A
demora do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a vitória do democrata Joe
Biden ameaça ampliar o isolamento do Brasil.
A demora do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos ameaça ampliar o isolamento do Brasil, já bastante acentuado em razão do comportamento irresponsável do governo em relação a temas caros à comunidade internacional, como o meio ambiente.
O
argumento do governo para que Bolsonaro não se juntasse a chefes de Estado de
quase todo o mundo, que cumprimentaram Biden assim que ficou claro o triunfo do
candidato democrata, é que ainda cabem contestações ao resultado, por meio de
recursos interpostos pelo presidente Donald Trump, que tentava a reeleição.
De
fato, é direito do presidente Trump, bem como de qualquer outro derrotado,
ingressar na Justiça para questionar o desfecho da eleição, se considerar que
houve irregularidades. Dito isso, quase ninguém nos Estados Unidos parece levar
a sério as alegações de fraude.
Mas
Bolsonaro, que nada tem a ver com as atribulações de Trump, decidiu levar o
caso a sério. Certamente aconselhado por seu chanceler, Ernesto Araújo, para
quem Trump é nada menos que o “salvador do Ocidente”, o presidente brasileiro
dá a entender que acredita na possibilidade de uma reviravolta a favor de seu
guru norte-americano.
A
hipótese benevolente é que se trata de uma estratégia para que Bolsonaro tenha
tempo de encontrar um discurso que não o indisponha com Trump nem com os fanáticos
bolsonaristas que, nas redes sociais, insistem que seu ídolo venceu a eleição e
é vítima de um golpe dos democratas, em conluio com a imprensa e com as
autoridades eleitorais dos Estados Unidos.
A
hipótese mais plausível, contudo, é que Bolsonaro realmente acredita nas
patranhas inventadas por Trump e pela extrema direita norte-americana. Vê nisso
a narrativa ideal para seu próprio projeto eleitoral, como já ficou claro desde
a campanha de 2018.
Pouco
importa que, na eleição presidencial de 2016, Trump não tenha esperado o fim da
apuração para se declarar vencedor, dado que seu triunfo foi atestado pelas
projeções da mesma imprensa que ele hoje acusa de mentir; também pouco importa
que, naquela mesma eleição, assim que a imprensa norte-americana prognosticou a
vitória de Trump, um dia depois da votação, o então deputado Jair Bolsonaro
parabenizou o ídolo, chamando-o de “o melhor, o patriota, aquele que lutou
contra tudo e contra todos”. Coerência, como se sabe, nunca foi o forte desses
vândalos da democracia.
O
problema é que, de um jeito ou de outro, quem perde é o Brasil. Bolsonaro
elevou à categoria de política externa as relações pessoais que julga ter com
Trump – e que jamais foram recíprocas. Estimulado por seus estrategistas
lunáticos, Bolsonaro alimentou a fantasia segundo a qual seu servilismo em
relação ao presidente norte-americano tornaria o Brasil um país privilegiado
pelos Estados Unidos. Isso nunca aconteceu e, para piorar, o alinhamento
automático do Brasil com a irresponsabilidade de Trump ameaça converter o País
de vez em pária mundial.
Não
se misturam preferências pessoais com interesses de Estado. O primeiro-ministro
de Israel, Binyamin Netanyahu, mostrou como se faz: embora muito chegado a
Trump, não hesitou em reconhecer a vitória de Joe Biden, pois sabe que depende
de boas relações com o governo norte-americano – qualquer governo.
O
Brasil de Bolsonaro acredita que pode se dar ao luxo de hostilizar o futuro
governante dos Estados Unidos desde já. Alinha-se assim à Rússia e à China, que
também demoram a reconhecer a eleição de Biden sob o pretexto de que ainda não
é “oficial”. A diferença é que Rússia e China são países autoritários com amplo
histórico de desavenças com os Estados Unidos e não se importam de alimentar
mais uma; já o Brasil, potência apenas média e bastante dependente de
investimentos externos, construiu seu bom status internacional sem se alinhar
preferencialmente a nenhum país e sem hostilizar gratuitamente qualquer
governo. É esse patrimônio que Bolsonaro joga fora, graças a um capricho
pessoal, pelo qual o Brasil pagará caro.
