quarta-feira, 26 de maio de 2021

Cristiano Romero - Em meio à tragédia, alguma esperança

- Valor Econômico

Apesar de ruídos, Brasília aprovou mudanças relevantes

Há cinco semanas, o boletim Focus do Banco Central (BC) vem registrando sensível melhora nas projeções do mercado quanto ao desempenho da economia brasileira neste ano. Analistas começaram o ano razoavelmente otimistas, mas, com o agravamento da pandemia, o bom humor logo deu lugar a previsões de novo desastre num país que não sabe o que é crescer há longos sete anos. Há pouco mais de um mês, porém, economistas de bancos, gestoras de recursos e instituições de pesquisa econômica voltaram a crer num ritmo mais forte de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021.

No boletim Focus desta semana, a mediana das expectativas, numa amostra com 73 participantes, projeta alta de 3,52% para o PIB no ano. Quatro semanas atrás, a mediana estava em 3,09%. A equipe de macroeconomia do banco Itaú, chefiada por Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central, já descolou do Focus - a previsão é de expansão de 4%, que, se de fato ocorrer, será a maior em dez anos.

É bom alertar que, se o Focus vem mostrando melhora nas expectativas de crescimento, o mesmo não pode ser dito em relação à inflação. A mediana das projeções mostra inflação mais alta há sete semanas - na mais recente, 5,24%, numa amostra de 124 respondentes da pesquisa. Isto significa um IPCA acima da meta fixada para este ano, mas ainda dentro do intervalo de tolerância do regime (5,25% para cima e 2,25% para baixo).

O mesmo Focus mostra, todavia, que as expectativas para horizontes mais amplos - 2022 (mediana de 3,61%) e 2023 (3,25%) - estão ancoradas, o que significa dizer que o mercado acredita que o BC vá reduzir a inflação no médio prazo. No regime de metas para inflação, coordenar as expectativas, isto é, manter as projeções dos agentes econômicos em linha com a meta definida cumpre uma boa parte do trabalho de controle inflacionário.

A conjuntura melhorou, em boa medida, graças ao ambiente externo. As duas maiores economias, além de terem controlado a pandemia, fazendo com que pouco menos de dois bilhões de habitantes do planeta voltem a ter vida normal, estão despejando trilhões de dólares em investimentos em infraestrutura.

Produtor competitivo de commodities agrícolas e metálicas, este país a que chamamos de Brasil se beneficia direta e instantaneamente da alta previsível dos preços internacionais. Um efeito colateral positivo desse movimento - a valorização do real frente ao dólar - talvez não esteja sendo devidamente considerado por alguns analistas. A apreciação do real ajuda a segurar os preços domésticos, e isso é especialmente relevante no momento em que a inflação se mostra saliente. E, como nos ensina o professor Afonso Celso Pastore, reduz o custo de capital das empresas brasileiras, ao reduzir os preços de máquinas e equipamentos, uma vantagem importante para quem se prepara para voltar a investir.

Mas, a conjuntura de nada valeria se, por aqui, como já ocorreu em outros momentos, estivéssemos vivendo em terra arrasada. O governo Bolsonaro é, sem sombra de dúvida, o mais controverso, criticável, desde o início da Nova República (1985). O presidente e seus filhos atentam diariamente contra os aspectos mais civilizadores de nossa sociedade, já marcada desde a fundação pela ignomínia da escravidão e da discriminação do outro. Se fôssemos uma nação, Bolsonaro não teria chegado ao poder justamente por não se reconhecer o outro.

Na economia, graças à conjunção de uma agenda abraçada, inicialmente, pelo governo Michel Temer, depois pelo Congresso e, em seguida, pela equipe econômica do novo governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes, foram promovidas mudanças que agora facilitam o retorno do crescimento. Dizer o contrário é brigar com a notícia.

“Política econômica é um tema fascinante. Por diversas vezes, medidas importantes passam despercebidas ao grande público. Contudo, no longo prazo, o acerto de tais medidas é peça chave na determinação do bem estar da sociedade. Em 2019, foi estabelecida uma diretriz de política econômica centrada no binômio: consolidação fiscal e aumento de produtividade”, sustenta o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida.

O secretário enumera, inicialmente, os ganhos obtidos na área fiscal, sem os quais a confiança dos investidores permaneceria aplacada. Em menos de 30 meses de governo, diz ele, um novo marco fiscal foi aprovado, com as seguintes medidas: reforma da previdência, lei do contribuinte legal (transação tributária), leis complementares 173 (Lei de Assistência aos governos estaduais e municipais que impediam aumento de salário para funcionários públicos por dois anos (2020-21),176 (resolução do passivo da Lei Kandir) e 178 (estabelecendo gatilhos para estados e municípios e melhorias na LRF),

e a emenda constitucional 109 (PEC Emergencial).

No conjunto, essas medidas refletem a preocupação com a estabilização da relação dívida-PIB e a consequente consolidação fiscal. Os resultados, assina Sachsida, podem ser vistos por quatro indicadores:

1) o déficit estrutural calculado pela Secretaria de Política Econômica permaneceu praticamente inalterado mesmo num cenário de fortes gastos públicos decorrente da pandemia (era de -1,16% em 2019, e de -1,33% do PIB em 2020);

2) o superávit primário nas contas do Tesouro Nacional (no primeiro trimestre do ano, o governo central registra superávit de R$ 24,4 bilhões);

3) dados do PRISMA Fiscal mostram que os resultados fiscais realizados estão consistentemente melhores do que os previstos pelo mercado (o erro médio de julho/20 até março/21 foi de aproximadamente R$ 19 bilhões);

4) estimativas de mercado (PRISMA de maio/2021) sugerem que a relação dívida bruta do governo geral-PIB deve terminar 2021 em 89%, um resultado razoável se se levar em conta que, em junho do ano passado, esperava-se para 2021 uma relação de 93%.

“Em fevereiro de 2020, estimativas do Tesouro Nacional apontavam para uma economia aproximada de R$ 400 bilhões em 4 anos decorrente da redução dos gastos com o pagamento de juros da dívida”, diz o secretário. Numa outra oportunidade, esta coluna tratará das medidas tomadas para aumentar a produtividade da economia.

 

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