Nós todos estamos no mesmo barco, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
No domingo passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) participou de um debate com Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) sobre o atual cenário da democracia no País. Em que pesem as profundas diferenças políticas entre os participantes, o que se viu no programa do canal GloboNews foi um diálogo civilizado a respeito da necessidade de unir esforços na defesa da democracia. Se é alvissareira a disposição de deixar momentaneamente as diferenças de lado para proteger um bem maior, ela é também um sintoma da gravidade do momento atual, que exige maturidade e responsabilidade de todos, especialmente das lideranças políticas.
“Nós precisamos ter esperança. Ninguém projeta o futuro sem esperança. (...) Nós precisamos ter energia para descortinar um futuro melhor”, disse Fernando Henrique. “O que é esse futuro melhor vamos talvez discutir aqui e ali, depois. Mas temos de estar, pelo menos agora, unidos na ideia de que, sem liberdade, não se faz nada; sem que exista a regra de que a maioria possa prevalecer, não se faz nada. É muito importante que haja união. Não estou dizendo que nós não tenhamos diferenças. É que, diante de um risco maior, real, de escorregar num caminho que não nos convém, nós temos de estar juntos, nós temos de gritar juntos. (...) Nós todos estamos no mesmo barco, e esse barco pode ir a pique, se não mantivermos as condições de liberdade. Eu já vi isso ocorrer no Brasil, eu fui para o exílio, passei anos fora do Brasil.
(...) Nós temos, sobretudo, de manter nossa convicção, nossa esperança, e agir em direção de um futuro melhor”, disse o ex-presidente.
Em sua fala, Marina Silva recordou o que tem unido, neste momento, pessoas de posições políticas ou ideológicas muito diferentes. “Acima de nós, há 36 mil mortos por covid-19 e a defesa do Estado de Direito”, disse. “É com esse espírito que homens públicos e a sociedade civil estão se mobilizando”, disse a ex-senadora pelo Acre.
Ao tratar do que qualificou como as três tarefas do País neste momento – salvar vidas, salvar empregos e defender a democracia –, Ciro Gomes também pregou a união em torno do Estado Democrático de Direito.
“A minha divergência fica guardada para a hora própria. (...) Na defesa da democracia, nós vamos fazer o que for necessário”, disse o ex-governador do Ceará. A respeito de eventual resistência para se unir a um adversário político, Ciro Gomes minimizou as dificuldades. “Ninguém do povo vai entender a superficialidade e a leviandade de qualquer um de nós que, por mimimi, por manha, por marra, não cumpra sua tarefa de proteger a democracia que custou vidas a muitos brasileiros. (...) Nós vamos defender a democracia brasileira, e quem não vier é traidor”, disse.
Questionado sobre as manifestações em defesa da democracia que envolvem também outras bandeiras, como a rejeição ao racismo, Fernando Henrique lembrou o caráter fundamental da democracia. “Eu acho normal que (as manifestações) entrem em outras questões. No fundo, não são outras questões, é a mesma – é a democracia na sociedade. Não é só a democracia política, mas também a inclusão social. É a mesma bandeira, no fundo.”
O ex-presidente frisou também a importância de não se omitir na defesa da democracia. “Chegou o momento em que nós não podemos calar. Temos de dizer o que nós pensamos, com cuidado, mas sem temor. Dizer com cuidado para que o outro lado, algum grupo bolsonarista mais feroz ou mais ideológico, não use o argumento de que ‘não deixam o homem governar’. Ele pode governar do jeito que quiser. O que ele não sabe é governar, e isso é outra coisa. Os que temos compromisso com a reconstrução da democracia no Brasil, com o exercício da democracia, nós precisamos dizer o que pensamos com simplicidade e clareza, para que a população entenda e perceba que a luta não é só política; é social e econômica”, disse Fernando Henrique.
A defesa da democracia e das liberdades deve estar muito acima de eventuais diferenças políticas. A união em torno do Estado Democrático de Direito que se começa a vislumbrar no País é profundamente alentadora. Há sociedade, há liberdade, há responsabilidade. Os autoritários não prevalecerão.
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