A
questão é: o presidente Bolsonaro acredita mesmo que quem se preocupa com a
pandemia é um maricas ou está apenas fazendo jogadas? Pela segunda hipótese, as
declarações impiedosas dele — “vão chorar até quando?” — têm o objetivo de,
primeiro, esquentar suas bases e, segundo, de desviar a atenção dos desvios de
seus filhos — a compra da mansão — e de seus fracassos.
Pela
primeira hipótese, ele é um homem despreparado, insensível, com comportamentos
desprezíveis, como esse de zombar da morte.
A
tentação imediata é responder: um pouco das duas coisas. Talvez seja por aí — o
presidente faz jogadas. Mas não parece ter o tirocínio, nem a capacidade
emocional para armar jogadas consistentes. Parece mais um homem sob um ataque
de nervos quando percebe as coisas desmoronando a seu redor.
Sim,
Bolsonaro ainda tem uns 30% de aprovação. A oposição não tem um candidato
presidencial já nas ruas como ele está o tempo todo.
Mas,
vamos reparar. Estamos nos aproximando dos 11 milhões de casos de Covid-19.
Cada uma dessas pessoas tem relacionamentos — familiares, amigos, vizinhos,
colegas de trabalho. Quanto dá esse grupo, em média? Dez, 15 pessoas? Qualquer
que seja a conta, não estará errado verificar que milhões de brasileiros
tiveram contato com alguém próximo doente. São esses os frescos atingidos pela
pergunta: “Vão chorar até quando?”.
Sem contar os parentes de pessoas que, nos dias de hoje, não encontram leitos para internar seus entes queridos.
O
presidente tenta passar a responsabilidade para os governadores e prefeitos,
mas essa conversa fica prejudicada quando o próprio Bolsonaro confessa que está
agora em busca de vacinas — as mesmas que desprezava.
Não
é possível que, tirante os bolsonaristas de raiz e os idiotas que têm de
procurar vacina na casa da mãe, os demais brasileiros, a imensa maioria, caiam
nessa conversa o tempo todo.
Surgiram
sinais interessantes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na frente de
gente do Ministério da Saúde, foi claro: não sejam negacionistas, preguem o uso
de máscaras, o distanciamento, evitar aglomerações, a busca da vacina.
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, inverteu a tese de Bolsonaro, segundo a
qual o cuidado com a saúde não pode matar a economia. Disse o ministro: sem
saúde, não há economia. Logo, a principal medida econômica é vacinar em massa.
Finalmente,
o vice Mourão disse que o lockdown deve ser aplicado onde necessário. Verdade
que ele não manda nada, mas sua fala deve exprimir algum grupo do governo.
É
verdade que nenhum deles avançou o sinal para dizer: gente, o presidente está
errado.
Mas
imaginem o que Bolsonaro deve ter sentido quando ouviu a fala do presidente do
Senado, que ele ajudou a eleger. A menos que Rodrigo Pacheco tenha dito
reservadamente que estava fazendo jogo de cena, a fala explica boa parte da
raiva do chefe do Planalto. Na verdade, mesmo que fosse jogo de cena.
Também
dizem que Bolsonaro está conseguindo desmontar o combate à corrupção e, assim,
proteger seus filhos.
Engano.
Ele se beneficia desse abafa, mas não é o arquiteto. O ministro Luís Roberto
Barroso tem razão quando diz que todo mundo na elite brasileira tem algum
parente, amigo, correligionário, ente querido envolvido em falcatrua. Gente que
foi apanhada no Mensalão e na Lava-Jato — e que agora está reagindo.
Bolsonaro pegou carona no desmonte do combate à corrupção. A armação geral precisa de gente mais competente e mais fria, como Gilmar Mendes e outros ilustres membros das corte superiores, os grandes advogados de réus da Lava-Jato e, sim, experientes políticos do Centrão. Notando-se: o Centrão não tem amores para sempre. Só enquanto vale a pena. Disso, Bolsonaro sabe.
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