no que poderia fazer Guedes neste governo. Uma certeza
é que teria coerência com as ideias liberais que sempre defendeu. Iria impor
uma certa visão de necessários privatização e equilíbrio fiscal. Sua capacidade
executiva não esteve em dúvida. Saberia, ainda, reunir pessoas adequadas a cada
tarefa, suprindo suas fragilidades.
Nada,
porém, encontrou no perfil de quem lhe serviu de espelho. A maioria das
expectativas restaram frustradas, com duas exceções, uma em equipe, outra em
resultados da política econômica: O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, e a reforma da
Previdência. Campos tem uma agenda própria e a está cumprindo. A
reforma da Previdência, Guedes encontrou-a pronta, depois de 20 anos de
discussão, e a recebeu resmungando pela ausência da capitalização, uma de suas
obsessões à época.
De
outra obsessão, a CPMF, imposto mundialmente considerado um lixo, não
desiste, embora tenha sido a razão de seu fracasso na reforma tributária.
Preparou uma reforma administrativa megalômana, proibitiva para um presidente
em permanente campanha de reeleição. Suas propostas na área fiscal foram
desprezadas, até o momento. Como Bolsonaro, Guedes faz recuos temporários e
estratégicos. Como Bolsonaro, recuos e avanços numa mesma frase: vai ter, não
vai ter!
Previstos
na lei do teto e da responsabilidade fiscal, os gatilhos empacaram nas
divergências internas. O teto é, por sinal, o tema preferencial da disputa
interna de poder. Apenas discursiva, sem consequência, pois ninguém sabe o que
fazer.
Não há propostas para sair da crise que o governo imaginava fugaz. Aprofundou-se a dívida. Vem aí a segunda fase da pandemia. Bolsonaro vai segurar o teto? Guedes tem solução para não deixá-lo desabar? Até a próxima conferência do ministro. Até o próximo comício do presidente.
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