A demora constrangedora de Bolsonaro em parabenizar Biden – Opinião | O Globo
Para
Donald Trump, contestar o resultado até tem lógica política. Para Bolsonaro,
não tem nenhuma
A
recusa infantil de Donald Trump em reconhecer a vitória do democrata Joe Biden
na eleição americana era esperada. Ainda que não haja fundamento nas denúncias
de fraudes espalhadas por Trump e por seus partidários, elas têm um sentido
político. Ele sempre apostou na polarização, quer manter sua base eleitoral
mobilizada e encontrou, nas acusações falsas, uma maneira de manter o controle
sobre o Partido Republicano, talvez já de olho nas eleições de 2024.
O
que não tem nenhum sentido é a demora do governo Jair Bolsonaro em enviar uma
mensagem simples e educada de congratulações a Biden. Não há motivo razoável
para o Brasil assumir o lado de Trump numa questão interna dos Estados Unidos.
Mesmo governos ideologicamente próximos dele — casos de Polônia, Hungria ou
Israel — reconheceram a vitória de Biden.
O
nacional-populista indiano Narendra Modi parabenizou não só Biden. Louvou ainda
a vice eleita Kamala Harris, cuja mãe era indiana. Atitude idêntica teve o
premiê britânico, Boris Johnson, cujas afinidades com Trump são evidentes. Para
não falar nas demais democracias europeias, que veem Biden como aliado mais
confiável.
Fora
Bolsonaro, a principal exceção entre os países democráticos em congratular os
democratas foi o mexicano Andrés Manuel López Obrador. AMLO transmitiu apenas
uma mensagem de cautela. Bolsonaro, pelas postagens de familiares e amigos,
acredita mesmo que a eleição não está decidida. Enquanto isso, Biden já recebeu
os parabéns dos ex-presidentes Fernando Henrique, Lula e Michel Temer.
A
atitude de Bolsonaro afasta o Brasil do mundo democrático e aproxima o país de
governos autoritários que também se mantiveram em silêncio, como Rússia,
Turquia ou China. Só que, no caso desses países, a deferência a Trump se
explica pelo histórico de desavenças com os americanos. Para o Brasil, uma
democracia próxima dos Estados Unidos tanto em cultura quanto valores, não há
lógica nenhuma.
A
omissão brasileira envergonha um país que reivindica liderança na América
Latina. Com exceção do México, os líderes dos principais países do continente
congratularam Biden no próprio sábado, quando confirmada a vitória. A começar
pelo argentino Alberto Fernández, que também não recebeu os parabéns de
Bolsonaro ao vencer.
Ao
criar uma rusga gratuita com o novo governo americano antes mesmo da posse,
Bolsonaro afronta a tradição da diplomacia brasileira, abandona o protagonismo
regional e dá mais um passo rumo à posição de “pária internacional” descrita
pelo chanceler Ernesto Araújo. Eis o preço da política externa feita não em
nome do interesse nacional, mas por diletantes, apenas para garantir curtidas
nas redes sociais.
Um compromisso essencial – Opinião | O Estado de S. Paulo
Primeiro
dever de quem está num cargo público é cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Ao tomar posse como ministro do STF, Kassio Nunes Marques prestou o compromisso solene de posse, tal como previsto no Regimento Interno da Corte. “Prometo bem e fielmente cumprir os deveres de ministro do STF, em conformidade com a Constituição federal e as leis da República”, afirmou o mais novo ministro do STF.
Esse
compromisso não é exclusivo do Judiciário. Por exemplo, a Constituição
determina que, no ato de posse, o presidente da República e o vice-presidente
devem prestar “o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição,
observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a
integridade e a independência do Brasil”. Senadores e deputados também fazem
juramento similar, comprometendo-se a defender a Constituição, as leis, o
interesse público e o País.
