O
Ministério Público, a Câmara e o Senado precisam cumprir o dever de salvar o
País
Em
que momento a considerável parcela da população que ainda acorre às
aglomerações ilícitas provocadas pelo presidente vai se dar conta de estar, em
crença fanática, a louvar um perverso para quem o medo da morte por asfixia é
“mimimi”? Até quando o Brasil será conduzido pelo quarto cavaleiro do
apocalipse?
Bolsonaro
não é presidente para administrar o País, mas tão só para se reeleger em 2022,
seu único interesse, mesmo que venha a ser apenas presidente do cemitério.
Jamais assumiu a liderança do enfrentamento da covid-19, preocupado só em
atribuir a crise econômica e a perda de empregos a governadores e prefeitos,
para se livrar dessa responsabilidade e angariar votos.
Bolsonaro,
absolutamente indiferente ao crescente número de mortos, muitos sem oxigênio ou
nos corredores por falta de leitos em UTIs, passeia pelo País sem máscara,
promovendo aglomerações, nunca se compungindo diante da dor ou visitando algum
hospital. Somente mandou sequazes invadir hospitais para flagrar ser mentira
sua superlotação!
Continuamente conspirou contra a importância da vacina, cuja pressa em obtê-la ridicularizou, proclamando mentirosamente haver efeitos colaterais nocivos, desorientando a população.
Os
obstáculos ao combate ao vírus não se limitaram aos maus exemplos. Deixou de
adquirir, em julho, vacinas Coronavac e da Pfizer, impôs vetos de verbas e
ignorou a cooperação com Estados e municípios na precaução e reação contra a
doença, como ressalta estudo realizado pela Universidade de São Paulo, por meio
do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade
de Saúde Pública, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos (Direitos na
Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no
Brasil, em https://www.conectas.org/publicacoes/download/boletim-direitos-na-pandemia-no-3).
Esse
estudo revelou a existência de uma “estratégia institucional de propagação do
vírus”, entendendo ser “razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje” a mãe,
o pai, irmãos e filhos vivos “caso não houvesse esse projeto institucional”.
Conclui-se, então, não haver tão só incompetência e negligência, mas “empenho
em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente
com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a
qualquer custo”.
A
comprovar tal conclusão, verifica-se que, de R$ 24 bilhões disponíveis no
Orçamento para compra de vacinas, apenas R$ 2 bilhões foram gastos em 2020 (Folha
de S.Paulo, 1.º/3, pág. A13). Tão grave quanto isso foi o corte de
financiamento de leitos de UTI nos Estados para atendimento a pacientes com
covid-19, que o STF acaba de mandar seja realizado (Estado, 1.º/3, A12).
Ao
pôr a ambição política acima da proteção da saúde de seu povo, Bolsonaro revela
egocentrismo incompatível com a permanência como primeiro mandatário, pois
brasileiros foram lançados, por sua insensibilidade, na tragédia que a OMS
reconhece estar instalada entre nós.
Quatro
ex-ministros da Saúde clamam por um governo de salvação nacional ou pela
criação de um gabinete de crise que dirija e coordene o enfrentamento da
pandemia, sob o risco de afundarmos definitivamente na desgraça. Como fazer?
Há
meio breve, justo e correto, já aventado antes por vários juristas. Ao
Ministério Público, que tem por missão a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos direitos sociais, entre eles o da saúde, cumpre promover, em
face desses fatos, ação penal por crimes contra a saúde pública e contra a paz
pública, o primeiro previsto no artigo 268 do Código Penal: “Infringir
determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de
doença contagiosa”.
Ademais,
ao estimular a população a se aglomerar, não usar máscara e não se vacinar, o
presidente incita-a a praticar o crime acima mencionado, configurando-se,
então, o delito do artigo 286 do Código Penal: “Incitar, publicamente, a
prática de crime”. Ou seja, compele a se infringir determinação do poder
público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa.
Há,
evidentemente, dois desafios: 1) fazer o procurador Aras sair de seu
imobilismo, sendo essencial a pressão da sociedade e de colegas procuradores; e
2) a Câmara dos Deputados, ciente da gravidade do momento, aceitar a denúncia,
afastando o presidente, para o vice, em governo de união nacional, atuar em
prol da salvação de nossa gente.
Outra
forma seria a assunção da condução da área da Saúde pelo Congresso Nacional,
via CPI ou promovendo o impeachment do ministro (artigo 14 da Lei n.º
1.079/50), cabendo ao novo titular da pasta atuar em conjugação com secretários
de Saúde dos Estados.
A sociedade civil organizada, hoje silente, deve se manifestar por via de suas inúmeras entidades, exigindo que Ministério Público (competente, sim, para processar o presidente, como o fez contra Temer), Câmara dos Deputados e Senado cumpram o dever de salvar o País. Mexa-se, Brasil!
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
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