O
centro democrático deve se unir em torno da construção de um projeto de país
que não passe por Bolsonaro e Lula da Silva
É cedo para dizer se as eleições de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente, representaram uma vitória política do presidente Jair Bolsonaro. O Estado revelou com detalhes como o Palácio do Planalto mobilizou mundos e fundos – bilionários fundos “extraorçamentários”, é bom dizer – para angariar votos para os dois candidatos da preferência do presidente da República. Porém, já nos primeiros dias dessa nova “coalizão”, ficou bastante claro o desalinhamento entre as agendas do Executivo e do Legislativo.
Se,
por um lado, ainda não é possível atestar o triunfo político de Bolsonaro – só
o comportamento do Congresso nos próximos dias vai dizer –, por outro, é seguro
afirmar que as vitórias de Lira e Pacheco, sobretudo a do presidente da Câmara,
representaram um abalo na formação da chamada frente ampla de oposição ao
governo com vistas à eleição geral de 2022. Basta ver como três dos partidos
com maior consistência ideológica – PT, PSDB e DEM – se comportaram nessa
espécie de “ensaio geral” que foram as eleições legislativas.
O racha no DEM foi ainda mais profundo do que o visto em outros partidos de centro e centro-direita. Em entrevista ao jornal Valor, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, disse, em termos duros, que foi traído por quem considerava um “amigo de 20 anos”, em referência a ACM Neto, presidente da legenda. “Ele (ACM Neto) entregou a nossa cabeça em uma bandeja para o Palácio do Planalto”, disse Maia, que cogita agora ir para um partido que “será de oposição ao presidente Jair Bolsonaro”.
Ao
apostar todas as fichas nas vitórias de Lira e Pacheco, Bolsonaro pode ter
mirado no que viu e acertado no que não viu. A ele interessa muito o
enfraquecimento do movimento de formação de uma frente ampla de oposição a seu
governo que esteja absolutamente comprometida com a defesa inarredável das
liberdades democráticas e dos valores republicanos consagrados pela
Constituição, com as reformas estruturais de que o País tanto precisa e, não
menos importante, com uma gestão responsável da crise sanitária, para, mais
adiante, permitir a reconstrução do País uma vez superados os efeitos mais
adversos desse flagelo da pandemia.
Quem
também ganha com os reveses políticos do centro democrático é o sr. Lula da Silva.
Não por acaso, o dono do PT e candidato em 2022, caso lhe sejam restituídos os
direitos políticos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que Fernando
Haddad começasse a “rodar o País” para fazer campanha. “Ele (Lula) me chamou
para uma conversa no último sábado (dia 30/1) e disse que não temos mais tempo
para esperar. Me pediu para colocar o ‘bloco na rua’ e eu aceitei”, disse o
ex-prefeito de São Paulo.
Portanto,
de um lado, tem-se Bolsonaro usando a força da Presidência da República para
cooptar apoio político e manter a adesão de sua base de apoiadores mais
aguerridos no patamar em que está – cerca de 25% do eleitorado. De outro, há o
PT colocando o “bloco na rua” desde já, e não para lançar Haddad candidato,
como pode parecer, mas o próprio Lula, e com isso explodindo pontes na própria
esquerda, na prática impedindo a composição da frente democrática de oposição a
Bolsonaro.
Caso
os partidos que compõem o centro democrático não aprendam com os erros
cometidos em 2018 e construam desde já uma alternativa viável ao descalabro que
é o governo de Jair Bolsonaro, não é remota a chance de que a Nação, em 2022,
se veja diante do infortúnio de ter de escolher, mais uma vez, entre duas
propostas populistas e irresponsáveis para o País, à esquerda e à extrema
direita.
O
centro democrático deve se unir em torno da construção de um projeto de país
que não passe mais pela degradação política que tanto Bolsonaro como Lula tão
bem representam. É hora de egos feridos e vaidades darem lugar à concertação em
torno de projetos vitais para o Brasil. Caso contrário, em 2022, os brasileiros
estarão diante de uma escolha terrível – uma repetição do passado recente.
