sábado, 6 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Obtuso e autoritário – Opinião / Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro usa intimidação descabida contra professores universitários

É sabido que as universidades públicas estão entre os principais campos de batalha ideológica do bolsonarismo. Entretanto o governo de turno não trava nessa seara um embate à base de ideias e argumentos, como seria legítimo, mas de intimidações, não raro formais.

A mais recente delas foi a investigação por parte da Controladoria-Geral da União (CGU) contra dois professores da Universidade Federal de Pelotas (RS), Pedro Hallal e Eraldo dos Santos Pinheiro.

Acusados pela CGU de proferirem “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao presidente da República” em evento online da universidade onde criticaram a gestão da pandemia, os docentes assinaram termos de ajustamento de conduta, com extratos publicados no Diário Oficial, dando encerramento às investigações.

A punição foi se comprometerem a não repetir críticas semelhantes pelos próximos dois anos e participarem de curso de ética pública. Sanções dessa natureza geram efeito inibidor na liberdade de crítica inerente ao ofício acadêmico.

A investida se ampara em bases jurídicas vagas —o regime dos servidores da União, ao qual professores de universidades federais estão submetidos, proíbe “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”, nos termos da lei 8.112, de 1990.

Não é difícil imaginar o impacto nefasto que a aplicação obtusa e autoritária de tal norma pode provocar no ambiente universitário. O próprio Ministério da Educação cancelou, na quinta-feira (4), um deplorável ofício que recomendava “prevenir e punir” atos políticos nas instituições.

As investigações contra os professores foram abertas após denúncia do deputado bolsonarista Bino Nunes (PSL-RS), e o ofício ora cancelado fora inspirado em recomendação de 2019 do procurador Ailton Benedito de Souza, apoiador do hoje presidente da República.

“Impor-se a unanimidade impedindo-se ou dificultando-se a manifestação plural de pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores”, decidiu a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2018.

A magistrada suspendia então decisões da Justiça Eleitoral que haviam autorizado a entrada de policiais em estabelecimentos de ensino superior para apreender materiais e proibir debates.

A Constituição de 1988 apregoa a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Lidar com a divergência à base de coerção só denota mais uma vez o desapreço do governo Jair Bolsonaro pela inteligência e pela livre manifestação.

Poluição amazônica – Opinião / Folha de S. Paulo

São Félix do Xingu (PA) espanta como cidade brasileira que mais prejudica clima

São Paulo é a maior cidade do hemisfério Sul, com seus mais de 12 milhões de habitantes no município. Tamanha aglomeração urbana deveria despontar também como maior fonte brasileira de gases promotores do efeito estufa, porém não é esse o caso.

O primeiro posto entre emissores de carbono, no Brasil, cabe a São Félix do Xingu (PA). E, das 10 cidades do país que mais produzem poluição climática, 7 estão na Amazônia, contrassenso explicável por vir do desmatamento e da pecuária nossa maior contribuição para o aquecimento global.

Além de São Félix, figuram na lista suja, pela ordem de colocação: Altamira (PA), Porto Velho (RO), Pacajá (PA), Colniza (MT), Lábrea (AM) e Novo Repartimento (PA). Completam a relação São Paulo (quarto lugar), Rio de Janeiro (nono) e Serra (ES), décima colocação garantida por emissões de uma siderúrgica e outras indústrias.

O ranking partiu do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, iniciativa do consórcio de organizações não governamentais Observatório do Clima. Pela primeira vez o grupo analisou emissões individuais, setor por setor, acumuladas de 2000 a 2018 nas 5.570 cidades do Brasil.

O banco de dados constitui fonte copiosa de informações surpreendentes. São Félix do Xingu emitiu em 2018 um total de 29,7 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (medida que equipara a influência de outros gases, como metano, à do CO2).

Com 132 mil habitantes, o município polui mais que países como Uruguai, Chile, Costa Rica ou Noruega. Ali se encontra o maior rebanho bovino do país, cuja digestão lança na atmosfera o metano, potente gás do efeito estufa.

Direta ou indiretamente, a pecuária representa importante indutor de desmatamento, que na localidade paraense contribuiu com 25,44 milhões de toneladas equivalentes de emissões. A floresta derrubada libera na atmosfera todo o carbono da biomassa —madeira, folhas, raízes— quando é queimada ou apodrece sobre o solo.

Não são outras as razões para cidades amazônicas dominarem o ranking. A poluição nelas produzida não afeta só o clima, cumpre assinalar, mas a própria população local, exposta à fumaça das queimadas durante boa parte do ano.

Lideranças do agronegócio costumam alegar que não é necessário desmatar mais para produzir alimentos. Só falta viabilizar tal promessa com ações concretas e políticas públicas condizentes.

Insulto adicionado à injúria – Opinião / O Estado de S Paulo

A esta altura, é difícil saber qual é exatamente a pauta de reivindicações dos caminhoneiros, a não ser levar a desordem ao País

A cidade de São Paulo sofreu ontem com dois protestos de caminhoneiros, que bloquearam vias e infernizaram a vida dos paulistanos, já bastante estressados pelos efeitos terríveis da pandemia de covid-19.

O maior bloqueio ocorreu por cinco horas, pela manhã, a partir da Rodovia Castelo Branco, com reflexos na Marginal do Tietê, no sentido da Rodovia Ayrton Senna. O outro foi na zona sul, na região de Interlagos. O caos no trânsito obrigou a Prefeitura a suspender o rodízio de veículos. Nos dois casos, o motivo do protesto foram as medidas anunciadas pelo governo do Estado para enfrentar o recrudescimento da pandemia e tentar evitar o colapso do sistema de saúde.

A esta altura, é difícil saber qual é exatamente a pauta de reivindicações dos caminhoneiros, a não ser levar a desordem ao País – situação na qual prosperam os demagogos como Jair Bolsonaro, que chegou à Presidência com o apoio de muitos desses transportadores.

Há poucos dias, os caminhoneiros haviam ameaçado parar o Brasil, como fizeram em 2018, se o presidente Bolsonaro não providenciasse logo a redução do preço do diesel. Fiel à sua base, Bolsonaro interveio agressivamente na Petrobrás, trocando o comando da estatal e causando imenso prejuízo à empresa e à imagem que os investidores têm do País, para obrigá-la a reduzir os preços na marra. No front fiscal, Bolsonaro ignorou a necessidade de aumentar a arrecadação para fazer frente à pandemia e para reequilibrar as contas nacionais e mandou isentar o diesel de impostos federais.

Certamente gratos pelo empenho de seu “mito” – ainda que os preços do diesel não tenham caído, pois dependem de muitos outros fatores alheios à vontade do presidente –, os caminhoneiros resolveram retribuir-lhe o mimo causando problemas ao principal adversário de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria.

Depois de estacionarem seus caminhões para atravancar o trânsito, alguns caminhoneiros desceram da boleia para estender faixas onde se lia “Fora Doria, abre São Paulo já”. Esse era o verdadeiro espírito da manifestação – a pandemia foi apenas um pretexto.

Se a preocupação dos caminhoneiros fosse mesmo com os efeitos econômicos das novas medidas de restrição anunciadas pelo governo paulista, o protesto deveria ter servido para cobrar do governo federal a compra e a entrega urgente de vacinas contra a covid-19 – única maneira de mitigar a crise. Mas os caminhoneiros resolveram não causar esse tipo de constrangimento ao presidente da República – que hoje atua mais como um vereador dedicado a defender exclusivamente os interesses particulares de seus eleitores, em especial os transportadores.

A volta do Estado à fase vermelha, a mais dura, do Plano São Paulo – estratégia de restrições de movimento e de funcionamento de negócios para o combate à pandemia – era uma consequência lógica do aumento significativo de casos e de mortes pela covid-19. Os hospitais de várias cidades paulistas, inclusive a capital, estão no limite. Não cabe escolha entre salvar vidas e manter lojas abertas.

Perdem tempo, portanto, os caminhoneiros quando usam de sua agressividade para tentar intimidar o governo paulista e aborrecer os paulistanos. O governo de São Paulo seria inconsequente se não tomasse providências diante do avanço da pandemia. De irresponsável, basta o governo federal.

Ademais, São Paulo e seus moradores nada têm a ver com as vicissitudes dos caminhoneiros. Como se sabe, o problema dos transportadores é de mercado, coisa que não se resolve nem com canetadas destinadas a baixar na marra o preço do diesel, nem com o tabelamento do frete, nem, muito menos, com o fim das restrições implementadas contra a pandemia em São Paulo.

A crise dos caminhoneiros deve ser debitada da conta dos populismos lulopetista e bolsonarista – o primeiro, por ter incentivado a oferta do serviço sem a respectiva demanda; o segundo, por cooptar a categoria para atender a seus propósitos autoritários. Quando resolvem causar confusão em São Paulo em plena pandemia, esses irresponsáveis mostram que só lhes restou servirem de correia de transmissão da truculência de Bolsonaro.

Aprendiz de Chávez – Opinião / O Estado de S Paulo

O Brasil está mais próximo da Venezuela chavista do que Guedes gostaria de admitir

Paulo Guedes é ministro da Economia, mas se dá melhor como comentarista de economia. Como se não estivesse há mais de dois anos à frente do “superministério” que tudo resolveria, e como se o presidente Jair Bolsonaro, que lhe deu o emprego, lhe fosse um desconhecido, Paulo Guedes vive a expressar críticas à condução e ao estado da economia nacional.

Em seus mais recentes comentários, o ministro Guedes alertou que, se o Brasil não seguir seus conselhos, caminhará celeremente para se tornar “uma Venezuela”. Numa entrevista ao podcast PrimoCast, ao condenar a possibilidade da adoção de um programa de auxílio emergencial sem uma contrapartida fiscal, Paulo Guedes declarou que seria uma forma de “empurrar o custo para outras gerações”. E enumerou os problemas: “Juros começam a subir, acaba o crescimento econômico, endividamento em bola de neve, confiança de investidores desaparece. É o caminho da miséria, da Venezuela, da Argentina”.

O ministro estaria coberto de razão, não fosse o fato de ele mesmo integrar, e na ribalta, o governo ao qual cabe articular politicamente a solução que evitaria tão pavoroso desfecho. A não ser, como está cada vez mais claro, que Paulo Guedes seja apenas um ministro honorário, a quem o presidente consulta de vez em quando só para manter as aparências, e não o superpoderoso herói liberal que Bolsonaro vendeu ao mercado na campanha eleitoral de 2018.

O Brasil de Bolsonaro está mais próximo da Venezuela chavista do que o ministro Guedes gostaria de admitir. O presidente, que já expressou sua admiração pelo falecido caudilho Hugo Chávez, segue a cartilha do ditador venezuelano ao militarizar seu governo, ao aparelhar os órgãos de controle e fiscalização, ao tentar inocular no Judiciário a toxina bolsonarista, ao capturar parte do Congresso e ao se afundar no populismo explícito – intrometendo-se na formação de preços, obrigando estatais a trabalhar em favor de seus interesses eleitorais e jogando a população contra governadores e instituições que considera seus inimigos.

Guardadas as proporções, o assalto bolsonarista à Petrobrás é movido pelo mesmo espírito que levou o ditador Chávez a avançar sobre a PDVSA, a poderosa estatal do petróleo venezuelano. Bolsonaro, como Chávez, quer transformar a Petrobrás, maior empresa do Brasil, em esteio de sua demagogia.

Consta que o ministro da Economia não gostou nem um pouco da intervenção de seu chefe na Petrobrás, por razões óbvias, traduzidas pelo mau humor das bolsas, pela fuga de investimentos e pela desconfiança generalizada nos compromissos de Bolsonaro com o livre mercado. A desmoralização explícita de Paulo Guedes e de sua agenda liberal por parte do presidente deveria bastar para que o ministro afinal se desse conta da “venezuelização” do governo e pedisse as contas. Isso ainda não aconteceu, mas Paulo Guedes não escondeu seu desconforto.

Questionado sobre o assunto, numa entrevista à Jovem Pan, o ministro contorceu-se para tentar explicar as razões da ingerência de Bolsonaro na Petrobrás. Admitiu que, “do ponto de vista econômico, o efeito foi ruim”, mas disse que “é compreensível do ponto de vista político”. E foi adiante: “Para o público caminhoneiro, que é um público associado ao presidente Bolsonaro, são eleitores típicos, fiéis do presidente Bolsonaro. O presidente deu uma satisfação. Ele diz: ‘Tirei o cara que disse que não liga para vocês (referindo-se ao presidente da Petrobrás demitido por Bolsonaro) e tirei todos os impostos (sobre o diesel)’”.

Em poucas palavras, o ministro da Economia admitiu que o presidente da República atropelou a governança da Petrobrás, ao arrepio dos interesses dos acionistas privados e das regras básicas da administração pública, somente para atender às reivindicações de eleitores “fiéis”, “típicos”, “associados” a Bolsonaro.

Assim, ouvimos da boca do ministro da Economia em pessoa que o presidente da República gerou imenso prejuízo para a Petrobrás e, consequentemente, para o País, porque precisava dar uma “satisfação” a um punhado de eleitores. Isso ainda não é a Venezuela, mas Hugo Chávez não ficaria decepcionado com seu discípulo hoje instalado no Palácio do Planalto.

Mordaça inaceitável – Opinião / O Estado de S Paulo

Silêncio imposto aos professores da UFPel é tentativa de intimidar os críticos de Bolsonaro

A Controladoria-Geral da União (CGU) impôs uma espécie de mordaça a dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que criticaram publicamente a péssima condução da pandemia de covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro. O que os docentes fizeram nada mais foi do que observar algo que está claro para qualquer cidadão minimamente informado sobre o que se passa no Brasil. O irremediável descaso do presidente da República diante da maior tragédia que se abateu sobre as atuais gerações transformou o que seria uma grave crise de saúde pública neste horror sem fim.

Os professores Pedro Hallal, ex-reitor da UFPel, e Eraldo dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para pôr fim a um processo administrativo na CGU que poderia ter desfecho mais gravoso. Pelos termos do acordo, ambos deverão se abster de manifestar suas opiniões sobre a atuação de Bolsonaro na gestão da crise sanitária pelos próximos dois anos, ou seja, enquanto Bolsonaro for presidente.

É inaceitável. O “acordo” da CGU com os docentes não é outra coisa se não intimidação, uma ação nada sutil de um órgão de Estado não só para calar dois críticos da gestão, por assim dizer, de Bolsonaro, como também, e principalmente, para ameaçar outros servidores públicos que tenham o atrevimento, ora vejam, de apontar os erros e omissões do “mito”, infalível que é.

Dois professores são punidos hoje por manifestações de pensamento que desagradaram ao presidente e seus apoiadores com cargos em órgãos públicos. Amanhã, o que pode acontecer? Até onde irá essa escalada autoritária? Se limites não forem impostos agora, o que impedirá, no futuro, que opositores do governo sejam calados ou até mesmo presos, a depender da interpretação que façam de suas críticas? O Brasil ainda está sob o império das leis. E a Lei Maior garante que é livre a manifestação de pensamento.

A decisão da CGU, tomada após representação feita pelo deputado Bibo Nunes (PSL-RS), bolsonarista de quatro costados, merece firme reação da sociedade. É uma afronta às liberdades de expressão e de cátedra consagradas pelas leis e pela Constituição. À Justiça cabe impor reparações aos ofendidos nos casos de abuso de direitos e violações legais, mas sempre após o exercício do direito.

A CGU classificou as críticas dos professores de “desapreço” a Bolsonaro. O enquadramento como uma conduta tida como “de menor potencial ofensivo” evitou punições mais severas, como a demissão do serviço público, o que teria motivado Pedro Hallal e Eraldo Pinheiro a assinarem o TAC. Mas o caso é aviltante de toda forma. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma desabrida ação para silenciar críticas ao governo.

O Ministério da Educação (MEC) se animou com o avanço liberticida sobre os docentes da UFPel. Após o desfecho na CGU, o MEC enviou ofício às instituições federais de ensino de todo o País “alertando” que manifestações de natureza política nos campi poderiam ser classificadas como “imoralidade administrativa”, sujeitas a punições disciplinares. Com o ofício ameaçador, o MEC enviou uma representação assinada por Ailton Benedito, membro do Ministério Público Federal (MPF) e aguerrido apoiador de Bolsonaro nas redes sociais.

Diante da enérgica reação da comunidade acadêmica e de outros setores da sociedade, o MEC cancelou ontem os efeitos do ofício que servia claramente para “prevenir e punir” a fim de “evitar interpretações diversas da mensagem a que pretendia”, reforçando o “respeito (da pasta) à autonomia universitária preconizada na (sic) Constituição”.

É inconstitucional qualquer ato que atente contra a liberdade de expressão de alunos e professores nas universidades. O Supremo Tribunal Federal (STF) já fixou jurisprudência sobre a questão. O recuo do MEC não garante que os liberticidas deixaram de lado seus objetivos. Que a Corte não falte à Nação nestes tempos estranhos. Novas investidas contra as liberdades virão.

Câmara precisa evitar aventuras na PEC Emergencial – Opinião / O Globo

A PEC Emergencial aprovada pelos senadores traz algum compromisso do governo com o equilíbrio fiscal. Menos enfático do que gostaria o ministro Paulo Guedes, mas poderia ter sido pior se certas emendas tivessem passado na primeira metade da tramitação da proposta no Congresso. Na Câmara, onde o projeto também enfrentará duas rodadas de votação, o risco é o populismo voltar. Os deputados precisam fazer seu trabalho com a urgência que o auxílio necessita, mas sem aumentar o espaço fiscal de modo irreal para criar a nova ajuda aos mais carentes e sem tentar abrir novas brechas para gastos sem limites.

Como previsto, o projeto, relatado pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), chegou à Câmara desidratado. Ficou pelo caminho a extensão ao funcionalismo da possibilidade de um corte de 25% no salário com a equivalente redução na jornada de trabalho (mecanismo idêntico ao que vigorou para assalariados da iniciativa privada, em troca da manutenção do emprego). O lobby do servidores mais uma vez agiu para preservar regalias. Foi possível apenas repetir o congelamento da folha do funcionalismo praticado em 2020, ainda assim será preciso acionar um gatilho quando as despesas correntes atingirem, no período de 12 meses, o limite de 95% das receitas.

O presidente Jair Bolsonaro não deixou de aproveitar a chance para beneficiar as corporações de sua predileção. Prova disso é que o relator incluiu, na última versão do texto, a possibilidade de recursos de fundos públicos serem vinculados à defesa nacional e às Forças Armadas.

Outro item tratado pela PEC que mobiliza interesses pesados são os incentivos fiscais. Estabeleceu-se a meta de que sejam reduzidos em até oito anos para 2% do PIB (hoje são pouco mais de 3%), porém, como sempre, a Zona Franca de Manaus permaneceu intocada. Pelo menos, retirou-se do texto o fim do limite mínimo de gasto com Educação e Saúde, uma proposta de desvinculação que nada tem a ver com o espírito da PEC.

Todo político deveria entender que, com um déficit previsto para este ano de cerca de R$ 250 bilhões e uma dívida em ascensão, nas proximidades de 90% do PIB, o que deve ser feito agora é o exclusivamente necessário numa situação crítica de pandemia sem controle, desaceleração da economia e ampliação da pobreza. O gasto fora do teto previsto para o auxílio, fixado em R$ 44 bilhões, atende à expectativa.

