Apesar
de Bolsonaro, país começa a imunizar-se após gesto de autonomia da Anvisa
A
aprovação unânime pela Anvisa de duas vacinas contra a Covid-19 encerra
um atraso injustificável e explicita como deveria funcionar o Estado
brasileiro, não prevalecesse no Planalto o delírio ideológico patrocinado pelo
presidente Jair Bolsonaro. A diretoria da agência dissipou neste domingo (17) o
temor de que faltaria com o dever por subserviência política.
Em
nove dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária analisou milhares de
dados e documentos e autorizou o uso emergencial dos imunizantes Coronavac, do
Instituto Butantan, e Covishield, da Fundação Oswaldo Cruz, desenvolvidos em
parcerias internacionais —e, concluiu-se, seguros e eficazes.
Gerentes
e diretores da autarquia, durante mais de cinco horas de reunião, se estribaram
na objetividade e na lógica das evidências para cortar o nó górdio do
negacionismo irresponsável.
As
apresentações foram exaustivas, sóbrias, transparentes e esclarecedoras. Alguma
retórica se ouviu, mas pareceu mais que justificada: a hora é grave.
Viram-se
votos firmes de solidariedade às vítimas da incúria do Estado na tragédia em
Manaus e alhures, afirmações sem subterfúgios da inexistência de alternativas
terapêuticas, repúdio decidido à negação da ciência, recomendação inequívoca de
que o distanciamento social continua imperativo.
O
país assistiu pela TV a uma refutação completa da irresponsabilidade criminosa
protagonizada pelo presidente, por seus filhos e por parlamentares de baixa
extração.
Igual e deplorável figura faz o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa que conspurca as Forças Armadas ao curvar-se a Bolsonaro. Não caia no esquecimento sua indignidade ao fazer pressão para que autoridades amazonenses recorressem ao kit Covid dos charlatães, quando era de oxigênio que os moribundos precisavam.
Na
Anvisa essa chusma não logrou fincar bandeiras. Temos vacinas, enfim, à sua
revelia. E a primeira a materializar-se foi logo aquela que o presidente jurou
jamais adquirir e depreciava como vacina chinesa, supostamente inconfiável e
teratogênica.
O
governador paulista, João Doria (PSDB), fez o que dele se poderia esperar: logo
após a reunião da Anvisa, promoveu o que será visto como a primeira
imunização nacional. Mônica Calazans, 54, enfermeira, recebeu a primeira
injeção da Coronavac após a autorização.
Um
lance de marketing, pois sim, como se lamuriou Pazuello. Mas Doria só pôde
colocá-lo em prática porque trabalhou pela saúde pública, algo que o ministro
ainda precisa aprender —se não for dispensado antes por Bolsonaro, que já se
livrou de dois ministros médicos para entregar a pasta a militares ineptos para
a função.
A
vitória política do governador tucano é o aspecto menos importante do ponto
final da Anvisa na demora revoltante que a omissão e o diversionismo federais
impuseram ao único instrumento para combater a pandemia.
Basta
de improvisação, como implorar a potentados estrangeiros por um lote ínfimo de
doses e colar adesivo em avião para trazer da Índia uma quimera.
Chegou
a hora —já passa, na verdade— de Bolsonaro e Pazuello começarem a cumprir sua
obrigação. Como resultado da inação, tão bem exemplificada ao contratar-se um
único fornecedor, o país inicia tarde sua campanha de vacinação sem contar com
doses suficientes para imunizar nem mesmo o primeiro grupo prioritário do
mal-ajambrado plano federal.
O
momento pede um esforço nacional hercúleo para estancar a propagação do
coronavírus, reduzir a mortandade e fazer as vacinas chegarem ao maior número
de brasileiros necessitados no menor espaço de tempo. Autoridades sanitárias
nos três níveis de governo precisam unir-se e coordenar-se para várias tarefas
inadiáveis.