De novo, o imposto aberração – Opinião | O Estado de S. Paulo
Desta
vez, a desculpa improvisada é obter dinheiro para ajuda aos desamparados
O ministro da Economia, Paulo Guedes, volta ao ataque, em nova manobra para recriar o malfadado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se um pretexto falha, arranja outro. A justificativa, agora, é arranjar dinheiro para socorrer os pobres. Sem a ajuda emergencial, extinta em dezembro, milhões ficaram desamparados. Na manobra anterior, a contribuição serviria para compensar a desoneração da folha de salários. De vez em quando se explicita, ainda, uma argumentação mais prosaica e sincera: é mais fácil e mais eficiente recolher um tributo cobrado sobre todas, ou quase todas, as movimentações financeiras. Para que discutir se esse imposto seria ruim para a economia e socialmente injusto?
A
proposta já é apoiada por parlamentares dispostos a servir ao governo. A
discussão é facilitada pelo interesse em aprovar, com urgência, algo parecido
com a ajuda emergencial. Poderá ser um auxílio menor e mais barato para o
Tesouro, mas qualquer socorro, agora, fará diferença para os mais necessitados.
Além disso, quem nunca se importou com pobres pode ter um ganho eleitoral. Já
se fala, no Congresso, em arranjar o dinheiro por meio de um tributo
temporário. Sem surpresa, e talvez por descuido, a palavra “provisório” foi
mencionada por gente do Executivo e do Legislativo.
Esse
adjetivo foi usado em 1993, e provavelmente de forma sincera, quando se criou o
Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). Esse imposto vigorou
entre janeiro e dezembro do ano seguinte. Um tributo semelhante, mas sob a
forma de contribuição, passou a ser cobrado em 1997. O objetivo declarado era
financiar as ações de saúde. Recriada em 1999, a CPMF deveria servir também
para reforçar as contas da Previdência, mas o dinheiro nunca foi usado só para
essas finalidades. Regularmente recriada, por causa de sua provisoriedade, a
contribuição foi extinta em dezembro de 2007, sob lamentos do governo petista.
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, vem tentando, com persistência, juntar
apoio para recompor essa eficiente – e perigosa – máquina de arrecadação. Ele
iniciou essa campanha em 2019, apesar da oposição do presidente Jair Bolsonaro.
Recuando em certos momentos, o ministro retoma a campanha quando encontra
espaço.
A
desoneração da folha de salários foi, por muito tempo, a bandeira do ministro
Paulo Guedes em defesa da CPMF. Ele nunca explicou por que a desoneração só
seria possível por esse caminho nem discutiu exemplos de outros países. Clareza
na argumentação, de toda forma, nunca parece ter sido sua preocupação. Neste
momento, a desculpa é a mobilização de recursos para os mais vulneráveis, mas
qualquer finalidade pode ser invocada agora ou depois.
É
difícil dizer se o presidente Jair Bolsonaro, conhecido por seu habitual
desprezo a assuntos de interesse público, conhece as características principais
da CPMF e tem alguma noção do debate sobre o assunto. Ele já se opôs à
recriação desse tributo, mas depois pareceu recuar, abrindo uma brecha para a
campanha do ministro da Economia. Neste momento, sua posição mais definida é
contra qualquer aumento da carga tributária. Mas é incerto se isso deterá o
esforço pela recriação da CPMF.
Esse
tributo, como já se explicou muitas vezes, é uma aberração. Muitos o confundem
com um imposto sobre transações financeiras, mas esse imposto já existe, é
conhecido pela sigla IOF, e é perfeitamente justificável. A CPMF é muito
diferente. Incide sobre movimentação de dinheiro, de forma cumulativa, e sem
vinculação com fatos econômicos específicos. Pode incidir sobre o pagamento de
um quilo de batatas, sobre a transferência de dinheiro de um cidadão para sua
mãe ou sobre a negociação de um título no mercado financeiro. Essa
indiferenciação o torna cruelmente regressivo e, portanto, injusto, além de
ser, por sua cumulatividade, um fator de irracionalidade econômica. Países com
sistemas tributários sérios têm rejeitado esse monstrinho. Por que o Brasil
deveria ter de suportá-lo novamente?
