Na
última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo
mundo tomar vermífugo
Quem
me lê sabe que não costumo publicar nem discutir na coluna mensagens de
leitores. Prefiro fazê-lo pessoalmente, por e-mails que eles me indicam. Mas
desta vez não posso deixar passar em brancas nuvens o que é dito aqui, vocês
vão entender por quê. Para facilitar a leitura, fiz as devidas correções no
português do texto original, que tanto podia ser arcaico quanto futurista. Como
seu tema. Eis o e-mail que recebi semana passada:
“Prezado
escriba. Ainda tenho comigo o jornal de ontem, onde se encontra sua coluna
desta semana. Sou seu habitual leitor, mas não posso ver o Brasil maltratado
sem me meter. Sou como o nosso presidente: Brasil acima de tudo (e, claro, Deus
acima de todos)! O presidente é o homem mais incompreendido do planeta, e o
senhor, como bom brasileiro, não devia colaborar com as injustiças de que ele é
vítima.
Por exemplo, o desmatamento não é em absoluto a causa principal das queimadas na Amazônia. Quando o fogo chega lá, as árvores já estão no chão atraídas por lei natural. Essa é a narrativa do progresso: quando há um acidente, surge também uma oportunidade. Mas os índios e os caras que moram lá sabotam o progresso, não cedem um centímetro de terra para modesta mineração, nem um riozinho sem importância para uma hidrelétrica. A floresta fica interditada. Os índios, que eram uns 4 milhões quando Cabral aqui chegou, hoje são menos de 200 mil gatos-pingados. E nós é que vamos pagar pelo descaso deles com a descendência?
O
governo luta pela sobrevivência do povo, senhor escriba. Na última pandemia, no
terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo
como precaução. Foi um sucesso, esgotaram-se os vidros de vermífugo nas
farmácias, a indústria farmacêutica que os fabricava foi apedrejada pela
população que queria mais. Graças ao tratamento precoce com vermífugo, morreram
apenas cerca de 550 mil brasileiros, metade dos mortos nos Estados Unidos e na
Índia no mesmo período.
Desde
que a importação de armas foi liberada por decreto presidencial, a população
vem se defendendo com entusiasmo de assaltos e tentativas de homicídio. A
Polícia Militar se ocupa agora de tarefas mais graves, mantendo sob vigília
oficiais ‘superiores’, como generais, almirantes e brigadeiros que perturbam a
vida do governo. A PM foi liberada da servidão a esses oficiais e não depende
mais de governadores e prefeitos, civis eleitos ninguém sabe por quem. A medida
custou um pouco às finanças do Estado, já que o governo passou a arcar com o
necessário desconto nas compras domésticas dos chefes policiais, descontos que
foram cobertos pela UIF (ex-Coaf). Ficamos assim protegidos dos dias piores que
o presidente teria que enfrentar (só Deus sabe como!), a exemplo de Donald
Trump, sacrificado por causa de visita ao Capitólio norte-americano.
Outro
dia fui ao cinema, num shopping na Praça Carlos Alberto Brilhante Ustra,
recém-inaugurada, e vi com satisfação que não havia nenhum filme nacional programado.
O governo parou de financiar esses comunistas, a Lei Olavo de Carvalho não
financia mais o marxismo cultural, como fazia quando se chamava Rouanet. Agora
ela apoia o apoio ao Brasil, como no caso da soja. Fizemos um trato com
agricultores franceses, não perdemos mais tempo, dinheiro e terra arada com
soja. Compramos da França, onde a família Le Pen controla o governo desde a
sucessão de Macron e sua feia esposa. Os franceses nos vendem a soja com
perfume inigualável, além de embrulho e embarque supervisionados por herdeiros
de Pierre Cardin.
Nos
anos 1930, Getúlio Vargas começou a modernizar o Brasil pela industrialização.
Nosso presidente está levando o país de volta ao que sempre foi, uma ensolarada
fazenda, onde todo mundo flana igual e ninguém tem pressa de nada. A Ford foi
embora porque não se adaptou a esse novo Brasil do futuro. No dia D e na hora
H, eles hão de entender que aqui um manda, e o outro obedece. O Congresso, hoje
com sua maioria formada pela Aliança do Grande Centro, e o STF, fechado
temporariamente para higiene interna, apoiam o presidente. Restam apenas os
três meninos sumidos desde o Natal de 2020, que ainda estão escondidos por aí.
O mais velho deles, Fernando Henrique, deve estar hoje com uns 25 anos de
idade. Os meninos desaparecidos seguem mandando recados para suas comunidades,
incentivando-as a resistir. Resistir a quê, meu Deus?!
Vou
ter que parar de escrever, pois meu tempo é curto, e o seu, escasso. Preciso sair correndo para ir
votar em Jair Bolsonaro, o Mito, para mais um período na Presidência, conforme
a oportuna reforma constitucional de 2022, quando seu partido sugeriu ao
Congresso permitir que se candidatasse a novos e seguidos mandatos de quatro
anos. A pífia oposição ainda tentou argumentar que a inflação passara de 4,52%
em 2020 a cerca de 452% esse ano. Mas nossos sólidos economistas argumentaram
que inflação é bobagem, não serve para dizer o que acontece de fato no país. E
deram como exemplo Juscelino Kubistchek, o criador de Brasília, presidente a
partir de 1955, quando ainda não havia reeleição.
Depois
desses 12 anos no governo, Bolsonaro vai se sacrificar mais uma vez.
Como
ele tem dito a seus apoiadores, na saída do Alvorada, o Brasil ainda precisa do
dobro desse tempo para se endireitar de uma vez. Até breve, meu caro escriba”.
Esse e-mail me foi enviado com a data de 10 de outubro de 2034. E agora?
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