Antes
de mais nada, há que garantir novos fornecedores de vacinas e seringas no
exterior ou acelerar a produção doméstica. Multiplicar e equipar postos de
vacinação, em rede ainda mais eficiente que a mobilizada no passado,
responsável pelo sucesso do Brasil nesse campo. Montar sistema ágil para
cadastrar vacinados e assegurar que tomem a segunda dose.
Neste
momento de escalada preocupante da Covid, o mais necessário é Bolsonaro, em seu
próprio interesse político, sair do caminho e permitir que os setores
qualificados do Estado façam seu trabalho.
O presidente
e seu ministro, hoje, são os maiores inimigos da saúde pública. Que a decisão
acachapante da Anvisa tenha sido o primeiro passo para sua derrota.
Anvisa acerta ao aprovar vacinas contra a Covid – Opinião | | O Globo
Exigir
termo de compromisso é excesso de zelo que funcionará contra a urgência da
vacinação
Acertou
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao aprovar ontem o uso
emergencial das vacinas contra a Covid-19 que serão, no Brasil, produzidas pelo
Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Diante da tragédia
da pandemia, os benefícios superam os riscos. Não haveria motivo razoável para
adiar ainda mais o início da vacinação no Brasil, atrasado em relação ao resto
do mundo e contraexemplo global no combate à pandemia.
A
aprovação das vacinas não significa que a luta contra o novo coronavírus esteja
vencida. Longe disso. A aprovação da CoronaVac, da chinesa Sinovac em parceria
com o Butantan, e da vacina da Universidade de Oxford e da AstraZeneca, a ser
fabricada pela Fiocruz, é apenas o primeiro passo nessa guerra.
Cabe
agora ao Ministério da Saúde garantir as centenas de milhões de doses
necessárias a uma campanha de vacinação em massa, que se estenda a todos os
rincões do país com a maior urgência possível. Será preciso cuidar da
logística, garantindo insumos e pessoal necessários à imunização.
Nesse
quesito, o governo Jair Bolsonaro já demonstrou sua incompetência reiteradas
vezes. Primeiro, ao adotar uma estratégia que tornou o país refém de duas
vacinas, quando poderia ter garantido várias outras. Segundo, quando Bolsonaro insistiu
em politizar a questão e vetou a compra da CoronaVac pelo Ministério da Saúde,
medida felizmente depois cancelada. Terceiro, recusando-se a tomar vacina,
fazendo piada e entrando em campanha aberta contra a vacinação compulsória.
Fora
isso, o ministério protagonizou uma comédia logística, sem garantir nem mesmo
agulhas e seringas. O último capítulo foi a tentativa patética de enviar um
avião à Índia buscar doses inexistentes da vacina de Oxford — ao mesmo tempo
que pacientes morriam em Manaus sem oxigênio. Tudo para que, na primeira
vacinação, não fosse usada a CoronaVac, associada ao governador paulista, João
Doria.
A
própria Anvisa, que deveria ter se guiado desde o início por critérios
científicos, foi usada politicamente quando suspendeu os testes da CoronaVac
sem motivo em novembro. Na decisão de ontem, por excesso de zelo, estipulou que
os vacinados terão de assinar um termo de compromisso, pois o uso da vacina
ainda é experimental. Por mais que tecnicamente seja uma medida justificável,
tende a desestimular a vacinação e funciona contra a urgência despertada pela
pandemia. A segurança de ambos os imunizantes, único fator que justificaria o
consentimento, já foi comprovada em testes clínicos.
A Anvisa acerta, contudo, ao apontar as limitações das vacinas e exigir esclarecimentos futuros. Os testes ainda são insuficientes para esclarecer a eficácia em grupos como idosos, crianças ou gestantes. Surgiram dúvidas sobre a produção de anticorpos e a duração da imunidade. Apenas quando uma vacina é aplicada em larga escala se tem ideia definitiva de vantagens e riscos. Agora, o importante é vacinar. Para o país, é irrelevante quem são os primeiros. O essencial é que todos tenham logo acesso à vacina — até o último.