Paridade de armas e devido processo legal – Opinião | O Estado de S. Paulo
Apenas
em regimes totalitários aos réus são negadas as garantias constitucionais
Por 4 votos a 1, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu referendar a decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski que deu acesso à defesa do ex-presidente Lula da Silva à íntegra do material apreendido pela Polícia Federal na Operação Spoofing. A operação, convém lembrar, investigou e prendeu um grupo de hackers que invadiram celulares de autoridades, entre as quais o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e alguns procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato.
A
defesa do ex-presidente sugere que o material apreendido revela muito mais do
que seria considerado regular em conversas entre o então juiz Sérgio Moro e
membros do Ministério Público Federal, em especial o procurador Deltan
Dallagnol, no processo do tríplex no Guarujá que em 2018 culminou na condenação
de Lula da Silva a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. Também questiona a imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro em outra
ação na Suprema Corte.
No
entanto, o que o colegiado julgou na terça-feira passada nada tem a ver com a
suposta parcialidade do ex-juiz Moro e tampouco com o destino penal – e,
consequentemente, eleitoral – de Lula da Silva. O que estava diante dos
ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin e
Nunes Marques era uma ação em que se discutia, em última análise, a validade de
dois dos princípios mais importantes do Direito: o princípio do devido processo
legal e o da paridade de armas.
Neste
sentido, surpreende que a decisão da Segunda Turma não tenha sido unânime, pois
tratava-se, ali, de duas das garantias fundamentais protegidas pela
Constituição. Apenas o ministro Edson Fachin votou contra o compartilhamento de
dados com a defesa de Lula da Silva.
Foi
de uma clareza solar o voto da ministra Cármen Lúcia, que em geral se alinha ao
ministro Fachin na Segunda Turma e não pode ser identificada como membro da
chamada ala “garantista” do STF. “A Polícia Federal, que é órgão do Estado, tem
acesso aos dados (da Operação Spoofing). O Ministério Público tem
acesso aos dados. O juiz tem acesso aos dados. E a defesa (do reclamante, Lula da Silva)
não tem acesso aos dados? Mas isto não é um direito fundamental constitucionalmente
assegurado?”. A pergunta, é claro, foi meramente retórica.
Evidente
que sim. E se trata de um direito constitucionalmente assegurado não apenas ao
ex-presidente Lula da Silva, mas a qualquer cidadão brasileiro que em algum
momento de sua vida se veja às voltas com um processo judicial. A Segunda Turma
do STF tratou de questão essencial para a higidez do Estado Democrático de
Direito. Apenas em regimes totalitários os réus são submetidos a processos nos
quais lhes são negadas as garantias de ampla defesa e de paridade de armas com
quem os acusa, o Estado. Sem essas duas garantias, não se pode falar em
democracia constitucional.
A
Constituição e as leis do País consagram dois tipos de isonomia. Uma, elementar
e de fácil compreensão, é a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
Outra, tão importante quanto esta, é a isonomia processual, ou seja, a garantia
de que todas as partes de um processo judicial terão condições idênticas de
apresentar elementos de convicção ao magistrado, ou ter acesso aos que foram
apresentados pela parte contrária, a fim de ver reconhecidas ou não as suas
pretensões ao final do processo.
A
paridade de armas é questão ainda mais sensível quando o que está em jogo é a
liberdade de um réu. As garantias constitucionais não são meras “filigranas”,
como afirmou o procurador Deltan Dallagnol em 2016, no auge da Operação Lava
Jato.
No
caso em questão, pouco importa quem seja o réu. Pouco importa se, ao fim e ao
cabo, o STF decidirá que as provas obtidas na Operação Spoofing são ilegais,
fruto da prática de um crime. Pouco importa o futuro político de Lula da Silva.
O que estava em jogo naquela sessão da Segunda Turma era o vigor do Estado de
Direito no Brasil. E o STF cumpriu seu papel de guardião da Lei Maior.
Vitória no STF estimula projeto político de Lula – Opinião | O Globo
A vitória de Lula no julgamento da Segunda Turma do Supremo não significa que ele deva ser incluído no páreo para as eleições de 2022. Para começar, isso nem estava em questão. Foi autorizado apenas o acesso — nem sequer o uso — ao material furtado das conversas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato, apreendido pela Operação Spoofing. Mesmo que Lula seja inocentado no futuro, é difícil crer que saia candidato. O que a decisão lhe traz é a esperança de enterrar as condenações da Lava-Jato e voltar a exercer papel mais relevante na política nacional.
