- Folha de S. Paulo
Momento recomenda paciência, mas manifestações mostraram que as ruas não têm dono
A cena tem a força de um acerto de contas com a história, ainda que tardio. Neste domingo, em Bristol, na Inglaterra, a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos que viveu no século 17, foi derrubada de seu pedestal por manifestantes e lançada para seu destino inglório, o fundo de um rio. O ato resumiu o sentimento antirracista que tem movido protestos em todo o planeta nas duas últimas semanas, em plena pandemia, desde o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos.
Aqui, o racismo à brasileira nos dá motivos de sobra para protestar. Bastaria o caso do menino Miguel Otávio, de 5 anos, no Recife, largado à própria sorte num elevador pela sinhá impaciente porque queria pintar as unhas.
O lema “Vidas negras importam” acabou encorpando a ânsia por protestos também aqui e fez muita gente sair de casa no fim de semana passado. Esse movimento pôs em relevo um debate que vem dividindo as oposições ao governo Bolsonaro. Ir ou não às ruas no momento em que a pandemia mata um brasileiro por minuto?
As quarentenas não foram suficientes para frear o vírus, ainda não alcançamos o pico da contaminação e o presidente dificulta o combate à doença ao esconder o número de pessoas infectadas. Tenta, na verdade, mascarar sua inépcia e incompetência ao lidar com a crise sanitária. Iguala-se a um moleque com medo de mostrar aos pais o boletim cheio de notas baixas.
Diante das projeções dos cientistas, setores da oposição tomaram uma decisão de altíssimo risco ao manter a convocação para os atos, mesmo com os cuidados necessários. Um sinal importante, porém, foi dado. Para os valentões bolsonaristas que vinham se achando os donos da rua, os protestos do fim de semana deram seu recado: as ruas não têm dono. Contudo, o pico da pandemia que ora se aproxima recomenda paciência e espera. Até porque acertos de contas tardam, mas não falham.
*Cristina Serra é jornalista.
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