Derrota
de Trump anima, mas é desmotivador ver a imprensa se tornar tão parcial
Biden
venceu, viva! Uma vitória da democracia, da ciência, das instituições,
da imprensa. Mas espere um momento: por acaso a imprensa deveria ser torcedora,
ou até participante, nessa disputa?
Todo
mundo sabe que não existe veículo completamente imparcial e objetivo. Há sempre
valores, ideologias, narrativas, interesses, que inevitavelmente influenciarão
as decisões sobre o que e como publicar. Nesse sentido, vejo muitas vozes
defendendo que, como a imparcialidade perfeita é impossível, cada veículo de
imprensa deveria assumir seu lado. Discordo.
A
imprensa é relevante justamente na medida em que não é apenas mais um porta-voz
de um campo político. A perfeita objetividade e imparcialidade pode ser uma
utopia, inatingível na prática, mas é importante que siga como ideal operante
na conduta institucional. A partir do momento em que aceitamos abrir mão de um
valor em nome da defesa de um grupo político, é inevitável que a prática seja
contaminada e que os padrões rigorosos sejam sacrificados ao partidarismo. À
“opinião” do jornal basta o editorial; o jornalismo deve mirar a verdade e
objetividade como valores superiores a qualquer causa política, mesmo as desejáveis.
A
situação da imprensa não é fácil. Num momento
de polarização, em que qualquer conteúdo que não seja feito sob medida
para um dos lados da disputa é imediatamente rechaçado por ambos, publicar
informações com objetividade não conquistará o amor de ninguém. Por mais que um
lado possa estar mais próximo da verdade e dependa menos da fabricação
sistemática de mentiras para se viabilizar, a realidade não costuma estar
perfeitamente alinhada a ninguém. Assim, um jornalismo objetivo raramente
encantará a torcida de qualquer lado. Mesmo quando confirma nossas crenças, não
é com a ênfase e na medida que realmente gostaríamos. E aí reside seu valor
para alimentar o debate público responsável.
As
redes sociais participam desse debate também. Todas buscam alguma maneira de
limitar o alcance de fake
news. Não tenho a resposta para como fazê-lo, mas sei o tipo de medida
que definitivamente não desce: suprimir notícias que prejudicavam o candidato
democrata na semana da eleição.
As
notícias envolvendo o filho
de Joe Biden, veiculadas para tentar manchar a reputação do pai às
vésperas do pleito, eram vazias. No entanto, quantas reportagens igualmente
irresponsáveis em suas especulações e acusações contra Trump não foram
compartilhadas livremente sem qualquer entrave do Twitter? O conluio com a
Rússia, o caso
com a atriz pornô, o abuso
sexual. Se o site decidir que notícias bombásticas, sem o devido rigor
jornalístico, devem ser limitadas perto das eleições, então que essa regra seja
formulada abertamente e aplicada com transparência. Caso contrário, vira apenas
sabotagem contra a direita, ao mesmo tempo em que se toleram todos os excessos
do progressismo.
Populistas
como Trump fazem do ataque
à imprensa parte de seu jeito de governar. É muito fácil para a
imprensa reagir conforme o esperado e transformar a oposição ao governo parte
de seu ideário. Ao agir assim, apenas confere legitimidade aos ataques sem base
de que é alvo. Considero a derrota de Trump um dos melhores eventos deste ano
difícil que tem sido 2020. Mesmo assim, é desmotivador ver o The New York Times
ou a CNN se tornarem tão abertamente parciais em sua cobertura.
O
valor de uma fonte confiável de fatos relevantes para o debate público é muito
maior do que o de uma militância de discursos louváveis.
*Joel Pinheiro da Fonseca,economista, mestre em filosofia pela USP.
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