O
resultado do julgamento é mais um revés para os defensores da operação e de
seus métodos. A tese dos advogados de Lula é que as mensagens comprovam o
conluio entre Moro e procuradores, Deltan Dallagnol à frente, na condução de
investigações e acusações. De acordo com essa tese, os processos contra Lula
não passaram de jogo combinado entre quem denuncia e quem julga, maculando os
princípios da isenção e do livre direito de defesa.
É
uma tese para lá de discutível, tamanha a quantidade e a qualidade das provas
acumuladas. Mas só será avaliada num próximo julgamento da Turma, sobre o
pedido para invalidar a condenação no caso do tríplex do Guarujá (o ministro
Gilmar Mendes pediu vista do processo).
Os
próximos passos serão acompanhados com atenção. Caso Lula consiga se livrar da
condenação por Moro, ainda continuará inelegível, devido à condenação proferida
pela juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba,
no processo sobre o sítio de Atibaia. Mas já terá sido um passo para deixar de
ser “ficha-suja”, que dará força a suas críticas à Lava-Jato. O segundo e
decisivo passo será dado se a defesa recorrer no processo do sítio e também
obtiver êxito.
Na
Segunda Turma, costumam ser favoráveis à defesa os ministros Gilmar e Ricardo
Lewandowski, da ala “garantista”. Desta vez, também votaram em favor de Lula (e
contra o relator da Lava-Jato, Edson Fachin) os ministros Nunes Marques e
Cármen Lúcia. Esperava-se que Cármen, da ala “consequencialista”, ficasse do
lado dos procuradores, que reclamaram do acesso ao material, concedido por
Lewandowski aos advogados de Lula. Mas ela defendeu o direito de a defesa
acessar os diálogos, alegando que, se polícia, Ministério Público e juiz podem
fazê-lo, não faria sentido os advogados de Lula não poderem. Cármen também
concordou com Lewandowski, relator da ação, e Nunes Marques, ao afirmar que a
reclamação só poderia ter sido feita pela Procuradoria-Geral da República.
O
voto de Nunes Marques, recém-empossado na Corte, era especialmente aguardado,
porque poderia dar indicação de como ele se posicionará diante do pedido de
anulação das condenações de Lula. O ministro votou em poucos minutos, evitando
comentários, mas sua posição foi considerada um sinal positivo para a defesa.
O
desdobramento político do caso ainda é incerto. Ainda que as condenações de
Lula sejam anuladas, o mais provável é que a fartura de recursos protelatórios
abra espaço a novos julgamentos. Lula já deu a entender que Fernando Haddad
será o candidato do PT em 2022. Para Bolsonaro, o melhor cenário será um
segundo turno contra um petista, como em 2018. Diante dos tropeços da oposição
de centro, não surpreenderá se, mesmo com Lula fora, o confronto se repetir.
O alerta de Fachin – Opinião | Folha de S. Paulo
Ministro
aponta fatores que trarão retrocesso civilizatório se não neutralizados
O
relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson
Fachin, mostra-se preocupado com a higidez da democracia brasileira. Numa rara
entrevista, concedida
a esta Folha, o magistrado teceu um
raciocínio interessante, amalgamando três gêneros de corrupção a ameaçar o
país.
O
primeiro seria o da concentração do poder político, o segundo, o da
promiscuidade entre o poder econômico e o Estado, e o terceiro, o da
criminalidade do colarinho branco dentro do serviço público.
Em
todos esses flancos, diz Fachin, há sinais de deterioração. É difícil discordar
do diagnóstico, a julgar pela própria situação da Lava Jato, em xeque em razão
de seus próprios erros, mas também pela reação de malfeitores influentes que
desejam escapar da punição.
Os
excessos notórios da operação comandada de Curitiba por um grupo de
procuradores, sob o crivo do então juiz Sergio Moro, passam por rigorosa
revisão no próprio STF. Essa parte saudável do processo, no entanto, vem
acompanhada de um cerco político ao legado positivo da operação, que foi o de
submeter elites, outrora imunes e à vontade para saquear o Estado, ao risco de
condenação.
