As
ações de Bolsonaro não são consequência de sua ideologia, mas da estratégia de
dividir para conquistar ou amedrontar para governar
A
explosão de mortes pelo coronavírus nas últimas semanas acompanhada pela
relutância do governo à compra de vacinas, o boicote às mascaras e ao lockdown,
e a indiferença com que o presidente Jair Bolsonaro trata as mortes, levam
muitos a se perguntarem como o Brasil pôde eleger um líder tão incompetente e
indiferente ao sofrimento humano.
Porém
uma forma alternativa de pensar nas ações do presidente é que elas não são
consequências de sua ideologia ou inépcia, e sim de uma estratégia de dividir
para conquistar ou amedrontar para governar. Quanto mais dividida estiver a
sociedade, maior a capacidade do presidente de instaurar o medo do “outro lado”
voltar ao poder. E quando o medo domina os seres humanos, o tribalismo aflora
em sua máxima expressão.
Um modelo elegante que captura essas dimensões foi publicado em 2007 pelo professor de economia de Yale, Gerard Padro-i-Miquel. No trabalho “O controle de políticos em sociedade divididas: a política do medo” ele se pergunta como é possível que em sistemas autocráticos exista tanta corrupção por parte do governo coexistindo com o uso de políticas públicas ineficientes, pobreza generalizada, e mesmo assim um autocrata consegue se manter no poder.
Ele
propõe um modelo onde a sociedade está dividida por grupos étnicos e as
instituições são fracas. Nesse modelo simples um governante precisa do apoio do
seu grupo étnico. Para garantir esse apoio ele pode taxar atividades diferentes
e direcionar transferências diretamente para o seu grupo.
Quando
o líder é substituído, isso gera instabilidade e a troca do grupo étnico que
está no poder. Assim o grupo que antes se beneficiava perde o acesso às
transferências.
Este
modelo gera diversos resultados interessantes. O primeiro é que a necessidade
de “comprar” apoio faz com que o governo implemente políticas ineficientes em
forma de patronagem direcionada ao seu grupo étnico. O segundo é a falta de
responsabilização do governante que não precisa maximizar o bem-estar dos seus
apoiadores pela “política do medo”.
O
medo do líder que representa seu grupo étnico ser retirado do poder e um novo
líder direcionar os recursos para o outro grupo faz com que os cidadãos apoiem
seu governante cleptocrata. Além disso o modelo gera ciclos de poder onde
sempre haverá governantes ruins que serão apoiados por seus respectivos grupos
étnicos.
Padro-i-Miquel
tinha em mente sistemas autocráticos de alguns países africanos quando escreveu
esse modelo. Mas podemos facilmente substituir grupos éticos por clivagens
ideológicas e obter resultados que explicam o comportamento de Jair Bolsonaro.
Enquanto
houver um grupo de eleitores que acredite que um candidato alternativo como
Lula implementará políticas muito diferentes que os prejudicará — sejam elas
políticas econômicas, educacionais ou o controle do uso de armas — Bolsonaro
poderá desviar do que seria uma política apropriada e mesmo assim manter seu
suporte popular.
Como
consequência da necessidade de manter esse apoio, o presidente precisa reforçar
a “política do medo” cada vez que seus indicadores pioram.
O
comportamento de Bolsonaro se assemelha ao de Donald Trump que também utilizou
um discurso polarizador para instaurar uma “política do medo” antes das
eleições de 2020 prometendo que, caso os democratas fossem eleitos, os EUA se
transformariam na Venezuela socialista.
Mas
a catastrófica gestão da crise da Covid e os protestos pela morte de George
Floyd fizeram com que mais eleitores democratas fossem votar e que muitos
eleitores republicanos mudassem de lado a tempo de impedir sua reeleição.
Infelizmente
não há saída fácil para a atual situação que vive o Brasil. Mesmo com o número
de mortes por Covid crescendo a cada dia, Bolsonaro continuará falando sobre a
pergunta de gênero na prova do ENEM, no fato de máscaras serem prejudiciais
para crianças ou na Cloroquina.
E conforme o número de mortes aumentar, mais polarizado ficará seu discurso e suas políticas públicas. A situação só mudará quando seus apoiadores entenderem que há um comportamento genocida no atual presidente e que não há ideologia de gênero em escola que compense pelas milhares de mortes causadas pela sua gestão.
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