Saída da Ford é também reflexo do descaso do governo com as reformas – Opinião | O Globo
Despreocupação
com a melhoria do ambiente de negócios desanima quem investiu e quem deseja
investir
Não
há explicação única para a saída da Ford do Brasil, mas várias causas. Algumas
peculiares à empresa, outras de alcance geral. Entre as gerais, duas se
destacam. A primeira, apontada com certo desdém pelo presidente Jair Bolsonaro,
é o modelo de subsídios que sustenta essa indústria — e que a história já
provou não funcionar. A segunda, que Bolsonaro convenientemente esqueceu, é o
descaso com as reformas para melhorar o ambiente de negócios.
Durante
décadas, a indústria automobilística brasileira se acomodou ao ambiente
protegido. A situação melhorou um pouco para o consumidor com a abertura do
governo Collor. Mas logo os subsídios e medidas de proteção voltaram. Nos
últimos anos, assumiram a forma dos programas Inovar-Auto e Rota 2030.
Ao
contrário do que aconteceu no setor agrícola com a criação da Embrapa, a
política industrial para o setor repetiu os equívocos da indústria do petróleo,
ao acreditar que fabricar aqui deve ser o objetivo principal. A meta não
deveria ter sido evitar a importação, mas ganhar escala na produção. Só isso
permitiria conquistar aquilo que Luiz Carlos Moraes, presidente da associação
das montadoras, a Anfavea, chama de “competitividade” no mercado global.
Para
incentivá-la, teria sido fundamental maior abertura à competição externa. É aí
que entra a segunda causa: a abertura só teria funcionado com uma reforma
tributária capaz de reduzir a carga absurda de impostos que torna o veículo
brasileiro um dos mais caros do mundo, além do cipoal de normas que emperram a
produção.
A
Anfavea estima que o custo de fabricar carros no Brasil é 18% superior ao do
México. Só no ICMS, imposto estadual, há 27 regimes diferentes, com a edição
constante de novas normas. Isso aumenta a burocracia e eleva o custo das
empresas. O governo pouco fez para resolver o problema. Desprezou a discussão
avançada que havia no Congresso para tonar mais sensatas as alíquotas do ICMS e
acabar com a guerra fiscal. Apenas enviou o projeto da Contribuição sobre Bens
e Serviços (CBS), resultado da fusão entre PIS e Cofins.
Na
origem de tudo existe um Estado pesado, caro e ineficiente. A carga tributária
brasileira é a mais elevada entre as economias emergentes. O Orçamento é
engessado. Corta-se nos investimentos e no custeio da máquina, mas a folha do
funcionalismo não para de crescer. Além de ter insistido na política industrial
equivocada, o governo não se mobiliza para votar um conjunto de reformas, não
só a tributária, para tirar o país dessa situação esdrúxula. A saída da Ford
tem peculiaridades que dizem respeito à empresa e ao setor, mas não se deve
reduzir a importância do cenário interno, que afeta toda a economia.
Visibilidade e decência – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
inevitável aumento do número de trabalhadores em domicílio causado pela
pandemia impõe urgência à adoção de medidas de combate à informalidade.
Ninguém que examine a evolução recente do mundo do trabalho tem qualquer dúvida de que, depois das exigências impostas pela pandemia de covid-19, o trabalho em domicílio ganhará ainda mais importância nos próximos anos. Em 2019, antes, portanto, de o mundo ter a mais remota ideia do imenso desastre sanitário em que mergulharia pouco depois, 260 milhões de pessoas no mundo trabalhavam em sua residência em troca de remuneração. Esse número equivale a 7,9% de todas as pessoas empregadas no planeta.
Dados
preliminares dos primeiros meses do ano passado indicavam que cerca de um
quinto dos trabalhadores (ou 20%) estava trabalhando no domicílio. Quando as
cifras de 2020 forem divulgadas, decerto o número de pessoas que trabalham em
casa superará largamente o do ano anterior, afirma a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) no estudo O trabalho em domicílio: da invisibilidade ao trabalho
decente.
O
título sintetiza o objetivo da publicação. Com o estudo, a OIT pretende mostrar
a dimensão e as condições do trabalho em domicílio, ainda pouco visível do
ponto de vista da proteção legal, e apontar os meios pelos quais tais condições
podem ser melhoradas para que esse tipo de ocupação se equipare, nos seus
aspectos essenciais, ao trabalho desempenhado nos ambientes tradicionais das
empresas. É o caminho para dar visibilidade e decência ao trabalho em casa.
É,
obviamente, um mundo heterogêneo em muitas de suas características. Em pelo
menos 13 países estudados pela OIT as pessoas que trabalham em casa
correspondiam a mais de 15% do total de empregados. A maioria dessas pessoas
(65%) se concentra na região da Ásia e do Pacífico.
O
número de mulheres que trabalham em casa correspondia a 56% do total. É a
solução que boa parte dessas mulheres encontrou para melhorar a remuneração
familiar sem abandonar suas responsabilidades domésticas, o que resulta
normalmente em jornada de trabalho estendida. O fator financeiro e uma certa
maleabilidade da jornada são alguns dos aspectos positivos do trabalho em
domicílio.
Muitas
de suas características, porém, exigem reflexão das autoridades e dos órgãos de
inspeção a respeito das condições em que trabalha a população. A remuneração
dos que trabalham em casa é normalmente menor do que a dos que exercem seu
trabalho nos locais mantidos pelos empregadores. Essa defasagem é praticamente
universal, tanto em relação ao tipo de trabalho como no que se refere ao desenvolvimento
dos países. No Reino Unido, a remuneração do trabalho em domicílio é 13% menor
do que a dos trabalhadores que não estão baseados em suas casas; nos Estados
Unidos, a diferença é de 15%; na Argentina e no México, de 50%.
A
flexibilidade de horário, em princípio um benefício, pode deixar de sê-lo. É o
que ocorre quando a demanda é variada, o que resulta em longos tempos de
ociosidade e períodos também longos de intensa atividade, o que afeta o tempo
pessoal e familiar.
É
alto o índice de informalidade nesse tipo de trabalho. Nem todos os que
trabalham em domicílio dispõem de adequada proteção previdenciária e de
assistência médica, embora em vários casos estejam mais sujeitos a riscos de
acidentes de trabalho. Por estarem isolados, os que trabalham em casa nem
sempre conhecem seus direitos nem têm acesso pleno a sindicatos. Por não serem
treinados regularmente, não alcançam condições para avançar em suas carreiras.
Há
meios para enfrentar e superar essas deficiências. Um deles é a aplicação, por
mais países, das normas da OIT sobre o trabalho em domicílio (Convenção n.º
177), até agora adotadas por apenas dez países. Outro é assegurar aos
trabalhadores em domicílio o exercício pleno da liberdade sindical. O combate à
informalidade é outro mecanismo para dar decência e visibilidade para o
trabalho em casa.
O
inevitável aumento do número de trabalhadores em domicílio causado pela
pandemia impõe urgência à adoção de medidas como essas, adverte a OIT.
Crescimento
depende do consumidor, mas seu comportamento é por enquanto incerto.
O vigor da economia em 2021 vai depender do consumo, principal motor da reativação em 2020, mas falta verificar se o consumidor terá dinheiro, crédito e segurança para ir às compras com disposição. É preciso levar em conta o fim do auxílio emergencial e as condições de emprego ainda precárias, apesar de alguma melhora no fim do ano. Nada permite, por enquanto, previsões muito otimistas. O brasileiro médio ainda aparece muito cauteloso nas últimas sondagens da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Além disso, os últimos dados oficiais sobre as vendas do comércio varejista mostram a interrupção, em novembro, de uma série de altas.
