A falta de leitura asfixia pessoas e sociedade. Lutar contra o racismo exige luta contra o analfabetismo. Até porque 10 dos nossos 12 milhões de analfabetos são descendentes de escravos. Fala-se que “vidas negras importam” esquecendo-se que a falta de importância às vidas negras decorre em parte do abandono escolar a que os jovens negros são condenados, por serem pobres. O racismo produz analfabetismo entre os negros deixados sem escola, e acirra o racismo estrutural na sociedade.
Ao lado
dos esqueletos sociais da escravidão, o analfabetismo é o berço do preconceito,
a causa maior da exclusão social e do racismo. A luta contra o racismo
conseguiu fazer com que os negros brasileiros já não se sintam inferiores aos
brancos, como ocorria até recentemente, mas negros ou brancos sentem-se
inferiores quando são analfabetos. Apesar disso, os que, corretamente, lutam
contra o racismo com leis que criminalizam este comportamento, não lutam contra
o analfabetismo que produz o racismo. Até lutam para que um pequeno número de
negros entre na universidade, mas não para que todos os negros saiam do
analfabetismo.
“Ler
importa” não se refere apenas à chaga do analfabetismo total, mas também à
necessidade de abolir o analfabetismo funcional que atinge quase 100 milhões de
brasileiros. “Ler importa” não apenas para decifrar o que uma combinação de
letras quer dizer em uma palavra, mas também para saber o que as palavras
querem dizer combinadas entre elas em textos longos, em livros de literatura e
de filosofia. “Ler importa” não apenas para decifrar as letras na bandeira do
Brasil, mas também como aquelas palavras chegaram ali, identificar a base
filosófica delas, por que os republicanos as escreveram logo depois da proclamação
da República - e até hoje, 131 anos depois, ainda não entendemos que “ler
importa”.
Apesar
de todos os nossos avanços sociais e econômicos, temos em 2020 duas vezes mais
adultos analfabetos do que em 1889. Não percebemos que a liberdade de expressão
deve significar mais do que liberdade para alguns escreverem o que pensam, mas
também a possibilidade de todos lerem o que está escrito. Por mais liberdade
que tenha, não é livre a imprensa em um país com 12 milhões de adultos
analfabetos plenos e 100 milhões de analfabetos funcionais.
“Ler
importa” para todos e para ler tudo.
Recentemente,
a proposta de aumentar impostos sobre livros foi rejeitada pelos que compram
livros, mas eles não se mobilizaram para que todos pudessem ler; não houve luta
contra o imposto infinito que pesa sobre os analfabetos, plenos e funcionais,
que não lerão os livros, mesmo que distribuídos gratuitamente. A compra do
livro é o primeiro passo, mas sua aquisição só ocorre pela leitura. Houve um
movimento no sentido de “livro importa” para quem sabe ler, mas não de “ler
importa” para todos.
“Ler
importa” porque a leitura não é apenas um direito de cada pessoa, é um motor
para o progresso de todos. Sem conhecer a história do Brasil, sem ler as
propostas dos candidatos, o eleitor pode ser enganado mais facilmente; sem
literatura acessível a todos, fica difícil formar a consciência nacional de um
povo. “Ler importa” porque entre dois bons médicos, dois bons cientistas, dois
bons engenheiros, aqueles que leem jornais, revistas, literatura, serão
melhores que os outros.
É na
educação de base que, além de alfabetizar, formam-se leitores. De todas as
falhas de nossa educação de base, além de não alfabetizar todos na idade certa,
não ensinar matemática e ciências, não auxiliar na prática das artes, não
ensinar um ofício a cada jovem, nossas escolas não formam leitores em nosso
idioma, e ainda menos em idiomas estrangeiros - porque “ler importa” tanto que
é preciso ler em mais de um idioma.
“Vidas
negras importam” e “ler importa” também. Por isso, “educação importa”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário