sábado, 6 de março de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Ele é ruim assim

- O Globo

A questão é: o presidente Bolsonaro acredita mesmo que quem se preocupa com a pandemia é um maricas ou está apenas fazendo jogadas? Pela segunda hipótese, as declarações impiedosas dele — “vão chorar até quando?” — têm o objetivo de, primeiro, esquentar suas bases e, segundo, de desviar a atenção dos desvios de seus filhos — a compra da mansão — e de seus fracassos.

Pela primeira hipótese, ele é um homem despreparado, insensível, com comportamentos desprezíveis, como esse de zombar da morte.

A tentação imediata é responder: um pouco das duas coisas. Talvez seja por aí — o presidente faz jogadas. Mas não parece ter o tirocínio, nem a capacidade emocional para armar jogadas consistentes. Parece mais um homem sob um ataque de nervos quando percebe as coisas desmoronando a seu redor.

Sim, Bolsonaro ainda tem uns 30% de aprovação. A oposição não tem um candidato presidencial já nas ruas como ele está o tempo todo.

Mas, vamos reparar. Estamos nos aproximando dos 11 milhões de casos de Covid-19. Cada uma dessas pessoas tem relacionamentos — familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. Quanto dá esse grupo, em média? Dez, 15 pessoas? Qualquer que seja a conta, não estará errado verificar que milhões de brasileiros tiveram contato com alguém próximo doente. São esses os frescos atingidos pela pergunta: “Vão chorar até quando?”.

Sem contar os parentes de pessoas que, nos dias de hoje, não encontram leitos para internar seus entes queridos.

O presidente tenta passar a responsabilidade para os governadores e prefeitos, mas essa conversa fica prejudicada quando o próprio Bolsonaro confessa que está agora em busca de vacinas — as mesmas que desprezava.

Não é possível que, tirante os bolsonaristas de raiz e os idiotas que têm de procurar vacina na casa da mãe, os demais brasileiros, a imensa maioria, caiam nessa conversa o tempo todo.

Surgiram sinais interessantes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na frente de gente do Ministério da Saúde, foi claro: não sejam negacionistas, preguem o uso de máscaras, o distanciamento, evitar aglomerações, a busca da vacina.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, inverteu a tese de Bolsonaro, segundo a qual o cuidado com a saúde não pode matar a economia. Disse o ministro: sem saúde, não há economia. Logo, a principal medida econômica é vacinar em massa.

Finalmente, o vice Mourão disse que o lockdown deve ser aplicado onde necessário. Verdade que ele não manda nada, mas sua fala deve exprimir algum grupo do governo.

É verdade que nenhum deles avançou o sinal para dizer: gente, o presidente está errado.

Mas imaginem o que Bolsonaro deve ter sentido quando ouviu a fala do presidente do Senado, que ele ajudou a eleger. A menos que Rodrigo Pacheco tenha dito reservadamente que estava fazendo jogo de cena, a fala explica boa parte da raiva do chefe do Planalto. Na verdade, mesmo que fosse jogo de cena.

Também dizem que Bolsonaro está conseguindo desmontar o combate à corrupção e, assim, proteger seus filhos.

Engano. Ele se beneficia desse abafa, mas não é o arquiteto. O ministro Luís Roberto Barroso tem razão quando diz que todo mundo na elite brasileira tem algum parente, amigo, correligionário, ente querido envolvido em falcatrua. Gente que foi apanhada no Mensalão e na Lava-Jato — e que agora está reagindo.

Bolsonaro pegou carona no desmonte do combate à corrupção. A armação geral precisa de gente mais competente e mais fria, como Gilmar Mendes e outros ilustres membros das corte superiores, os grandes advogados de réus da Lava-Jato e, sim, experientes políticos do Centrão. Notando-se: o Centrão não tem amores para sempre. Só enquanto vale a pena. Disso, Bolsonaro sabe.

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