Segundo
a FGV, a confiança do consumidor diminuiu 3,2 pontos em dezembro e caiu para
78,5, bem abaixo da fronteira com o otimismo, situada em 100 pontos. Houve
piora na avaliação das condições presentes e também na percepção do cenário nos
meses seguintes. O Índice de Situação Atual caiu 2,1 pontos, para 69,7. O
Índice de Expectativas passou a 85,6 pontos, com recuo de 3,7.
No
fim do ano a confiança do consumidor e a do empresário se descolaram
amplamente. A confiança empresarial também se enfraqueceu, mas o recuo, de
apenas 0,4 ponto, levou o índice para 95,2. Esses indicadores variam de zero a
200 e a metade superior é o território do otimismo. Se as famílias forem às
compras com a cautela indicada pelas últimas sondagens, seu humor poderá
contaminar o do empresariado, mas isso se verá dentro de alguns meses.
Mais
animadora, à primeira vista, é a última pesquisa da CNC sobre a disposição das
famílias. Em janeiro a intenção de consumo indicada na sondagem atingiu 73,6
pontos e superou por 0,7% o nível de dezembro. Foi a quinta alta mensal
consecutiva. Mas foi o pior resultado para um mês de janeiro desde o começo da
série, em 2010. Além disso, houve recuo de 24,2% em relação ao início de 2020.
Os
dados mais positivos da pesquisa da CNC referem-se à renda, no nível mais alto
desde junho, e à perspectiva profissional, no mais alto patamar desde abril.
Mas também esse indicador, de 88,6 pontos, está abaixo da fronteira da
satisfação.
Ainda
sem roteiro claramente definido para este ano, o governo continua em busca de
políticas para garantir a continuidade da recuperação econômica. Já se
discutiram várias formas de ajuda ao consumidor, principalmente àqueles de
menor capacidade financeira. A solução encontrada há poucos dias inclui a
antecipação do 13.º salário de aposentados e pensionistas e do abono salarial.
Mas essas medidas pouco devem afetar a disposição dos consumidores, avaliam os
economistas Viviane Seda Bittencourt e Rodolpho Tobler, da Superintendência
Adjunta de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre),
vinculado à FGV.
Dificilmente
uma única medida mudará o comportamento das famílias neste início de ano,
comentou Viviane Bittencourt. É necessário, segundo ela, um conjunto de
sinalizações positivas para aumentar a segurança dos consumidores. “A
expectativa de uma vacinação no início do primeiro trimestre, que era positiva
no final do ano passado, foi contaminada pela falta de um calendário claro. E o
aumento de casos e vítimas de covid-19 amplia a incerteza no curto prazo.” Segundo
ela, outros fatores, como o anúncio do fechamento das fábricas da Ford no
Brasil, podem aumentar a sensação de insegurança. A insegurança, observou
Tobler, só será superada com uma reação mais forte do mercado de trabalho.
Os
últimos dados oficiais mostram o consumo perdendo força no fim do ano. Em
novembro, as vendas no varejo restrito foram 0,1% menores que em outubro, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Renda mais
apertada, preços em alta e maior insegurança explicam boa parte do quadro, como
sugerem os números de hiper e supermercados, com volumes 2,3% inferiores aos de
outubro e 0,4% menores que os de um ano antes. Metade de janeiro passou e o
governo precisa definir mais claramente seu roteiro.
Especialistas
temem os efeitos da reorganização do narcotráfico e da politização das PMs.
Desde que a greve da Polícia Militar (PM) do Ceará, no primeiro semestre do ano passado, foi insuflada pelo presidente Jair Bolsonaro, entidades especializadas em segurança pública não escondem o temor de que esse problema volte a se repetir em várias unidades da Federação em 2021. Não é só a conversão da população em refém de reivindicações corporativas que as preocupa. Essas entidades também avaliam o que poderá acontecer caso os governos estaduais percam o controle de suas Polícias Militares.
A
advertência mais contundente partiu do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
uma organização não governamental criada no começo da década de 2000.
