A
editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber Avelar, “Eles em nós”,
que busca interpretar os acontecimentos recentes da política brasileira com os
instrumentos da análise retórica.
O
maior mérito da obra é examinar os processos políticos recentes, reconstruindo
cuidadosamente os acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente distanciada.
A posição política do autor, que vem da esquerda, mas se afasta dela, confere
rara equidistância para tratar criticamente as administrações petistas e o
governo Bolsonaro.
A
principal limitação do livro é justamente o que seria a sua virtude: o uso de
categorias da retórica para explicar os processos políticos. Avelar tem larga
experiência como comentador político, mas preferiu se apoiar em sua
especialidade, como professor de Literatura, para se lançar neste projeto de
interpretação do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às vezes
dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as questões.
Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura de linguagem que combina palavras de sentido oposto) para tratar das contradições do lulismo. Mostra que, enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi como interlocutor; enquanto atacava os meios de comunicação, ampliava as verbas de publicidade do governo.
A
análise dessas contradições é perspicaz, mas o recurso à figura do oximoro não
as ilumina. Lula não empregava expressões antinômicas, mas adotava uma postura
ideológica junto à militância, contraditada por seu pragmatismo como
presidente. Se se debruçasse sobre o conceito de “governo em disputa”,
reivindicado pela militância petista, talvez pudesse entender melhor o
fenômeno.
Avelar
caracteriza essa ambivalência como uma forma de administração dos antagonismos
sociais. E é essa forma de gerenciar os conflitos que teria implodido com os
protestos de junho de 2013. A incapacidade do sistema político de entender e
dar resposta à revolta teria criado as condições para a emergência de
Bolsonaro, cuja radicalidade antissistêmica daria uma expressão de ultradireita
aos antagonismos represados.
O
último capítulo do livro trata da ascensão de Bolsonaro. Avelar explica sua
candidatura a presidente por meio de uma aliança entre o agronegócio, o
punitivismo policial e judiciário e o evangelismo cristão. A coalizão teria, no
ativismo de internet, uma espécie de vanguarda digital e seria sacramentada
pelo compromisso liberal de Paulo Guedes.
A
enumeração das forças políticas que apoiam Bolsonaro é bem ponderada, mas a
sugestão de que Bolsonaro tenha costurado uma coalizão política é pouco
amparada em evidências. Tudo indica que Bolsonaro lançou sua candidatura de
maneira aventureira e foi ganhando o apoio desses setores à medida que se
popularizava.
As explicações de Avelar nem sempre são persuasivas, mas o livro tem o mérito de fazer as perguntas certas. Entender como passamos do impulso libertário de junho de 2013 para o pesadelo autoritário de 2018 segue sendo um dos grandes desafios da inteligência brasileira.
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