Os
compromissos de posse não são simples atos simbólicos, a ornar uma liturgia
solene. No STF, por exemplo, o rito da cerimônia de posse é simples, sem
discursos, mas há o juramento. Tal é a importância do compromisso de posse que
a Constituição prevê expressamente que “a Câmara dos Deputados e o Senado
Federal reunir-se-ão em sessão conjunta para receber o compromisso do
presidente e do vice-presidente da República”. A cerimônia simboliza a
determinação perene de que o poder vem do povo e é a ele que representantes e
autoridades devem obediência.
O
compromisso solene de posse expressa uma verdade fundamental do Estado
Democrático de Direito. Seja qual for a competência específica, o poder deve
sempre ser exercido dentro de um marco de respeito à Constituição e às leis.
Não há exercício institucional de poder fora dessa estrita obediência à Lei
Maior. Tanto é assim que o primeiro artigo do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias previa que “o presidente da República, o
presidente do STF e os membros do Congresso Nacional prestarão o compromisso de
manter, defender e cumprir a Constituição, no ato e na data de sua
promulgação”. Ou seja, na inauguração do novo regime constitucional, o primeiro
ato foi assegurar que as autoridades exerceriam o poder em consonância com a
Constituição.
Cada
cargo tem, pois, uma expressa condição. Ele deve ser exercido dentro de sua
respectiva competência e no exato sentido de cumprir e proteger a Constituição
e as leis. É de reconhecer que, mesmo antes de fazerem o compromisso, as
autoridades – da mesma forma que todos os outros cidadãos – já tinham o dever
de respeitar a Constituição e as leis. O ato solene de juramento refere-se ao
modo de exercer o cargo público.
A
Constituição fixou um patamar alto de exigência para o exercício dos cargos
públicos. Por exemplo, a administração pública direta e indireta de qualquer um
dos Três Poderes deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
Assim,
a autoridade que usa o cargo para fins pessoais ou familiares descumpre o
juramento que fez no dia da posse. Como também descumpre o compromisso assumido
quem transige com criatividades à margem da lei, provoca a desarmonia entre os
Poderes, pleiteia competências que a Constituição não lhe dá ou dificulta a
eficiência ou a transparência do poder público.
O
juramento manifesta também que, para as autoridades, há pontos inegociáveis.
Não cabe, por exemplo, a um parlamentar ou a qualquer funcionário pleitear,
mesmo que apenas em hipótese, um novo AI-5. Isso significaria transigir com a
suspensão de direitos e garantias constitucionais, o que é afronta direta à
Constituição.
Seja
qual for o cargo exercido, o compromisso solene de posse deve representar uma
baliza em todas as circunstâncias, ordinárias ou extraordinárias, favoráveis ou
desfavoráveis. O primeiro dever de quem está num cargo público é cumprir e
fazer cumprir a Constituição.
O
compromisso de posse não é um fardo. A rigor, seu cumprimento define a mais
alta finalidade de todo cargo, seja do Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Quem é fiel ao juramento está no caminho de alcançar o mais genuíno êxito no
cargo. Por sua vez, quem descumpre o juramento, por mais aplausos que receba,
falha precisamente naquilo que é essencial – a correta prestação de serviço à
Nação, respeitando a Constituição e as leis.
Trégua no câmbio – Opinião | O Estado de S. Paulo
Dólar
mais calmo pressiona menos a inflação e aumenta a previsibilidade.
Com o dólar menos pressionado, o Brasil colhe o primeiro benefício econômico da vitória de Joe Biden na eleição presidencial americana. Outros benefícios dependerão de mudanças, muito incertas por enquanto, na estratégia comercial da Casa Branca. No médio prazo, o fortalecimento da cooperação internacional e do multilateralismo, bandeiras do candidato democrata, poderão reduzir tensões nos mercados e favorecer o crescimento global. Neste momento, o câmbio mais comportado, num cenário financeiro mais otimista, pode ser contado como ganho relevante, se nenhum susto realimentar o nervosismo.
Menor
pressão inflacionária será um dos bons efeitos da tranquilidade maior no
mercado cambial. O dólar mais caro tem sido um importante fator da alta de
preços. Isso foi reconhecido pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do
Banco Central (BC), na ata de sua última reunião. A “depreciação persistente do
real” foi apontada, nesse documento, como uma das causas da aceleração
inflacionária. A linguagem pode ser mais engravatada que a do dia a dia, mas o
diagnóstico é claro.
