terça-feira, 9 de junho de 2020

Andrea Jubé - ”O PSDB não foi solidário”

- Valor Econômico

Prefeito cobra guinada do PSDB para a oposição

Segundo Nelson Rodrigues, em frase que atribuiu a Otto Lara Resende, “o mineiro só é solidário no câncer”. Parafraseando a dupla, em algumas situações, o político não será solidário nem no câncer.

Era maio de 2001, e o presidente Fernando Henrique Cardoso tentava barrar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar casos de corrupção em seu governo. Para isso, incumbiu o então líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), de articular o cancelamento da sessão em que seria lido o requerimento de criação da CPI mista.

FHC precisava ganhar tempo para retirar as assinaturas de apoio à investigação. Segundo o Datafolha, 84% da população apoiava a instalação da CPI para apurar as denúncias do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Mas o adiamento da sessão também implicou o cancelamento da homenagem ao governador de São Paulo, Mário Covas (1930-2001), ícone tucano, falecido havia dois meses por causa de um câncer - mal que aflige seu neto, o prefeito Bruno Covas (PSDB).

Virgílio ponderou que a homenagem deveria ser mantida, porque a CPI não iria prosperar, e a viúva de Covas, Dona Lila (1933-2020) havia se deslocado a Brasília exclusivamente para a sessão no Senado.

“A CPI não tinha fato determinado”, relembra Virgílio. “O requerimento tinha uns 22 itens, cada um ia lá e acrescentava um novo: o ACM colocou um item para investigar o [presidente do Senado] Jader Barbalho, o Jader colocou outro para investigar o ACM, eu coloquei um para investigar desvios do PT no FAT [Fundo de amparo ao Trabalhador], qualquer tribunal ia suspender uma maluquice daquelas, mas preferiram suspender a homenagem ao Covas”, lamentou o tucano à coluna, 19 anos depois.

Cancelada a sessão, uma comitiva de sete tucanos se espremeu em um carro oficial com espaço para cinco para se dirigir ao hotel e comunicar a viúva que a homenagem fora cancelada. Segundo Virgílio, ele acabou incumbido de encará-la sozinho. Ela estava acompanhada no hotel do filho Mário Covas Neto (hoje vereador em São Paulo pelo Podemos) e da filha Renata, mãe de Bruno Covas.
Virgílio conta que ouviu de uma viúva altiva e indignada que não tinha raiva dele, porque lhe restou desempenhar o papel que sempre sobrava para Covas. “Imagino que você tenha chegado com mais tucanos, mas ou eles ficaram no carro, ou foram embora; não tiveram coragem de subir para falar comigo. Quando todo mundo se escondia, o Covas botava a cara pra bater”, ouviu de Dona Lila.

Quatro anos depois, Virgílio narra que novamente sobrou pra ele colocar a cara a tapa sozinho em novo episódio constrangedor para o partido. Ele era líder do PSDB no Senado em 2005, quando o então prefeito de João Pessoa (PB), Cícero Lucena (PSDB), foi preso por denúncias de fraude em licitações. Segundo Virgílio, o PSDB fretou um jato que levaria uma comitiva de tucanos para se solidarizarem com o correligionário. Ao fim, por decisão dos companheiros, ele foi e voltou sozinho.

Atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio relembrou os dois episódios para afirmar que se sentiu abandonado pelo PSDB, que não se manifestou oficialmente sobre as ofensas que o presidente Jair Bolsonaro dirigiu a ele e ao governador de São Paulo, João Doria, na reunião ministerial de 22 de abril. Bolsonaro chamou os dois caciques tucanos de “bosta”.

“Já estou tão acostumado”, tripudiou, ressalvando que recebeu telefonemas de apoio do próprio Doria e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a quem se refere como “irmão”.

“Faltou solidariedade, o partido tem que estar junto das pessoas que foram atacadas. Se for acusação grave, a pessoa tem que se explicar. Mas uma pessoa injuriada, chamada do que o sujeito [Bolsonaro] me chamou, do que chamou o Doria, e o partido não se ofende?”

Lembrado que o PSDB tem um representante no primeiro escalão do governo Bolsonaro, Virgílio cobrou atitude solidária do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. “E isso [os insultos] não mexeu com o Marinho? Dois companheiros de partido atingidos desse jeito, e ele prefere prestar os bons serviços a esse governo?”

Há 31 anos no partido - três vezes prefeito de Manaus, ministro, deputado e senador, líder da bancada - Virgílio diz que não vê “compatibilidade” entre o PSDB que sonha e o que está no governo Bolsonaro. Ele acha que o partido deve pedir a Marinho que se licencie ou se desfilie para continuar no cargo. “O PSDB tem razões históricas para não manter vínculo com alguém que defende a tortura, o Mário Covas foi cassado [pelo AI-5]”.

O prefeito tem concedido entrevistas a agências e veículos internacionais sobre o impacto do coronavírus no Amazonas e as consequências do descontrole da pandemia para os índios. Ele receia que a segunda onda da epidemia virá com a força de um “massacre”, mas não vê a reedição das cenas dramáticas da abertura de covas coletivas em Manaus, quando a capital promoveu até 167 enterros em um dia.

Ele assegura que a Prefeitura atravessará a pandemia do ponto de vista financeiro com “tranquilidade”, mas com “intranquilidade” do ponto de vista social por causa do quadro recessivo da economia. Ele preparou os cofres para uma queda de arrecadação de até 30%, a folha de pagamento está garantida, formou um colchão de R$ 1,6 bilhão para investimento em obras de mobilidade e saneamento.

Rescindiu contratos de locação para abrigar três secretarias em um mesmo prédio, cortou cargos comissionados e reduziu em 25% contratos de fornecedores.

Com assento na Executiva tucana, acha que a realidade da pandemia não comporta um debate sobre o impeachment de Bolsonaro, mas que o PSDB terá de se posicionar mais à frente. “Falar disso agora só serve para tumultuar mais o quadro”. Ele ressalta que se o PSDB não der uma “guinada de 180 graus” e fizer oposição dura ao governo, vai se tornar um partido irrelevante e não disputará pra valer as eleições.

Conta que amigos até lhe recomendaram deixar o PSDB, e migrar para o Novo, mas ele critica a legenda, que recusa filiados com mandato. “E quem foi eleito pelo Novo e conquistou um mandato, agora terá que sair? Porque se mandato conspurca, o filiado já foi conspurcado”.

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