Governo
Bolsonaro usa intimidação descabida contra professores universitários
É
sabido que as universidades públicas estão entre os principais campos de
batalha ideológica do bolsonarismo. Entretanto o governo de turno não trava
nessa seara um embate à base de ideias e argumentos, como seria legítimo, mas
de intimidações, não raro formais.
A
mais recente delas foi a investigação
por parte da Controladoria-Geral da União (CGU) contra dois professores da
Universidade Federal de Pelotas (RS), Pedro Hallal e Eraldo dos Santos
Pinheiro.
Acusados
pela CGU de proferirem “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada
ao presidente da República” em evento online da universidade onde criticaram a
gestão da pandemia, os docentes assinaram termos de ajustamento de conduta, com
extratos publicados no Diário Oficial, dando encerramento às investigações.
A punição foi se comprometerem a não repetir críticas semelhantes pelos próximos dois anos e participarem de curso de ética pública. Sanções dessa natureza geram efeito inibidor na liberdade de crítica inerente ao ofício acadêmico.
A
investida se ampara em bases jurídicas vagas —o regime dos servidores da União,
ao qual professores de universidades federais estão submetidos, proíbe
“promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”, nos
termos da lei 8.112, de 1990.
Não
é difícil imaginar o impacto nefasto que a aplicação obtusa e autoritária de
tal norma pode provocar no ambiente universitário. O próprio Ministério da
Educação cancelou, na quinta-feira (4), um deplorável
ofício que recomendava “prevenir e punir” atos políticos nas
instituições.
As
investigações contra os professores foram abertas após denúncia do deputado
bolsonarista Bino Nunes (PSL-RS), e o ofício ora cancelado fora inspirado em
recomendação de 2019 do procurador Ailton Benedito de Souza, apoiador do hoje
presidente da República.
“Impor-se
a unanimidade impedindo-se ou dificultando-se a manifestação plural de
pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar
professores”, decidiu a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, em
outubro de 2018.
A
magistrada suspendia então decisões da Justiça Eleitoral que haviam autorizado
a entrada de policiais em estabelecimentos de ensino superior para apreender
materiais e proibir debates.
A
Constituição de 1988 apregoa a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber. Lidar com a divergência à base de
coerção só denota mais uma vez o desapreço do governo Jair Bolsonaro pela
inteligência e pela livre manifestação.
Poluição amazônica – Opinião / Folha de S. Paulo
São
Félix do Xingu (PA) espanta como cidade brasileira que mais prejudica clima
São
Paulo é a maior cidade do hemisfério Sul, com seus mais de 12 milhões de
habitantes no município. Tamanha aglomeração urbana deveria despontar também
como maior fonte brasileira de gases promotores do efeito estufa, porém não é
esse o caso.
O
primeiro posto entre emissores de carbono, no Brasil, cabe a São Félix do Xingu
(PA). E, das 10 cidades do país que mais produzem poluição climática, 7 estão
na Amazônia, contrassenso explicável por vir do desmatamento e da pecuária
nossa maior contribuição para o aquecimento global.
Além
de São Félix, figuram na lista suja, pela ordem de colocação: Altamira (PA),
Porto Velho (RO), Pacajá (PA), Colniza (MT), Lábrea (AM) e Novo Repartimento
(PA). Completam a relação São Paulo (quarto lugar), Rio de Janeiro (nono) e
Serra (ES), décima colocação garantida por emissões de uma siderúrgica e outras
indústrias.
O
ranking partiu do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa,
iniciativa do consórcio de organizações não governamentais Observatório do
Clima. Pela primeira vez o grupo analisou emissões individuais, setor por
setor, acumuladas de 2000 a 2018 nas 5.570 cidades do Brasil.
O
banco de dados constitui fonte copiosa de informações surpreendentes. São Félix
do Xingu emitiu em 2018 um total de 29,7 milhões de toneladas equivalentes de
dióxido de carbono (medida que equipara a influência de outros gases, como
metano, à do CO2).
Com
132 mil habitantes, o município polui mais que países como Uruguai, Chile,
Costa Rica ou Noruega. Ali se encontra o maior rebanho bovino do país, cuja
digestão lança na atmosfera o metano, potente gás do efeito estufa.
Direta
ou indiretamente, a pecuária representa importante indutor de desmatamento, que
na localidade paraense contribuiu com 25,44 milhões de toneladas equivalentes
de emissões. A floresta derrubada libera na atmosfera todo o carbono da
biomassa —madeira, folhas, raízes— quando é queimada ou apodrece sobre o solo.
Não
são outras as razões para cidades amazônicas dominarem o ranking. A poluição
nelas produzida não afeta só o clima, cumpre assinalar, mas a própria população
local, exposta à fumaça das queimadas durante boa parte do ano.
Lideranças
do agronegócio costumam alegar que não é necessário desmatar mais para produzir
alimentos. Só falta viabilizar tal promessa com ações concretas e políticas
públicas condizentes.
Insulto adicionado à injúria – Opinião / O Estado de S Paulo
A esta altura, é difícil saber qual é
exatamente a pauta de reivindicações dos caminhoneiros, a não ser levar a
desordem ao País
A cidade de São Paulo sofreu ontem com dois protestos de caminhoneiros, que bloquearam vias e infernizaram a vida dos paulistanos, já bastante estressados pelos efeitos terríveis da pandemia de covid-19.
O maior bloqueio ocorreu por cinco horas, pela
manhã, a partir da Rodovia Castelo Branco, com reflexos na Marginal do Tietê,
no sentido da Rodovia Ayrton Senna. O outro foi na zona sul, na região de
Interlagos. O caos no trânsito obrigou a Prefeitura a suspender o rodízio de
veículos. Nos dois casos, o motivo do protesto foram as medidas anunciadas pelo
governo do Estado para enfrentar o recrudescimento da pandemia e tentar evitar
o colapso do sistema de saúde.
A esta altura, é difícil saber qual é exatamente a
pauta de reivindicações dos caminhoneiros, a não ser levar a desordem ao País –
situação na qual prosperam os demagogos como Jair Bolsonaro, que chegou à
Presidência com o apoio de muitos desses transportadores.
Há poucos dias, os caminhoneiros haviam ameaçado
parar o Brasil, como fizeram em 2018, se o presidente Bolsonaro não
providenciasse logo a redução do preço do diesel. Fiel à sua base, Bolsonaro
interveio agressivamente na Petrobrás, trocando o comando da estatal e causando
imenso prejuízo à empresa e à imagem que os investidores têm do País, para
obrigá-la a reduzir os preços na marra. No front fiscal, Bolsonaro ignorou a
necessidade de aumentar a arrecadação para fazer frente à pandemia e para
reequilibrar as contas nacionais e mandou isentar o diesel de impostos
federais.
Certamente gratos pelo empenho de seu “mito” –
ainda que os preços do diesel não tenham caído, pois dependem de muitos outros
fatores alheios à vontade do presidente –, os caminhoneiros resolveram
retribuir-lhe o mimo causando problemas ao principal adversário de Bolsonaro, o
governador de São Paulo, João Doria.
Depois de estacionarem seus caminhões para
atravancar o trânsito, alguns caminhoneiros desceram da boleia para estender
faixas onde se lia “Fora Doria, abre São Paulo já”. Esse era o verdadeiro
espírito da manifestação – a pandemia foi apenas um pretexto.
Se a preocupação dos caminhoneiros fosse mesmo com
os efeitos econômicos das novas medidas de restrição anunciadas pelo governo
paulista, o protesto deveria ter servido para cobrar do governo federal a
compra e a entrega urgente de vacinas contra a covid-19 – única maneira de
mitigar a crise. Mas os caminhoneiros resolveram não causar esse tipo de
constrangimento ao presidente da República – que hoje atua mais como um
vereador dedicado a defender exclusivamente os interesses particulares de seus
eleitores, em especial os transportadores.
A volta do Estado à fase vermelha, a mais dura, do
Plano São Paulo – estratégia de restrições de movimento e de funcionamento de
negócios para o combate à pandemia – era uma consequência lógica do aumento
significativo de casos e de mortes pela covid-19. Os hospitais de várias
cidades paulistas, inclusive a capital, estão no limite. Não cabe escolha entre
salvar vidas e manter lojas abertas.
Perdem tempo, portanto, os caminhoneiros quando
usam de sua agressividade para tentar intimidar o governo paulista e aborrecer
os paulistanos. O governo de São Paulo seria inconsequente se não tomasse
providências diante do avanço da pandemia. De irresponsável, basta o governo
federal.
Ademais, São Paulo e seus moradores nada têm a ver
com as vicissitudes dos caminhoneiros. Como se sabe, o problema dos
transportadores é de mercado, coisa que não se resolve nem com canetadas
destinadas a baixar na marra o preço do diesel, nem com o tabelamento do frete,
nem, muito menos, com o fim das restrições implementadas contra a pandemia em
São Paulo.
A crise dos caminhoneiros deve ser debitada da
conta dos populismos lulopetista e bolsonarista – o primeiro, por ter
incentivado a oferta do serviço sem a respectiva demanda; o segundo, por
cooptar a categoria para atender a seus propósitos autoritários. Quando
resolvem causar confusão em São Paulo em plena pandemia, esses irresponsáveis
mostram que só lhes restou servirem de correia de transmissão da truculência de
Bolsonaro.
Aprendiz de Chávez – Opinião / O Estado de S Paulo
O Brasil está mais próximo da
Venezuela chavista do que Guedes gostaria de admitir
Paulo Guedes é ministro da Economia, mas se dá melhor como comentarista de economia. Como se não estivesse há mais de dois anos à frente do “superministério” que tudo resolveria, e como se o presidente Jair Bolsonaro, que lhe deu o emprego, lhe fosse um desconhecido, Paulo Guedes vive a expressar críticas à condução e ao estado da economia nacional.
Em seus mais recentes comentários, o ministro
Guedes alertou que, se o Brasil não seguir seus conselhos, caminhará
celeremente para se tornar “uma Venezuela”. Numa entrevista ao podcast PrimoCast,
ao condenar a possibilidade da adoção de um programa de auxílio emergencial sem
uma contrapartida fiscal, Paulo Guedes declarou que seria uma forma de
“empurrar o custo para outras gerações”. E enumerou os problemas: “Juros
começam a subir, acaba o crescimento econômico, endividamento em bola de neve,
confiança de investidores desaparece. É o caminho da miséria, da Venezuela, da
Argentina”.
O ministro estaria coberto de razão, não fosse o
fato de ele mesmo integrar, e na ribalta, o governo ao qual cabe articular
politicamente a solução que evitaria tão pavoroso desfecho. A não ser, como
está cada vez mais claro, que Paulo Guedes seja apenas um ministro honorário, a
quem o presidente consulta de vez em quando só para manter as aparências, e não
o superpoderoso herói liberal que Bolsonaro vendeu ao mercado na campanha
eleitoral de 2018.
O Brasil de Bolsonaro está mais próximo da
Venezuela chavista do que o ministro Guedes gostaria de admitir. O presidente,
que já expressou sua admiração pelo falecido caudilho Hugo Chávez, segue a
cartilha do ditador venezuelano ao militarizar seu governo, ao aparelhar os
órgãos de controle e fiscalização, ao tentar inocular no Judiciário a toxina
bolsonarista, ao capturar parte do Congresso e ao se afundar no populismo
explícito – intrometendo-se na formação de preços, obrigando estatais a
trabalhar em favor de seus interesses eleitorais e jogando a população contra
governadores e instituições que considera seus inimigos.
Guardadas as proporções, o assalto bolsonarista à
Petrobrás é movido pelo mesmo espírito que levou o ditador Chávez a avançar
sobre a PDVSA, a poderosa estatal do petróleo venezuelano. Bolsonaro, como
Chávez, quer transformar a Petrobrás, maior empresa do Brasil, em esteio de sua
demagogia.
Consta que o ministro da Economia não gostou nem um
pouco da intervenção de seu chefe na Petrobrás, por razões óbvias, traduzidas
pelo mau humor das bolsas, pela fuga de investimentos e pela desconfiança
generalizada nos compromissos de Bolsonaro com o livre mercado. A
desmoralização explícita de Paulo Guedes e de sua agenda liberal por parte do
presidente deveria bastar para que o ministro afinal se desse conta da
“venezuelização” do governo e pedisse as contas. Isso ainda não aconteceu, mas
Paulo Guedes não escondeu seu desconforto.
Questionado sobre o assunto, numa entrevista à
Jovem Pan, o ministro contorceu-se para tentar explicar as razões da ingerência
de Bolsonaro na Petrobrás. Admitiu que, “do ponto de vista econômico, o efeito
foi ruim”, mas disse que “é compreensível do ponto de vista político”. E foi
adiante: “Para o público caminhoneiro, que é um público associado ao presidente
Bolsonaro, são eleitores típicos, fiéis do presidente Bolsonaro. O presidente
deu uma satisfação. Ele diz: ‘Tirei o cara que disse que não liga para vocês (referindo-se
ao presidente da Petrobrás demitido por Bolsonaro) e tirei todos os
impostos (sobre o diesel)’”.
Em poucas palavras, o ministro da Economia admitiu
que o presidente da República atropelou a governança da Petrobrás, ao arrepio
dos interesses dos acionistas privados e das regras básicas da administração
pública, somente para atender às reivindicações de eleitores “fiéis”,
“típicos”, “associados” a Bolsonaro.
Assim, ouvimos da boca do ministro da Economia em
pessoa que o presidente da República gerou imenso prejuízo para a Petrobrás e,
consequentemente, para o País, porque precisava dar uma “satisfação” a um
punhado de eleitores. Isso ainda não é a Venezuela, mas Hugo Chávez não ficaria
decepcionado com seu discípulo hoje instalado no Palácio do Planalto.
Mordaça inaceitável – Opinião / O Estado de S Paulo
Silêncio imposto aos professores da
UFPel é tentativa de intimidar os críticos de Bolsonaro
A Controladoria-Geral da União (CGU) impôs uma
espécie de mordaça a dois professores da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) que criticaram publicamente a péssima condução da pandemia de covid-19
pelo presidente Jair Bolsonaro. O que os docentes fizeram nada mais foi do que
observar algo que está claro para qualquer cidadão minimamente informado sobre
o que se passa no Brasil. O irremediável descaso do presidente da República
diante da maior tragédia que se abateu sobre as atuais gerações transformou o
que seria uma grave crise de saúde pública neste horror sem fim.
Os professores Pedro Hallal, ex-reitor da UFPel, e Eraldo
dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura, assinaram um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) para pôr fim a um processo administrativo na CGU
que poderia ter desfecho mais gravoso. Pelos termos do acordo, ambos deverão se
abster de manifestar suas opiniões sobre a atuação de Bolsonaro na gestão da
crise sanitária pelos próximos dois anos, ou seja, enquanto Bolsonaro for
presidente.
É inaceitável. O “acordo” da CGU com os docentes
não é outra coisa se não intimidação, uma ação nada sutil de um órgão de Estado
não só para calar dois críticos da gestão, por assim dizer, de Bolsonaro, como
também, e principalmente, para ameaçar outros servidores públicos que tenham o
atrevimento, ora vejam, de apontar os erros e omissões do “mito”, infalível que
é.
Dois professores são punidos hoje por manifestações
de pensamento que desagradaram ao presidente e seus apoiadores com cargos em
órgãos públicos. Amanhã, o que pode acontecer? Até onde irá essa escalada
autoritária? Se limites não forem impostos agora, o que impedirá, no futuro,
que opositores do governo sejam calados ou até mesmo presos, a depender da
interpretação que façam de suas críticas? O Brasil ainda está sob o império das
leis. E a Lei Maior garante que é livre a manifestação de pensamento.
A decisão da CGU, tomada após representação feita
pelo deputado Bibo Nunes (PSL-RS), bolsonarista de quatro costados, merece
firme reação da sociedade. É uma afronta às liberdades de expressão e de
cátedra consagradas pelas leis e pela Constituição. À Justiça cabe impor
reparações aos ofendidos nos casos de abuso de direitos e violações legais, mas
sempre após o exercício do direito.
A CGU classificou as críticas dos professores de
“desapreço” a Bolsonaro. O enquadramento como uma conduta tida como “de menor
potencial ofensivo” evitou punições mais severas, como a demissão do serviço
público, o que teria motivado Pedro Hallal e Eraldo Pinheiro a assinarem o TAC.
Mas o caso é aviltante de toda forma. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma
desabrida ação para silenciar críticas ao governo.
O Ministério da Educação (MEC) se animou com o
avanço liberticida sobre os docentes da UFPel. Após o desfecho na CGU, o MEC
enviou ofício às instituições federais de ensino de todo o País “alertando” que
manifestações de natureza política nos campi poderiam ser classificadas como
“imoralidade administrativa”, sujeitas a punições disciplinares. Com o ofício
ameaçador, o MEC enviou uma representação assinada por Ailton Benedito, membro
do Ministério Público Federal (MPF) e aguerrido apoiador de Bolsonaro nas redes
sociais.
Diante da enérgica reação da comunidade acadêmica e
de outros setores da sociedade, o MEC cancelou ontem os efeitos do ofício que
servia claramente para “prevenir e punir” a fim de “evitar interpretações
diversas da mensagem a que pretendia”, reforçando o “respeito (da pasta)
à autonomia universitária preconizada na (sic) Constituição”.
É inconstitucional qualquer ato que atente contra a
liberdade de expressão de alunos e professores nas universidades. O Supremo
Tribunal Federal (STF) já fixou jurisprudência sobre a questão. O recuo do MEC
não garante que os liberticidas deixaram de lado seus objetivos. Que a Corte
não falte à Nação nestes tempos estranhos. Novas investidas contra as
liberdades virão.
Câmara precisa evitar aventuras na PEC Emergencial – Opinião / O Globo
A PEC Emergencial aprovada pelos senadores traz algum compromisso do governo com o equilíbrio fiscal. Menos enfático do que gostaria o ministro Paulo Guedes, mas poderia ter sido pior se certas emendas tivessem passado na primeira metade da tramitação da proposta no Congresso. Na Câmara, onde o projeto também enfrentará duas rodadas de votação, o risco é o populismo voltar. Os deputados precisam fazer seu trabalho com a urgência que o auxílio necessita, mas sem aumentar o espaço fiscal de modo irreal para criar a nova ajuda aos mais carentes e sem tentar abrir novas brechas para gastos sem limites.
Como
previsto, o projeto, relatado pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), chegou à
Câmara desidratado. Ficou pelo caminho a extensão ao funcionalismo da
possibilidade de um corte de 25% no salário com a equivalente redução na
jornada de trabalho (mecanismo idêntico ao que vigorou para assalariados da
iniciativa privada, em troca da manutenção do emprego). O lobby do servidores mais
uma vez agiu para preservar regalias. Foi possível apenas repetir o
congelamento da folha do funcionalismo praticado em 2020, ainda assim será
preciso acionar um gatilho quando as despesas correntes atingirem, no período
de 12 meses, o limite de 95% das receitas.
O
presidente Jair Bolsonaro não deixou de aproveitar a chance para beneficiar as
corporações de sua predileção. Prova disso é que o relator incluiu, na última
versão do texto, a possibilidade de recursos de fundos públicos serem
vinculados à defesa nacional e às Forças Armadas.
Outro
item tratado pela PEC que mobiliza interesses pesados são os incentivos
fiscais. Estabeleceu-se a meta de que sejam reduzidos em até oito anos para 2%
do PIB (hoje são pouco mais de 3%), porém, como sempre, a Zona Franca de Manaus
permaneceu intocada. Pelo menos, retirou-se do texto o fim do limite mínimo de
gasto com Educação e Saúde, uma proposta de desvinculação que nada tem a ver
com o espírito da PEC.
Todo
político deveria entender que, com um déficit previsto para este ano de cerca
de R$ 250 bilhões e uma dívida em ascensão, nas proximidades de 90% do PIB, o
que deve ser feito agora é o exclusivamente necessário numa situação crítica de
pandemia sem controle, desaceleração da economia e ampliação da pobreza. O gasto
fora do teto previsto para o auxílio, fixado em R$ 44 bilhões, atende à
expectativa.
No
Senado, tentou-se retirar também o Bolsa Família do limite do teto. Pura
insensatez, pois, ao contrário do auxílio, trata-se de uma despesa permanente
no Orçamento. Retirá-la do teto equivaleria a dar sinal verde a um aumento de
gastos sem limites, com efeitos imediatos no câmbio, na inflação e nos juros.
Consta que a manobra chegou a contar com um apoio no Planalto, onde há um grupo
“desenvolvimentista” com projetos nas gavetas à espera da flexibilização
fiscal.
Não
é hora de iniciativas mirabolantes que possam comprometer o equilíbrio
orçamentário. A mensagem enviada aos agentes econômicos seria a oposta da que é
necessário transmitir. A tramitação na Câmara deve se pautar pela preocupação
em não enfraquecer o projeto e evitar aventuras. Tudo deve ser feito para que
os defeitos da PEC não sejam usados em manobras para deixar os gatilhos da
contenção de despesas para um dia que jamais chegará.
Restrições decretadas por Paes são necessárias, mas ainda tímidas – Opinião / O Globo
Demorou, mas o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), decidiu adotar medidas de restrição para tentar frear a transmissão avassaladora do novo coronavírus e de suas terríveis variantes. A segunda maior cidade do país é uma das últimas a fazê-lo. Pelo decreto de Paes, desde ontem vigora uma espécie de toque de recolher das 23h às 5h em todos os bairros (a circulação não está proibida, apenas a permanência nas ruas); restaurantes e bares só poderiam funcionar das 6h às 17h, mas uma liminar da Justiça ontem permitiu a abertura até as 20h; quiosques da orla, boates e casas de shows ficarão fechados; o comércio de modo geral só poderá abrir das 6h às 20h, com 40% da capacidade. As restrições valem até o dia 11 e não se aplicam a atividades essenciais como serviços de saúde, farmácias, postos de gasolina, transportes e entregas em domicílio.
Sem
dúvida, são medidas necessárias, porém ainda tímidas, considerando o colapso
iminente das redes pública e privada de saúde no momento mais crítico da
pandemia. O decreto mantém as praias liberadas, diferentemente do que ocorre
noutras cidades, como Salvador — difícil imaginar que o vírus não goste de
praia. O toque de recolher também é menos rigoroso do que o pedido pelo
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em carta aberta à nação (das
20h às 6h).
A
questão do transporte é outro ponto nevrálgico que passou em branco.
Diariamente somos apresentados a cenas inconcebíveis de aglomeração nos BRTs. É
verdade que o sistema vem funcionando mal há tempos. A prefeitura já anunciou
que retomará a concessão para nova licitação. Mas, ao menos no curto prazo, não
se deve imaginar que os ônibus esvaziarão. Trata-se de problema crônico, que
deve ser enfrentado. De nada adiantam decretos hipócritas, como os do governo
Marcelo Crivella, determinando que ônibus só poderiam transportar dois
passageiros em pé por metro quadrado. A determinação foi esmagada pela
realidade.
É
lamentável que mesmo essas medidas tímidas sejam boicotadas pelo governador
Cláudio Castro, aliado do presidente Jair Bolsonaro, avesso a máscaras,
distanciamento e lockdowns. Na quinta-feira, ao inaugurar um restaurante
popular em Caxias, Castro provocou uma aglomeração e desdenhou as medidas de
restrição. “Os dados mostram que no estado, pelo menos, não há essa
necessidade.” Não se sabe a que dados Castro se refere. Os da Fiocruz mostram
que o Rio é um dos seis estados onde as variantes mais transmissíveis do
Sars-CoV-2 se esbaldam. Não é difícil imaginar os próximos capítulos da trama.
Não é por acaso que o Rio — cenário de escandalosa roubalheira na Saúde e de incontáveis equívocos no combate à pandemia — registra hoje a maior taxa de mortalidade da Federação. Pode ser que a situação não se compare à de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Mas o vírus não respeita fronteiras. O caos antes restrito a Manaus se disseminou pelo país todo. Não há por que pensar que o Rio será poupado. É preciso agir enquanto é tempo.
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