Câmbio
mais estável e preços contidos são importantes por mais de uma razão. Os
benefícios para as famílias, especialmente em tempo de baixa atividade, alto
desemprego e orçamento apertado, são evidentes. Mas essa estabilidade também
facilita o planejamento empresarial e, portanto, o bom funcionamento da
economia.
A
desvalorização cambial, lembrarão alguns, beneficia as exportações, barateando
os produtos nacionais em moeda estrangeira. Em princípio, sim, mas também o
planejamento do comércio é prejudicado quando as cotações oscilam intensamente.
Nessas condições, falta segurança para a fixação de preços e as decisões se
tornam mais complicadas. Para os negócios, assim como para a gestão pública,
ações seguras dependem de um mínimo de previsibilidade.
Por
enquanto, a melhora de humor no mercado financeiro, perceptível desde o fim da
semana passada, em nada afetou as projeções para os próximos três anos. Como de
costume, o Banco Central fechou na sexta-feira a coleta de estimativas para
este ano e para os três seguintes. O relatório, baseado em consultas a cerca de
cem instituições, foi divulgado ontem.
Em
uma semana a expectativa de inflação em 2020 passou de 3,02% para 3,20%. Há um
mês a estimativa apontava 2,47% de alta para o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Para 2021 a projeção subiu em uma semana de 3,11% para
3,17%. A pressão, segundo os cálculos, deve continuar, embora os números devam
ser, até 2023, compatíveis com as metas oficiais.
A
projeção do câmbio ficou em R$ 5,45 por dólar, a mesma da semana anterior, mas
um pouco mais alta que a de um mês antes (R$ 5,30). A taxa deve recuar a partir
de 2021, mas só em 2023 deverá ficar de novo um pouco abaixo de R$ 5,00. A
cotação estimada para esse ano é de R$ 4,94.
As
contas públicas continuarão pressionadas, mas, de toda forma, ainda se estima
um ajuste gradual. Em 2023, no entanto, o saldo primário, isto é, sem o peso
dos juros, ainda será negativo, com déficit equivalente a 1,50% do Produto
Interno Bruto (PIB). Não haverá sobra, mesmo dentro de três anos, para
amortização e controle mais firme da dívida pública.
O
detalhe mais otimista, em relação ao curto prazo, é a expectativa de contração
econômica de 4,80% em 2020, resultado melhor que o estimado quatro semanas
antes (-5,03%). O novo número está mais próximo da estimativa oficial (cerca de
-4,60%). Mas a expectativa de crescimento em 2021 declinou em um mês de 3,50%
para 3,21%. Para os anos seguintes a projeção reflete o baixo potencial de
crescimento estimado para o Brasil (2,50%).
As
apostas poderão rapidamente piorar, se aumentarem as pressões contra a
responsabilidade fiscal. Tolerante a essas pressões, o presidente da República
tem sido um fator de insegurança. A mudança externa derrubou o dólar, mas o
principal fator de instabilidade é interno, está instalado no gabinete
presidencial e pode manifestar-se a qualquer momento.
Maré de homicídios – Opinião | Folha de S. Paulo
Após
dois anos de queda, mortes violentas avançam sem que se note ação federal
O
número de assassinatos no Brasil aumentou no
primeiro semestre de 2020, o que esvazia a tentativa do governo Jair
Bolsonaro de capitalizar a queda expressiva verificada no ano passado. É
difícil, na verdade, associar qualquer um dos movimentos a políticas federais.
Conforme
balanço do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na primeira metade deste ano
houve um aumento de 1.700 registros de mortes violentas intencionais (MVI,
conceito que inclui homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de
morte e morte decorrente de ação policial) em comparação ao período
correspondente de 2019 —e 25.712 casos, no total.
O
equivalente a 67,7% desse incremento se deu no Ceará; foram 17,5% em Pernambuco
e 12,2% na Bahia. O restante do país, portanto, responde por apenas 2,6% da
piora.