A
melhor saída desse quadro seria, como anseia Edson Fachin, derrotar o
lavajatismo —o pastiche que confundiu o dever funcional de agentes públicos de
perseguir a corrupção com devaneios ideológicos e político-partidários—, mas
manter vivo e sóbrio o espírito republicano da operação.
Nada
disso será possível se o que o ministro chamou de “processo desconstituinte”,
que associa sem nomear à ascensão de Jair Bolsonaro, conseguir se aprofundar.
A
excessiva participação de militares no governo, a intimidação contra o Poder
Legislativo e o Judiciário, o incentivo às armas na sociedade, a campanha
bolsonarista para desacreditar o sistema eletrônico de votação e as ameaças de
tropicalizar arruaças do trumpismo em caso de derrota eleitoral são elementos a
que Fachin alude para sustentar seus temores.
De
fato, esse conjunto de fatores concorre para retardar, se não para reverter, a
marcha civilizatória da sociedade brasileira. As instituições do Estado
democrático de Direito, entre elas o Supremo Tribunal Federal, têm conseguido
evitar estragos maiores, não sem despender enorme quantidade de energia.
O
conúbio recente do presidente da República com a nata da política tradicional e
paroquial foi o resultado prático do seu entrechoque com aquele rochedo
institucional. Percebeu que estaria em apuros se não mudasse no mínimo de
tática.
Que
ninguém se iluda, porém, sobre alterações profundas na mentalidade
presidencial. Ali o cesarismo continua ativo como sempre.
Sem
proteção – Opinião | Folha de S. Paulo
Inação
governamental ante megavazamentos de dados de cidadãos é inaceitável
Passadas
três semanas desde a descoberta de um vazamento
de dados pessoais que expôs informações de milhões de brasileiros, é
chocante a inércia demonstrada pelas autoridades diante do problema —que voltou
a ser detectado nesta quarta-feira (10).
O
primeiro incidente foi revelado no fim de janeiro por especialistas em
segurança digital, que calcularam em 220 milhões o número de atingidos, cifra
que inclui provavelmente pessoas que estão mortas.
Documentos
de identificação pessoal, informações financeiras e registros de empresas e
veículos passaram a ser negociados nos subterrâneos da internet, tornando os
titulares dos dados vulneráveis a golpes de todo tipo.
A
Polícia Federal abriu investigações para saber o que aconteceu e buscar os
responsáveis pelo vazamento e pela comercialização dos dados, mas as
averiguações ainda se encontram em fase inicial.
Não
há, no entanto, nenhum esforço das autoridades para coordenar ações das várias
agências com potencial interesse no assunto, orientar os consumidores e buscar
meios de protegê-los contra o mau uso dos suas informações.
Desde
o ano passado, quando entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, o
Brasil conta com uma legislação avançada para lidar com esse tipo de risco, mas
muitos dos seus dispositivos ainda dependem de regulamentação.
Encarregada
de zelar pelo cumprimento da norma, a recém-criada Autoridade Nacional de
Proteção de Dados ainda está se organizando e somente nesta quarta (10)
publicou uma nota sobre o vazamento, com informações escassas e orientações
vagas.
Em
vez de esclarecimentos, o órgão usou boa parte do documento para dizer que não
sabe o que ocorreu e se eximir de responsabilidade por eventuais danos,
sugerindo que o problema pode ter começado antes de sua criação.
É
possível fazer mais, e não é preciso esperar que as investigações da polícia
cheguem a uma conclusão. Campanhas de comunicação, critérios mais rigorosos
para autenticação de usuários de celulares e outras medidas simples
contribuiriam para proteger e conter riscos.
A
inação das autoridades é ainda mais alarmante num momento em que governos,
empresas e birôs de crédito acumulam quantidades crescentes de dados dos
indivíduos a quem oferecem serviços. É urgente reforçar os cuidados para que a
proteção seja efetiva.