No Senado, tentou-se retirar também o Bolsa Família do limite do teto. Pura insensatez, pois, ao contrário do auxílio, trata-se de uma despesa permanente no Orçamento. Retirá-la do teto equivaleria a dar sinal verde a um aumento de gastos sem limites, com efeitos imediatos no câmbio, na inflação e nos juros. Consta que a manobra chegou a contar com um apoio no Planalto, onde há um grupo “desenvolvimentista” com projetos nas gavetas à espera da flexibilização fiscal.

Não é hora de iniciativas mirabolantes que possam comprometer o equilíbrio orçamentário. A mensagem enviada aos agentes econômicos seria a oposta da que é necessário transmitir. A tramitação na Câmara deve se pautar pela preocupação em não enfraquecer o projeto e evitar aventuras. Tudo deve ser feito para que os defeitos da PEC não sejam usados em manobras para deixar os gatilhos da contenção de despesas para um dia que jamais chegará.

Restrições decretadas por Paes são necessárias, mas ainda tímidas – Opinião / O Globo

Demorou, mas o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), decidiu adotar medidas de restrição para tentar frear a transmissão avassaladora do novo coronavírus e de suas terríveis variantes. A segunda maior cidade do país é uma das últimas a fazê-lo. Pelo decreto de Paes, desde ontem vigora uma espécie de toque de recolher das 23h às 5h em todos os bairros (a circulação não está proibida, apenas a permanência nas ruas); restaurantes e bares só poderiam funcionar das 6h às 17h, mas uma liminar da Justiça ontem permitiu a abertura até as 20h; quiosques da orla, boates e casas de shows ficarão fechados; o comércio de modo geral só poderá abrir das 6h às 20h, com 40% da capacidade. As restrições valem até o dia 11 e não se aplicam a atividades essenciais como serviços de saúde, farmácias, postos de gasolina, transportes e entregas em domicílio.

Sem dúvida, são medidas necessárias, porém ainda tímidas, considerando o colapso iminente das redes pública e privada de saúde no momento mais crítico da pandemia. O decreto mantém as praias liberadas, diferentemente do que ocorre noutras cidades, como Salvador — difícil imaginar que o vírus não goste de praia. O toque de recolher também é menos rigoroso do que o pedido pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em carta aberta à nação (das 20h às 6h).

A questão do transporte é outro ponto nevrálgico que passou em branco. Diariamente somos apresentados a cenas inconcebíveis de aglomeração nos BRTs. É verdade que o sistema vem funcionando mal há tempos. A prefeitura já anunciou que retomará a concessão para nova licitação. Mas, ao menos no curto prazo, não se deve imaginar que os ônibus esvaziarão. Trata-se de problema crônico, que deve ser enfrentado. De nada adiantam decretos hipócritas, como os do governo Marcelo Crivella, determinando que ônibus só poderiam transportar dois passageiros em pé por metro quadrado. A determinação foi esmagada pela realidade.

É lamentável que mesmo essas medidas tímidas sejam boicotadas pelo governador Cláudio Castro, aliado do presidente Jair Bolsonaro, avesso a máscaras, distanciamento e lockdowns. Na quinta-feira, ao inaugurar um restaurante popular em Caxias, Castro provocou uma aglomeração e desdenhou as medidas de restrição. “Os dados mostram que no estado, pelo menos, não há essa necessidade.” Não se sabe a que dados Castro se refere. Os da Fiocruz mostram que o Rio é um dos seis estados onde as variantes mais transmissíveis do Sars-CoV-2 se esbaldam. Não é difícil imaginar os próximos capítulos da trama.

Não é por acaso que o Rio — cenário de escandalosa roubalheira na Saúde e de incontáveis equívocos no combate à pandemia — registra hoje a maior taxa de mortalidade da Federação. Pode ser que a situação não se compare à de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Mas o vírus não respeita fronteiras. O caos antes restrito a Manaus se disseminou pelo país todo. Não há por que pensar que o Rio será poupado. É preciso agir enquanto é tempo.

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