A
população e o governo cearenses foram vítimas de um motim da Polícia Militar em
fevereiro. Nos 13 dias do levante ilegal ocorreram 27% dos assassinatos do
semestre; houve ainda desorganização da política de segurança do estado, que
vinha melhorando seus índices de violência desde 2017.
Aquele
ano é relevante para o entendimento das flutuações no número de mortes
violentas no país. Trata-se do pico de MVIs, que chegaram a 64.078 —a maior
cifra da série histórica iniciada em 2011.
Especialistas
e evidências diretas indicam que parte desse recorde se deve à onda de
confrontos entre facções criminosas. Foi uma disputa pelo controle de rotas de
tráfico de drogas e de presídios, com massacres em série.
A
escalada dos homicídios, que vinha de 2015, concentrou-se em Rio de Janeiro,
Pernambuco, Ceará, Pará, Bahia e Rio Grande do Norte. Em 14 estados, o número
de assassinatos caiu no período.
Na
esteira do recorde de três anos atrás houve a intervenção federal no Rio, que
reequipou e reorganizou, em parte, a polícia estadual.
Os
governos de Pernambuco e Ceará criaram políticas especiais e reforçaram suas
polícias. Houve tentativa de integração da política nacional de combate ao
crime e cooperação maior entre os Poderes.
No
âmbito federal, tais esforços se dissiparam. Deu em quase nada o pacote de
medidas e normas proposto pelo ex-ministro Sergio Moro, da Justiça. A
administração Bolsonaro se dedicou a fazer lobby em favor do acesso a armas, e
parcela expressiva de suas iniciativas teve sua legalidade contestada.
De
mais não se soube acerca de programa de segurança do governo —para o bem ou
para o mal.
Ideias
de Bolsonaro para Fernando de Noronha ameaçam integridade do arquipélago
Jair
Bolsonaro já deu provas cabais de não entender o conceito de presidir uma
república, em vez de um reino. Irrita-se ao constatar que seu poder conhece as
limitações da lei e que não existe para realizar seus caprichos, como se
percebe no caso de
Fernando de Noronha.
O
arquipélago oceânico de 21 ilhas e 17 km² é uma mania do presidente. Em sua
última transmissão às quintas-feiras em rede social, voltou a invectivar contra
a taxa federal de R$ 111 (R$ 222, no caso de estrangeiros) para visitar o
Parque Nacional Marinho e a multiplicar equívocos sobre um alegado desestímulo
ao turismo.
Bolsonaro
cismou agora de federalizar Noronha: “Parece que virou uma ilha de amigos,
amigos do rei, e o rei não sou eu”, lamuriou o governante que, ainda deputado
federal, foi multado por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos
Reis (RJ).
Já
presidente, conseguiu reverter a autuação, de modo imperial. Passou então a
perseguir medidas de proteção marinha do ICMBio (agência responsável pelas
unidades de conservação federal), com a conivência do ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles. Com a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, aliás,
a permanência do ministro no cargo passa a ser um embaraço internacional.
A
ignorância do capitão sobre o arquipélago tem amplitude oceânica. Abomina a
taxa do ICMBio, mas seu governo já a reajustou. O fluxo de turistas tem
aumentado, apesar dela, e não diminuído; beira a capacidade máxima de 108 mil
visitantes anuais fixada em norma federal (foram 106 mil em 2019).
Bem
mais onerosa é a taxa de preservação ambiental de Pernambuco, de R$ 73,95 por
um dia, podendo chegar a R$ 5.355,45 pelo máximo de 30 dias. O estado aplica
recursos na infraestrutura de saneamento, saúde e transportes da ilha.
Noronha
tem origem vulcânica, uma montanha rochosa que se ergue do fundo do oceano. Não
conta com fontes de água além da chuva incidente. Tal condição impõe óbvios
limites à visitação, assim como a fragilidade de hábitats como recifes e
piscinas naturais —noções estranhas, porém, à mentalidade antiambiental de
Bolsonaro.
O
presidente parece enxergar o turismo do ponto de vista exclusivo do usufruto
individual, sem ponderar o impacto coletivo da visitação. Uma eventual
sobrecarga ameaçaria não apenas as belezas naturais e a fauna marinha, mas, com
estas, o próprio turismo que o presidente deseja incrementar.