Financiado pelas Fundações Ford, Tinker e Open Society, ele é integrado por
cientistas sociais, gestores públicos, delegados federais, militares e
operadores jurídicos. Para a entidade, se os membros das PMs continuarem usando
demandas salariais com o deliberado objetivo de se fortalecer no plano
político-eleitoral, os efeitos institucionais e sociais dessa estratégia poderão
ser desastrosos. Neste momento, como tem afirmado em artigos e entrevistas o
presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, que também é professor da FGV, as
PMs “estão abandonadas à própria sorte e, ao mesmo tempo, sem nenhum controle.
E se não tem polícia, tem crime, tem mais violência”, diz ele.
Um
dos pontos para o qual chama a atenção é o fato de que, nos Estados em que as
PMs exorbitaram ao se mobilizar politicamente para fazer prevalecer
reivindicações corporativas, a violência aumentou de modo significativo em
2020. Segundo Renato Sérgio, 7.258 policiais se candidataram nas eleições
municipais de 2020 – um número muito alto. “Qualquer pessoa com cargo público
precisa se desincompatibilizar até abril do ano de uma eleição, mas um policial
pode ficar no cargo até a confirmação pela convenção partidária em agosto.
Enquanto o membro do Ministério Público ou da Justiça precisa pedir demissão
para tentar se eleger, um policial que perde a disputa pode voltar à
corporação. São regras que criam distorções e não separam claramente a polícia
e a política.” Renato Sérgio tocou num privilégio que membros da PM consideram
intocável.
A
politização das PMs e as dificuldades que os governadores enfrentam para
controlá-las tendem a agravar os problemas de segurança pública. Apesar da
pandemia, no primeiro semestre de 2020 os homicídios aumentaram em 7% e a
estimativa é de que devem crescer ainda mais no primeiro semestre de 2021,
prevê o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esse crescimento
decorre, basicamente, da reorganização do narcotráfico.
Como
a política de isolamento social desvalorizou os pontos de venda próximos de
áreas comerciais e de lazer, as quadrilhas passaram a disputar a bala pontos
mais próximos de áreas residenciais. “Não existe vácuo de poder”, lembra Renato
Sérgio. Se uma organização criminosa se fragiliza, como é o caso do PCC, cujas
lideranças estão isoladas em presídios de segurança máxima e seu principal
fornecedor de drogas foi preso em Moçambique, outras facções vão tomando seus
espaços à força.
Além
disso, com a redução dos voos comerciais, a droga que entrava e saía do Brasil
passou a ser transportada por rodovias, exigindo assim maior atuação da Polícia
Federal e da Polícia Rodoviária Federal e coordenação mais eficiente com os
serviços de inteligência dos órgãos policiais estaduais. O problema está na
dificuldade que o governo Bolsonaro – que pouco fez no setor em 2020, como
lembra Renato Sérgio – tem para promover negociações com entidades federativas.
“Políticos como Bolsonaro vendem promessas impossíveis em um Estado Democrático
de Direito”, lembra o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Como
muitos governadores sabem disso e são responsáveis, eles não se deixam
pressionar pelas pressões presidenciais, o que leva o presidente da República a
tentar esvaziar a autoridade dos chefes dos Executivos estaduais sobre as PMs.
É por isso que os especialistas em violência estão céticos com o que possa
ocorrer com a segurança pública em 2021.
Trump deve escapar da punição política que merece – Opinião | Valor Econômico
Dois
terços dos eleitores republicanos acham que as eleições foram roubadas
A
democracia americana saiu irremediavelmente ferida após quatro anos de governo
de Donald Trump. A invasão do Congresso por hordas direitistas, incitadas pelo
próprio presidente, foi o desfecho surpreendente, mas não imprevisível, da
campanha sistemática de Trump a favor de seu próprio poder e contra todas as
instituições, em um país que se orgulhava de apresentá-las como um modelo para
o mundo.