Governo e Centrão não falam a mesma língua sobre auxílio – Opinião | Valor Econômico
Situações
emergenciais não devem deixar gastos permanentes, nem legar impostos
distorcivos e regressivos
O
governo apostou na vitória do Centrão na disputa pelo comando do Congresso, e
os novos líderes definiram o auxílio emergencial como uma das maiores
prioridades. Momentos de crise no Brasil são férteis para péssimas ideias e,
diante do alto endividamento e de um orçamento muito enxuto (que sequer foi
votado), surgiu de novo a ideia de uma CPMF de até 0,1% que serviria para
custear a ajuda aos que ainda continuam sem renda com a segunda onda da
pandemia. Com esta finalidade, líderes de alguns partidos do Centrão aceitam um
novo imposto. A equipe econômica diz que não quer, mas o ministro da Economia,
Paulo Guedes, é, há tempos, o único defensor do tributo na Esplanada.
A
equipe econômica previa, antes da troca de comando do Congresso, que o novo
auxílio fosse menor (R$ 200, o mesmo valor que propusera no início da
pandemia), destinado a menos gente e por um período curto, de três meses. Por
seus cálculos seriam atendidos 30 milhões de pessoas a um custo trimestral de
R$ 18 bilhões. O orçamento teria de acomodar estes gastos, não se sabia
exatamente como.
O
financiamento do gasto deixou de ser um problema, porque o caminho para
contornar o teto de gastos será parecido com o do ano passado. Há várias formas
para isso e governo e líderes do Congresso discutem como fazê-lo o mais rápido
possível.
O
senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, deixou claro que
primeiro teriam de ser feitos os gastos, sem as contrapartidas para permitir
uma trajetória fiscal crível e sustentável. Essa não era essa a intenção de
Guedes, com seu turbilhão de ideias que não se concretizam. Guedes vincula o
auxílio à PEC de Emergência, (que apesar do nome ainda não foi votada), a um
Bônus de Inclusão Produtiva, nome pomposo para a obrigatoriedade de
qualificação dos beneficiários do auxílio, que por sua vez seriam contratados
com a Carteira Verde Amarela, proposta que pelo tempo rodado já está desbotada.
As
diferentes opções poderiam ser coordenadas, com resultados que evitassem a
catástrofes prevista pelo mercado com o drible no teto, mas isto não parece
estar acontecendo. Ainda que tenha ganho aliados em peso e volume no Congresso,
o Executivo tem de decidir se dirigirá o Centrão ou se será dirigido por ele -
terceirizar suas obrigações é um caminho certo para mais problemas.
Pacheco,
em termos operacionais, foi coerente: para se tornar expedito, o auxílio não
pode ser incluído em uma PEC que necessita duas votações nas duas Casas, com
maioria de dois terços. Isso em um Congresso que sequer votou o orçamento do
ano, outro obstáculo para colocar de pé a ajuda financeira - o governo só pode
requerer créditos extraordinários, onde ela será incluída, se souber quais são
os ordinários, isto é, a peça orçamentária em vigor.
Mas
o presidente do Senado, ao dizer que não deveria haver amarras para o dinheiro
relembrou o estigma que marca o Centrão, de ignorar os limites fiscais do país
e pressionar por mais gastos. Uma consequência foi dólar e juros subindo, bolsa
caindo. Se houvesse coordenação, seria possível anunciar uma via rápida para o
auxílio agora, compromissada com a votação de medidas de ajuste fiscal a
posteriori, mas acordadas a priori, com clareza. O governo, que listou 35
prioridades para o ano legislativo, não parece preparado para o fato de que o
novo comando do Congresso está mais preocupado com auxílio emergencial e vacinação
- e menos com o lado fiscal.
Ainda
está para ser provado se as novas direções do Congresso abraçarão total ou
parcialmente as PECs enviadas ao Congresso, em especial a de emergência, que
atinge interesses do funcionalismo e cria gatilhos que acionam medidas que
possam sustentar o teto de gastos. É muito provável que não, porque sequer o
presidente Jair Bolsonaro está preocupado com elas. Por outro lado, o auxílio,
como da primeira vez, pode trazer benefício eleitoral ao presidente e dar
alguma sustentação à economia, que ruma para a retração no primeiro trimestre.
Um imposto sobre transações financeiras, além de muito ruim, teria um efeito contrário, o de retirar fôlego da economia. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, era contrário a esse imposto. Pacheco disse ontem que não precisa dele para fechar sua equação. Assim como é necessário que situações emergenciais não deixem gastos permanentes, tampouco devem legar impostos distorcivos e regressivos - a velha saída de correr atrás de novas receitas para pagar despesas.
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