Logo
teremos eleições e preocupa muito que não elejamos quem defenda os interesses
coletivos
O
advogado, escritor, político e revolucionário Maximilien Robespierre
conquistava simpatizantes com posições humanistas, era contrário à escravidão,
à pena de morte e defendia a participação política de todos os cidadãos,
independentemente de seu lastro financeiro.
Ele
se tornaria líder dos jacobinos, ala revolucionária mais radical, e rapidamente
sua parcimônia seria substituída pelo autoritarismo, que em nome da causa
decapitaria amigos por divergências de toda ordem. Mas da ala dos descontentes
um estruturado revés levaria também sua cabeça para rolar na Place de la
Concorde.
Na
democracia, os reveses que inquietam por alternar extremos ideológicos também
principiam nas insatisfações, porém se concretizam nas urnas, sem ferimentos
democráticos. Uma vez empossado, o novo mandatário deve abandonar a
belicosidade eleitoral e encontrar os caminhos para validar suas promessas, sem
distanciamento dos crivos institucionais e do sentimento popular, sob o grave
risco de decapitação no pleito seguinte, ou durante o vigente.
É
alternativa condenável o aparelhamento do sistema administrativo para, em
seguida, mutilar as instituições e modular o governo longe da participação
popular. Essas estratégias, ou tentativas, para linhas à direita ou à esquerda,
ensaiadas ou implementadas, nunca deixam bons saldos.
Outra tática para dominar as massas e os consequentes triunfos políticos contempla alinhamento por arrimos religiosos, não faltando habilidosos articuladores que se utilizam, para suas próprias pretensões, da fé incondicional dos seguidores. As religiões têm variadas teceduras em suas origens, provavelmente a frágil pequenez humana perante o universo tenha sido detectada muito cedo por nossos ancestrais e, desde quando nós encontramos registros, nossa jovem espécie tem seus credos.
A
adoção do cristianismo, em 323, por Constantino, no Império Romano, foi
simbiótica, crucial para estender a sustentação imperial, porém ainda mais
importante na imensa propagação da religião cristã. Mas a frente única de
doutrinas seria contestada em sua hegemonia quase 12 séculos depois, por
Martinho Lutero, principiando dissidências que se estabeleceram em diversos
nomes.
Importante
marco das cisões internas no cristianismo, e notório exemplo da relação entre
religião e poder, se deu quando Henrique VIII oficializou a Igreja Anglicana em
substituição à Católica. A atitude do rei, em 1534, foi tomada em retaliação ao
papa, que não lhe concedera o divórcio de sua primeira esposa, a rainha
espanhola Catarina de Aragão. Henrique estava decidido a se casar com Ana
Bolena.
A
partir de então, a Grã-Bretanha viveria séculos de terror nos grandes duelos
entre cristãos de uniformes diferentes, enquanto na França, do mesmo modo, se
verificavam muitos massacres e sangue antes e depois da permissão para o culto
protestante.
A
mistura de religião e poder é cáustica e perigosa, emotiva e raramente
racional, míope quando homogênea e segregante, assim como tempestuosa, se é
impositiva. Por outro lado, o elo entre a religiosidade e as soluções de
enfermidades permanece no imaginário humano, e aqui não se discutem suas bases,
mas a ciência caminha bem por quase todas as crenças. São bastante pontuais
afrontamentos religiosos perante condutas ditadas pela ciência, e
propositadamente não enunciarei nenhum deles.
Muito
embora alguns credos, em raras ramificações, contemplem sacrifícios, em geral
sucede o contrário, buscam dádivas que intercedam em sobrevivências ameaçadas,
habitualmente em favor da vida.
Sobraram
vozes consonantes, em Legislativos e Executivos de todas as nossas esferas
governamentais, para o desesperado manifesto de alguns líderes religiosos
solicitando exceção para execução de cultos, em oposição contundente às então
orientações das autoridades sanitárias. Buscavam apoio oficial para convocar
fiéis à aglomeração, chamamento que já verificava em ato clandestino, desumano
e inaceitável para os propósitos dessas instituições.
Fosse
a arrecadação dos dízimos para quitar os débitos de R$ 1,9 bilhão inscritos na
Dívida Ativa da União, seria ao menos compreensível, embora equivocado. Contudo
o argumento se derramava no que entendem como necessário louvor a Deus, sugerindo
incapacidade do ser supremo quanto à onipresença nos lares e quinhões
planetários.
Por
aqui, todos os dias surgem Robespierres de inúmeras tribos com a promessa
paladina de uma inadiável limpeza institucional, mas perdem a mão ou pelo
exagero, rasgando o Código Penal, ou desmantelando (aparelhando) a estrutura
para estender o domínio, sem nos distanciar do caos. Na mesma esteira são
muitos os candidatos a Henriques VIII, resolvendo suas dores com os suores e
vidas de seus fiéis e/ou eleitores.
Preocupa
muito que em breve escolhamos nas eleições os representantes do empresariado,
da indústria, do mercado financeiro, do setor imobiliário, de frações
religiosas, de facções criminosas e de grupos de extermínio, mas não elejamos
ninguém que defenda os interesses coletivos.
*Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP, é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
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