É
possível, em tese, retomar o auxílio emergencial sem criação de imposto
A
União vive uma situação muito difícil na área fiscal, registrando déficits
primários continuados desde 2014. Mas, mesmo com os elevados gastos realizados
no combate à pandemia em 2020, a trajetória da dívida pública foi menos
desfavorável do que as previsões do próprio governo e dos analistas do mercado.
Em
outubro, por exemplo, o Tesouro Nacional projetava que a dívida bruta do setor
público ficaria em 96% do Produto Interno Bruto (PIB), ao fim do ano. Ela
terminou em 89,3% do PIB, de acordo com o Banco Central. Ou seja, 6,7 pontos
percentuais abaixo da previsão. No início da pandemia, alguns analistas
chegaram a prever que ela atingiria 100% do PIB.
Vários
motivos explicam o desempenho menos desfavorável. O primeiro foi o resultado
primário do setor público, que ficou abaixo das previsões. Em seu Relatório de Projeções
da Dívida Pública, do terceiro quadrimestre, divulgado no fim de outubro, o
Tesouro Nacional trabalhou com a previsão de que o déficit primário do setor
público consolidado ficaria em 12,7% do PIB em 2020.
O déficit primário do ano passado ficou, no entanto, em 9,49% do PIB, segundo o Banco Central. Houve uma recuperação da receita tributária da União a partir de junho do ano passado, o que melhorou o resultado fiscal. Assim, o governo foi menos pressionado a fazer emissões de títulos para obter recursos para pagar as suas despesas, o que resultou em menor endividamento.
A
Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, deu duas outras
explicações para o fenômeno, em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal,
divulgado no mês passado. A menor queda da atividade econômica e uma aceleração
da inflação no fim de 2020 foram os fatores que, conjuntamente, elevaram o PIB
nominal, mostrou a IFI. A dívida pública é sempre comparada ao PIB, que mede o
que foi produzido no país em determinado ano. Se o PIB aumenta mais do que o
previsto, melhora a relação dívida/PIB. Foi o que ocorreu em 2020.
A
IFI lembrou que, em novembro do ano passado, o IBGE divulgou os resultados
definitivos das contas nacionais de 2018, observando que, em valores correntes,
o PIB daquele ano foi revisado para R$ 7,004 trilhões. Com isso, a taxa de
crescimento entre 2017 e 2018 passou de 4,6% para 6,4%. No início de dezembro,
o IBGE divulgou as revisões das informações referentes a 2019 e à primeira
metade de 2020.
O
PIB de 2019 foi alterado de R$ 7,257 trilhões para R$ 7,407 trilhões, com o
crescimento nominal de 2018 para 2019 passando de 5,3% para 5,8%.
O
PIB nominal também aumentou porque a inflação acelerou no fim do ano passado. O
IPCA passou de 0,89% em novembro para 1,35% em dezembro, a maior variação
mensal desde fevereiro de 2003, observou a IFI. O IPCA encerrou o ano com alta
de 4,52%, ou seja, 0,52 ponto acima do centro da meta de inflação.
A
entidade do Senado explicou ainda que o deflator do PIB também aumentou, em relação
à estimativa inicial. O deflator é uma medida de inflação mais ampla que o
IPCA, pois reflete a variação de preços de todos os bens e serviços produzidos
internamente. Os dois índices caminham na mesma direção, embora, como observou
a IFI, o deflator do PIB costume evoluir acima do IPCA.
Com
a economia caindo menos do que o previsto e com o deflator do PIB subindo mais
do que se esperava, o valor nominal do PIB em 2020 também foi maior do que as
projeções iniciais.
Em
seu relatório de outubro, o Tesouro Nacional trabalhou com uma retração do PIB
em 2020 de 5%, em termos reais. Em dezembro, já com todas as revisões feitas
pelo IBGE, o Banco Central mudou sua projeção para o PIB e passou a considerar
uma queda real de 4,4%. O dado oficial será divulgado pelo IBGE no início de
março.
Depois
de a dívida bruta do setor público (DBGG) atingir 96% do PIB em 2020, o Tesouro
projetou, no relatório de outubro, que ela seguirá crescendo mais lentamente
nos próximos anos, chegando a 100,8% do PIB em 2026, quando adquiriria uma
trajetória decrescente. A Secretaria do Tesouro Nacional (STF) alterou a
periodicidade do relatório, que passará a ser semestral, a partir deste ano. As
projeções para 2021 e para o período de dez anos, com os novos parâmetros, só
serão conhecidas em abril, com revisão em outubro.
Por
conta dos gastos da União para preservar a população da pandemia, a dívida
bruta aumentou 15 pontos percentuais do PIB no ano passado. É uma elevação
muito expressiva, principalmente para um país emergente como o Brasil. Mas o
fato é que a trajetória futura para a dívida pública bruta é muito melhor,
hoje, do que a projeção feita em outubro pelo Tesouro.
Se
o governo gastar R$ 20 bilhões com o novo auxílio emergencial de R$ 200, que
seria concedido pelo prazo de três meses, para um número menor de pessoas do
que no ano passado, a trajetória futura para a dívida ainda será melhor do que
aquela traçada em outubro pelo Tesouro. Ou seja, é possível dar o auxílio sem a
criação de um novo imposto.
O objetivo de um novo imposto é, claramente, o de melhorar a meta de resultado primário deste ano. O governo precisa avaliar se o custo de mudar a estratégia de ajuste fiscal - até agora focada no controle e redução das despesas - vale a pena. Trilhar o caminho do aumento da carga tributária para resolver a questão fiscal, como foi feito em passado recente, talvez seja um erro.
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