terça-feira, 10 de novembro de 2020

Andrea Jubé - O risco do apagão eleitoral de Davi

- Valor Econômico

Falta de água e luz ameaça irmão de Alcolumbre

A foto obrigatória em Macapá é no Marco Zero, o monumento de 30 metros que delimita a passagem da linha do Equador pela capital amapaense. A pessoa se posiciona no meio do traço demarcado no chão, e então, coloca um pé no hemisfério norte, outro no hemisfério sul, e registra o seu instante no meio do mundo.

Um círculo no alto do Marco Zero permite a contemplação do equinócio - quando o sol cruza a linha do Equador - duas vezes por ano. Em março e setembro, o sol alinha-se ao círculo e projeta um raio de luz sobre a linha imaginária.

O fenômeno confere a Macapá o título de “capital do meio do mundo”. Ela também é a única capital banhada pelo Rio Amazonas. O Estado também é reduto eleitoral de autoridades do primeiro escalão da política nacional: o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM), e o ex-presidente José Sarney.

Tanta singularidade e projeção política não asseguraram ao Amapá desenvolvimento ou excelência nos serviços públicos. Ao contrário, a população amargou 100 horas sem água e luz até que um restabelecimento parcial da energia elétrica fosse providenciado a partir de sábado.

Foram quatro dias na seca e no escuro. O apagão começou na noite de terça-feira, há uma semana, quando, durante uma tempestade, um raio atingiu a subestação de energia localizada na Zona Norte de Macapá. Dois dos três geradores sofreram danos irreversíveis e terão de ser substituídos. Esse processo pode levar mais de dez dias.

“Descobrimos que não tínhamos ‘backup’ na estação de transmissão, não temos geradores sobressalentes, fomos expostos a um risco altíssimo”, criticou em conversa com a coluna o advogado Rubem Bemerguy, que é candidato da Rede a vice-prefeito de Macapá na chapa encabeçada pelo ex-senador João Capiberibe (PSB).

“Dizem que um raio causou tudo isso. Um raio? Eles [a concessionária] não tinham equipamento de proteção contra raios?”, questionou. Bemerguy argumenta que São Paulo jamais seria exposto a uma situação dramática como essa porque é um Estado rico, industrializado, onde as estações devem contar com “backups” e com a fiscalização atenta da Aneel [agência reguladora do sistema elétrico]. “O governo nos trata ainda como colonizados”.

Mesmo sem garantia do restabelecimento regular da energia, os amapaenses vão às urnas no domingo por deliberação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que recusou o apelo da oposição para adiar o pleito.

Os amapaenses, no entanto, vão às urnas pintados para a guerra em meio a tanta devastação. Em plena pandemia, num momento de aumento dos casos de covid-19 no Estado, a população ficou sem água para tomar banho e lavar as mãos. Pelo menos 80% dos moradores não têm caixas d’água em suas residências em Macapá.

Estoques dos bancos de sangue, e dos bancos de leite materno (para os prematuros) foram comprometidos. Quem ainda encontrasse água mineral, gelo ou mantimentos que dispensassem refrigeração para comprar, podia persistir na necessidade se não tivesse como pagar. Máquinas de cartão de crédito descarregaram. Caixas eletrônicos pararam de funcionar.

Uma peculiaridade é que um alto número de pessoas recorre a “gatos” para o fornecimento de energia em suas casas. São os moradores de baixa renda das chamadas “áreas de ressaca”, nas casas em áreas invadidas, sobre braços de rios ou igarapés. Outro detalhe é que um dos principais itens da dieta dos amapaenses são os peixes: pescadores foram prejudicados, bem como as pessoas que armazenavam as carnes frescas ou congeladas em suas geladeiras.

“A insegurança aumentou: na escuridão, com alarmes desativados, sua casa pode ser assaltada, e você não tem nem telefone para chamar a polícia”, relatou Bemerguy. Há o agravante de que as forças de segurança sumiram. Segundo ele, não apareceram nem guardas municipais para controlar o trânsito nas ruas, aumentando o risco de acidentes.

Por isso, é nesse ambiente de revolta que Bemerguy prevê reflexos do apagão na campanha de seu adversário, Josiel Alcolumbre (DEM), irmão do presidente do Congresso, que lidera as pesquisas. Com apoio das máquinas federal, estadual e municipal, Josiel desponta com 15 pontos percentuais de vantagem em relação a Capiberibe, segundo as principais pesquisas.

Bemerguy explica que a população culpa o “governo” pelo infortúnio, sem dissociar, precisamente, a administração federal, estadual ou municipal. “Como o Josiel tem o apoio do governo federal, atribuem a ele essa responsabilidade. Ele é a única pessoa passível de perder voto”, diz o candidato da Rede.

Uma derrota em sua base eleitoral seria um revés emblemático a Davi Alcolumbre, sobretudo num momento em que busca a recondução ao posto. E uma reeleição cheia de obstáculos, dependendo da boa vontade do Supremo Tribunal Federal.

Com 40 segundos no horário eleitoral, a oposição também levou prejuízos. Sem energia completa ou parcial na última semana, a campanha foi afetada com a interrupção da propaganda eleitoral na televisão, no rádio e na internet. A saída foi uma ofensiva nos grupos de WhatsApp, diz Bemerguy.

O candidato da Rede observa que a interrupção na campanha impede a oposição de dialogar com a população, de tentar mostrar ao eleitor o que de fato ocorreu. Bemerguy atribuiu a deterioração do sistema elétrico à concessão dos serviços à iniciativa privada e declara-se contrário à privatização.

“Essas mesmas pessoas que queimam pneus hoje, amanhã votarão em quem apoiou a privatização do serviço, e em quem defende a privatização da Eletrobras”. Ele lamenta que as pessoas, por desinformação, atribuam o episódio a uma fatalidade ou provação divina. “A população não tem discernimento sobre isso”.

Bemerguy receia, entretanto, que o eventual adiamento da eleição aumentasse o sentimento de revolta no eleitor. “Tem o risco politico do adiamento, de deixar o eleitor ainda mais chateado, porque os políticos estão sendo muito demonizados”. A expectativa dele é que o apagão leve a um recorde no índice de abstenção nas eleições no Amapá.

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