“O encontro do apresentador Luciano Huck com o
ex-ministro da Justiça Sergio Moro mexeu com o tabuleiro político. O
apresentador de tevê se fingia de morto”
“Os
homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e, sim, sob aquela com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Quem já não leu ou ouviu
essa frase na crônica política? É citada com frequência, literalmente ou não,
mas com o mesmo sentido. Está no segundo parágrafo do O 18 Brumário de Luís
Bonaparte, de Karl Marx (Martin Claret), escrito em Londres, sob encomenda,
para um semanário que seria lançado em Nova York, em 1º de janeiro de 1852,
cujo editor, Joseph Weydemeyer, morreu. O texto acabou publicado numa revista
mensal intitulada Die Revolution e introduzido na Alemanha
semiclandestinamente, antes de virar um livro-reportagem sobre o golpe de
Estado de Napoleão III, em 1851. O título faz alusão ao golpe de 9 de novembro
de 1799, esse, sim, dado por Napoleão Bonaparte. É um clássico da análise
política, que cunhou os conceitos de “bonapartismo”, “transformismo político” e
“cretinismo parlamentar”.
O
presidente Jair Bolsonaro não foge à regra dos grandes personagens da História
que se repetem, citados por Marx naquele texto: depara-se com circunstâncias
que não escolheu e são completamente diferentes daquelas nas quais se elegeu. É
como se a roda da Fortuna tivesse girado a favor dos seus adversários, zerando
a vantagem estratégica que a conjuntura de 2018 havia lhe proporcionado. Para
piorar a situação, antecipou sua campanha à reeleição em todos os movimentos
que fez desde quando assumiu a Presidência e, agora, com o gênio fora da
garrafa, não tem como pô-lo de volta. Nem bem o primeiro turno das eleições
municipais acabou, o quadro eleitoral de 2022 começa a ser desenhado à sua
revelia, agora impulsionado por um fator externo cujo impacto no Brasil não
pode ser subestimado: a vitória do democrata Joe Biden nas eleições
presidenciais dos Estados Unidos, inequívoca, embora o presidente Donald Trump
se recuse a admiti-la e se movimente como quem deseja criar uma crise
institucional para permanecer no poder.
Não
é à toa que líderes mundiais como Vladimir Putin, da Rússia; Xi Jinping, na
China; e López Obrador, no México, ainda não enviaram congratulações ao
democrata e aguardem o resultado oficial da disputa, cuja divulgação Trump
procura retardar ao máximo, com seus recursos judiciais. São líderes políticos
que têm grandes contenciosos com os Estados Unidos e não desejam tornar a
vitória de Biden ainda mais consagradora, fortalecendo-o nas negociações.
Nenhum deles, porém, tem tanta identidade ideológica com Trump como Bolsonaro.
Também não se manifestaram durante o pleito a favor do candidato republicano. O
retardo em reconhecer a vitória de Biden, por lealdade a Trump, está
aprofundando o mal-estar que já existia com o novo presidente dos Estados
Unidos. Além das implicações da vitória dos democratas em relação à política
externa e à questão ambiental no Brasil, já estão aparecendo suas consequências
para a política nacional propriamente dita, inclusive do ponto de vista
eleitoral.
O
encontro de Huck e Moro sinalizou que o campo liberal-democrático pode buscar
uma convergência e ocupar, novamente, o centro político, mas isso passa, ainda,
por João Doria (PSDB), governador de São Paulo; Eduardo Leite (PSDB),
governador do Rio Grande do Sul; Rodrigo Maia, presidente da Câmara; Luiz
Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde; e Marina Silva(Rede),
ex-ministra. Unificar o centro democrático não é uma tarefa fácil, nunca foi. Ulysses
Guimarães e Tancredo Neves, no MDB, disputaram a liderança da oposição até a
derrota das Diretas Já. Fernando Henrique Cardoso teve de dobrar Mário Covas,
no PSDB, para consolidar sua aliança com o PFL, de Antônio Carlos Magalhães e
Marco Maciel.
De volta aos programas de tevê com forte cunho social, Huck se movimenta de forma dissimulada, mas sua permanência na TV Globo tem data marcada, precisa decidir até meados do próximo ano se é candidato ou não. Moro enfrenta o sereno na planície, é um candidato encabulado, mas tem um partido pronto para abrigá-lo, com forte bancada no Senado, o Podemos. Doria tem as dificuldades de todo político paulista para sair do Palácio dos Bandeirantes, podendo se reeleger, e arriscar a Presidência. Mandetta é candidato declarado, enquanto houver pandemia, terá pista para correr, mas precisa seduzir a cúpula partidária, que sonha com a candidatura de Huck pela legenda. Eduardo Leite pode ser a nova cara do PSDB, se Doria não concorrer. Marina Silva sonha em renascer como Fênix, para viabilizar a Rede. Reunir todos numa candidatura é um projeto ambicioso. Além disso, não se deve subestimar a força da oposição de esquerda, que pode se reagrupar, a partir das conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula (PT) da Silva e Ciro Gomes (PDT), para chegar ao segundo turno.
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