Cenário
internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal
A
julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo),
começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços
abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos
quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do
que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas
consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao
do início de 2000.
O
Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é
confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do
PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou
uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal
“nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da
China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas
exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a
comprar muito mais TVs de tela plana.
Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo – o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.
A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.
A
situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes
sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores
amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir
sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a
extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da
China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a
noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a
uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois
meses.
Com
isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas
estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o
reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam,
por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita
prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de
reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com
que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem
promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).
É
possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça
de Jair Bolsonaro,
sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo
está dando certo
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