Trump,
afinal, manteve-se o escroque e embusteiro que sempre foi, mas sua convocação a
atos de vandalismo e intimidação contra o Legislativo não tem precedentes na
história americana. Ele não hesitou em usar métodos torpes para mudar os
resultados de eleições limpas nas quais foi derrotado. Embora as instituições
tenham resistido aos ataques autoritários de Trump, mostraram fissuras
importantes, que não serão consertadas facilmente. Elas são produto de mudanças
ao longo de anos no cenário político americano, entre elas a caminhada do
Partido Republicano para os braços da extrema direita. O partido de Lincoln
passou às mãos do Tea Party, que abriu espaço para que se curvasse a um
aprendiz de déspota ignorante como Trump.
Na
era das redes sociais, os passos dados e até os objetivos do presidente foram
públicos. Os republicanos o apoiaram em todas suas ações inomináveis - pior
ainda, ainda apoiam. Após a inédita invasão do Congresso por americanos, 191
deputados republicanos votaram contra um segundo processo de impeachment de
Trump e apenas 10 a favor. Os democratas venceram na Câmara, mas dificilmente
passarão pela barreira do Senado, de maioria republicana. Para ser aprovado,
precisará receber a adesão de 17 republicanos - número tido como grande demais
para ser factível no contexto conflagrado da política americana.
Desde
antes das eleições, Trump já avisara que seriam as “mais fraudulentas” da
história dos EUA. A pressa em nomear uma jurista católica para a Suprema Corte,
tornando-a de maioria conservadora, a 36 dias do pleito, indicou que o
presidente se preparava para uma batalha judicial sobre os resultados da votação,
que não aceitaria perder.
Trump
já usara golpes baixos para se eleger disputando contra Hillary Clinton em
2016. Juntou um time eleitoral sem escrúpulos, como ele - vários de seus
integrantes foram para a cadeia -, o que quase lhe custou o mandato. Tentou
fazer a mesma coisa com Biden, obtendo seu primeiro pedido de impeachment,
negado pelo Senado. A radical recusa a divulgar suas declarações de imposto de
renda, praxe entre candidatos, foi uma tentativa fracassada de esconder
subterfúgios contábeis para fraudar o fisco.
Trump
se empenhou em destruir o que os EUA construíram no pós-guerra e conseguiu
tornar seu país um aliado não confiável, quando não abertamente detestado, por
ex-parceiros. Foi o mais despreparado presidente da história, apesar do currículo
(falso) de realizações empresariais.
Biden
venceu no voto popular - o que os republicanos não conseguem desde 1988 - e no
colégio eleitoral, com margem confortável. Nenhuma das dezenas de interpelações
judiciais da equipe de Trump alegando fraudes foram aceitas pelo Judiciário.
Sua penúltima tentativa de manter-se no poder foi pedir ao vice-presidente Mike
Pence, que é presidente do Senado, que recusasse votos de delegados de Estados
onde Trump supôs que ganhou e impedir a posse do democrata. Pence disse que não
tinha poderes para isso. O presidente então convocou seus partidários radicais
a intimidar o Congresso na sessão em que o resultado seria oficialmente
proclamado.
A
invasão do Capitólio foi estranha e relativamente fácil. O policiamento,
numeroso e eficiente em distribuir pancadas em manifestações populares, foi
insuficiente e displicente e os invasores, tratados com inusual gentileza.
Havia militares em trajes civis na invasão. O ato de ousadia exibiu
preocupantes rachaduras no aparato do Estado Legislativo.
Dois
terços dos eleitores republicanos acham que as eleições foram roubadas. Dentro
do Capitólio, 139 deputados republicanos votaram nesse sentido. Pesquisa do
You.gov registrou que metade dos eleitores republicanos considerou acertada a
invasão e só 25% deles a viu como ameaça à democracia.
Trump teve 75 milhões de votos e seus seguidores republicanos, bem como o partido, estão majoritariamente inclinados a desprezar as normas democráticas e se guiar apenas pelo que seu líder, uma fraude ambulante, diz e pensa. Não se consertam desavenças dessa magnitude em um par de anos. Joe Biden terá muito trabalho pela frente.
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