Bolsonaro
deveria aprender algo com as tradições mais civilizadas dos EUA, onde se firmou
o modelo bem-sucedido de parques nacionais restritos e rentáveis.
Padrinhos custam caro a candidatos de São Paulo e Rio – Opinião | O Globo
Não
deixa de ser sintomático que apadrinhados por Lula e Bolsonaro estejam penando
nas pesquisas
Numa
campanha curta e limitada pela pandemia, faz até sentido que os candidatos a
prefeito saiam à procura por “padrinhos” que ajudem a projetá-los. Mas até
agora, na reta final para a votação do primeiro turno no dia 15, a ajuda não
tem surtido efeito, pelo menos na disputa pelas duas maiores capitais do país,
São Paulo e Rio. Bruno Covas (PSDB) e Eduardo Paes (DEM) lideram as pesquisas
de intenção de voto entre paulistanos e cariocas não apenas sem precisar da
ajuda desses puxadores de votos, mas contra candidatos que se apoiam nos dois
políticos mais populares do país, o presidente Bolsonaro e o ex-presidente
Lula.
Covas,
por sinal, esconde na campanha seu principal aliado e apoiador, o governador
João Doria, mal avaliado pelos paulistanos. Segue impávido à frente do
adversário Celso Russomanno (Republicanos), que só tem caído nas pesquisas
depois de enfatizar seu elo com Bolsonaro. O apadrinhamento de Lula ao
candidato petista Jilmar Tatto também não engrena. Nome controvertido na
própria legenda, Tatto corre o risco de entregar a liderança política na
esquerda paulistana a Guilherme Boulos, do PSOL, que desponta em segundo lugar.
No
Rio, a petista Benedita da Silva também não decola, apesar de Lula aparecer a
seu lado na propaganda eleitoral. O adversário que Paes torce para encontrar no
segundo turno é o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Dono do mais alto
índice de rejeição, Crivella tem explorado no horário eleitoral a aliança com
Bolsonaro, com a promessa de vídeo exclusivo do presidente. De pouco tem
adiantado. Nas últimas pesquisas, Crivella esboçou reação tímida ao crescimento
de Martha Rocha (PDT) na disputa pela vaga contra Paes no segundo turno.
É
verdade que os desapadrinhados Paes e Covas não são nomes desconhecidos do
eleitor. Covas, prefeito que tenta a reeleição, carrega um sobrenome fortíssimo
no estado, com expressão nacional. Ganhou exposição ao lado de Doria no combate
à pandemia e enfrentou um câncer de forma transparente. Conquistou, com isso,
simpatia e solidariedade do paulistano.
Paes
foi prefeito, já perdeu uma eleição para governador e, desta vez, tem resistido
aos ataques que sofreu naquela disputa, vencida por Wilson Witzel. A exploração
de seu vínculo com o ex-governador Sérgio Cabral, um dos maiores condenados por
corrupção do país, não tem surtido o mesmo efeito. Nem a denúncia de uso de
caixa dois eleitoral, feita pelo Ministério Público à Justiça, o abala.
Paes
tem um forte cabo eleitoral no próprio Witzel, ex-juiz eleito com o discurso da
“renovação política” que terminou como fiasco estrondoso. A derrocada de Witzel
contrasta com a imagem ostentada por Paes, de político testado na administração
da cidade.
Se
os desapadrinhados parecem ter, cada um a seu modo, valor próprio diante do
eleitor, não deixa de ser sintomático que os apadrinhados estejam penando
quando associados a figuras como Lula e Bolsonaro.
Biden terá de enfrentar a dura oposição do Senado republicano – Opinião | Valor Econômico
O
irascível Trump não deixou a Presidência e ainda pode provocar estragos
Com comparecimento recorde, os eleitores americanos resolveram mandar para casa um presidente maluco e encerrar a “ego trip” de Donald Trump. Muitos dos danos cometidos por ele contra a democracia, contra inimigos, aliados e as instituições que os EUA criaram para influenciar o mundo de acordo com seus interesses, poderão ser até consertados. Mas as condições que permitiram o surgimento de um presidente tão despreparado na maior democracia do mundo permanecem. E há dúvidas sobre se seu sucessor, o veterano democrata Joe Biden e seu partido têm as respostas certas e os meios necessários para criar um ambiente menos receptivo a populistas desvairados.
