segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Doria sai vitorioso da “guerra da vacina”

Autorização da Coronavac pela Anvisa permitiu ao governo de São Paulo fazer ontem primeira aplicação

Por André Guilherme Vieira, Camila Souza Ramos e Juliana Schincariol — Valor Econômico

São Paulo e do Rio - Começou ontem, com grande atraso em relação a dezenas de países e em meio à aceleração do contágio, a vacinação no Brasil contra o novo coronavírus. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira pessoa a ser imunizada pela coronavac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e comprada pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo. Além de Calazans, cerca de cem pessoas, entre profissionais da área de saúde e indígenas, foram vacinadas no domingo, segundo informaram autoridades paulistas.

O início da vacinação só foi possível porque, ontem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da coronavac, atendendo ao pedido do Instituto Butantan, e da Oxford-AstraZeneca, a ser comprada pela Fiocruz, fundação vinculada ao governo federal. Ao aprovar o uso das duas vacinas, a Anvisa o fez por critérios técnicos, contrariando receios de que retardaria a autorização devido à postura anti-vacina do presidente Jair Bolsonaro. Agora, a Anvisa vai analisar as outras quatro milhões de doses produzidas pelo Butantan.

“Hoje é o dia da vacina, da verdade, da vida”, disse o governador João Doria em entrevista, fazendo alusão ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que afirmara na semana passada que a vacinação começaria “na hora H e no dia D”. “Hoje é um dia muito especial para todos que estão sofrendo nos centros de saúde, em suas casas e para aqueles que estão em suas casas se protegendo e ajudando a proteger suas famílias”, acrescentou Doria, que assistiu virtualmente à reunião da Anvisa, acompanhado de cientistas.

Marcada por renhida disputa política entre Doria e Bolsonaro, o processo nacional de vacinação começará oficialmente na quarta-feira, segundo assegurou ontem o ministro Pazuello. A aplicação da primeira vacina representa uma vitória de Doria, uma vez que o governo federal, inicialmente, rejeitou a coronavac, depois aceitou comprar toda a produção do Instituto Butantan, e, numa tentativa de iniciar a vacinação antes de São Paulo, encomendou duas milhões de doses da vacina criada pela inglesa AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, mas o pedido foi rejeitado pela Índia, onde o imunizante está sendo produzido.

Só restou ao governo Bolsonaro recorrer à coronavac. Diante disso, Doria, amparado legalmente por parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), decidiu iniciar a vacinação em São Paulo, respeitando os critérios de distribuição da vacina para todos os Estados. Contrariando, portanto, o governo federal, que requereu por meio de ofício, na sexta-feira, o envio a Brasília de toda a vacina importada, o governo estadual reteve sua cota - 1.357.640 de doses.

O diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas, informou que o restante das doses - 4.636.936 - está sendo transferida ao centro de logística do Ministério da Saúde em Guarulhos (SP). “Uma [vacina] está aqui, a outra está na Índia. Não fossem barreiras e indefinição de financiamento, teríamos iniciado a vacinação em dezembro. Nenhuma multinacional fez o que nós fizemos, nenhuma apresentou estudos clínicos como apresentamos”, disse Covas ontem.

O ministro da Saúde fez duras críticas ao governador João Doria. “Senhores governadores, não permitam movimentos político-eleitoreiros se aproveitando da vacinação”, disse. “Numa jogada de marketing, poderíamos iniciar a primeira dose em uma pessoa. Em respeito a governadores, prefeitos e brasileiros, o governo federal não fará isso. Quebrar essa pactuação é desprezar a igualdade entre os Estados e todos os brasileiros, construída ao longo de nossa história com o Programa Nacional de Vacinação.”

Questionado sobre a cerimônia de vacinação em São Paulo, Pazuello afirmou que todas as vacinas produzidas pelo Instituto Butantan foram contratadas pela União. O ministro ainda colocou em dúvida se a vacina aplicada no domingo teria sido entregue sem licitação.

Os Estados, informou Pazuello, serão responsáveis pela distribuição e os municípios, pela execução, em movimento “pactuado” com o governo federal. Pazuello afirmou que a medida provisória (MP) que instituiu o plano de imunização contra a covid-19 determina que a vacinação seja coordenada pelo Ministério da Saúde e que o plano do governo federal já teria sido lançado.

“O Ministério da Saúde vem trabalhando junto com o Butantan no desenvolvimento da vacina desde o início. Você sabia que tudo o que foi comprado pelo Butantan foi com recursos do SUS? Não foi com um centavo de São Paulo.” O governo de São Paulo começou a negociar a compra da vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac em abril do ano passado, pouco depois da confirmação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Apenas em outubro o Ministério da Saúde decidiu negociar com São Paulo a compra da vacina a ser importada da China. Ocorre que, no dia seguinte ao acerto de um memorando de entendimento com o governo paulista, Pazuello foi desautorizado publicamente por Bolsonaro, e ainda declarou, encerrando assunto: “Um [Bolsonaro] manda, outro obedece”.

O ministro da Saúde disse que o governo federal pode acionar judicialmente o Butantan, caso todas as vacinas, inclusive a cota de São Paulo, não sejam repassadas ao ministério. O secretário especial de São Paulo em Brasília, Antonio Imbassahy, disse ter recebido ontem, no início da reunião da Anvisa, telefonema de Arnaldo Medeiros, secretário de Vigilância da Saúde.

“Acertamos que, se fosse possível, as vacinas de São Paulo ficariam aqui. Não tinha sentido fazer retrabalho”, disse Imbassahy.

Segundo ele, logo após Anvisa liberar as vacinas, as doses foram colocadas à disposição do governo federal. “O quantitativo para São Paulo é o do Plano Nacional de Imunizações”, afirmou ele na coletiva de imprensa após o início da vacinação.

Em seguida, o governador de São Paulo, João Doria, disse não ser necessário levar vacinas que serão destinadas a São Paulo para o Ministério da Saúde. “Era só o que faltava, criar burocracia para os brasileiros de São Paulo”, criticou.

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