A
“internacional populista” perdeu seu maior expoente e garoto propaganda, e isso
em si é um feito notável. A enorme votação e popularidade de Trump, porém,
permitiu aos republicanos manter ou até mesmo ampliar suas forças no Congresso
americano, que é de fato quem detém o poder no país. O calvário de Biden será o
Senado, onde um empate de 49 senadores de cada partido será resolvido em uma
eleição em segundo turno, em janeiro, de dois senadores na Georgia, disputa que
os republicanos devem ganhar.
O
Senado tem representação igualitária de Estados mais e menos populosos. Ao
contrário do Brasil, o presidente tem de submeter seus ministros (secretários)
à aprovação dos senadores. Barack Obama teve problemas com isso em seus
mandatos e a eminência parda que comandava os republicanos na tarefa de
bloquear tudo que fosse de interesse da administração de Obama continua no
Senado, e com o mesmo poder: Mitch McConnell.
McConnell
assistiu a caminhada dos republicanos rumo à barbárie, pressagiada pelo Tea
Party, e à tomada de assalto por Trump, que nunca foi republicano convicto e
conquistou a nomeação a pontapés, esculhambando a cúpula partidária e passando
por cima dela.
É
o Senado também quem aprova os designados para a Suprema Corte. McConnell
impediu que o indicado de Obama fosse aprovado a mais de um ano das eleições,
mas apressou-se para sagrar a conservadora Amy Barrett a poucos dias do pleito.
É
previsível que os democratas tenham de recuar diante da muralha republicana,
que talvez aceite um esforço fiscal aquém do necessário (fala-se em US$ 1
trilhão), e se choquem com a negativa dos senadores em aprovar ampliação do
seguro saúde e aumento de impostos para os mais ricos, pilar sobre o qual se
apoiam os demais pontos do programa econômico de Biden. A ação unânime dos
republicanos contra os democratas já era um fato antes de Trump, deve continuar
assim agora, após ser revigorada pelas urnas.
Os
democratas seguiram na direção oposta à dos republicanos, rumo à esquerda, e
quase deixaram para trás Biden no início das primárias até a cúpula partidária
impor correção de rumos e impedir um trunfo de Trump que parecia provável se
enfrentasse uma candidatura mais à esquerda que a do moderado Biden. É uma
questão em aberto a forma que tomará o relacionamento dessa ala do partido
diante das manobras e recuos que Biden terá de fazer para conseguir arrancar
algo dos republicanos. Ou a relação da vice Kamala Harris, na linha da
sucessão, com novas lideranças de esquerda.
O
previsível bloqueio republicano impedirá a inflexão que Biden quer fazer para
“curar a alma” dos EUA, exceto na política externa, onde o presidente tem ampla
margem de manobra. Na economia, será quase mais do mesmo, ou menos do mesmo, já
que o impulso fiscal tende a diminuir e o impulso monetário do Fed, a se manter
ou aumentar, caso isso se revele premente.
Biden
busca um caminho certo, o de atacar a pandemia frontalmente, algo que Trump
nunca fez ou faria, e contar com o progresso da vacina - ontem, Pfizer e a
alemã BioNTech revelaram que sua arma contra a covid-19 é 90% efetiva. O fim da
pandemia logo no início de seu mandato pode abrir portas no jogo político e
deslanchar uma retomada rápida da economia.
O irascível Trump, que ontem demitiu seu secretário da Defesa, não deixou a Presidência e ainda pode provocar estragos. Há um rastro de negócios obscuros sob o olhar da Justiça. E ainda que tenha obtido 71,25 milhões de votos, Trump não tem o perfil de líder partidário. Ele não escuta a sério ninguém fora de seu círculo familiar e só se relaciona com discordâncias com insultos e ofensas pessoais. Não tem a disciplina para comandar ninguém ao longo de 4 anos. Trump pode voltar para assombrar os americanos ou se acomodar a contragosto na lata de lixo da história.
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