- O Globo
Os consumidores precisam contar com o fornecimento perene de energia elétrica e a preço justo. Isso requer ambiente competitivo entre as empresas do setor elétrico; regulação adequada para estimular o investimento e para proteger o consumidor de abusos; e planejamento para garantir fontes de energia alternativa, adequadas a cada região do País, conforme as suas vantagens naturais.
A privatização da Eletrobras deveria se
inserir nesse objetivo, principalmente pelo seu peso no setor (responsável por
1/3 da oferta de energia) e sua incapacidade de manter um nível adequado de
investimento – tem sido da ordem de R$ 3 bilhões ao ano ante uma necessidade de
R$ 15 bilhões, segundo a empresa.
No entanto, o projeto de lei de
conversão aprovado pela Câmara peca em várias frentes, incorporando assuntos
estranhos à matéria (“jabutis”), sem amparo técnico, e levando para o
Legislativo uma função de planejamento que é do Executivo.
O projeto está mais focado em atender (inadequadamente) lobbies do que em beneficiar a coletividade, pois produz reservas de mercado e cria distorções que resultam em energia mais cara. E ao impor tantas exigências à Eletrobras, reduz potencialmente a receita da privatização para os cofres públicos.
Em que pese a necessidade de prover
segurança na oferta de energia, este é um assunto do poder público, com
soluções técnicas. Vale citar que os problemas atuais de reservatórios vazios
não serão resolvidos pela medida, até porque a maturação de investimentos é
longa.
É compreensível a utilização de políticas
governamentais (temporárias) para promover o desenvolvimento de novas
tecnologias. Essa foi a justificativa para o Proinfa (Programa de Incentivo a
Fontes Alternativas de Energia Elétrica), criado em 2002 para estimular o
investimento em pequenas centrais hidrelétricas (PCH), biomassa e eólica.
Pagou-se mais caro por essa energia com o intuito de inserir essas fontes na
matriz energética, para sua diversificação.
Passados 20 anos, esses segmentos atingiram
maturidade. Mesmo assim, o programa será renovado por mais 20 anos, a preços
tabelados em muitos casos superiores aos do mercado livre. Um peso sobre a
Eletrobras e os consumidores.
O projeto também obriga a empresa a
contratar, nos próximos anos, energia de termelétricas a gás natural com
operação (em grande medida) ininterrupta e de PCHs. Pior, motiva a implantação
de térmicas e gasodutos no NO, NE e CO, em conflito com o marco regulatório do
gás natural recém aprovado, que define o investimento onde há valor econômico.
O especialista Edvaldo Santana aponta, por
exemplo, que não convém fazer térmicas no Norte, uma região exportadora de
energia, com limites de despacho e distante da fonte do recurso natural.
Investimentos em gasodutos precisam ser bem
delimitados, não apenas para evitar projetos inadequados, mas também por conta
da transição energética para energias mais limpas, que tende a acelerar e os
tornará inviáveis no médio-longo prazo. De quebra, ferir os princípios ESG pode
vir a ser mais um fator a reduzir o interesse do setor privado pela empresa.
Aliados do governo fecham os olhos para o
ônus sobre o consumidor e até afirmam que haverá benefícios, pois a receita da
privatização contribuirá para reduzir tarifas de energia. Não é bem assim.
Inclusive, parte dos recursos será utilizada para a recuperação de bacias
hídricas (como do São Francisco e do Parnaíba).
A propósito, seria melhor constituir um
fundo desses recursos e utilizar os fluxos de seu rendimento para projetos
específicos, já que são despesas de caráter permanente.
Esses jabutis já haviam sido, não à toa,
rejeitados pelo Congresso em projetos anteriores. Mesmo assim, o presidente da
Câmara, Arthur Lira, impediu o necessário debate nas comissões. Ao mesmo tempo
que agrada aliados e grupos organizados, passa a suposta imagem de reformista,
ocultando que se trata de uma medida ruim.
Os ministérios envolvidos se omitem em
apontar os problemas e, a julgar por declarações recentes de Paulo Guedes, seu
foco é a reeleição de Bolsonaro, prometendo ir “para o ataque”. São lados da
mesma moeda.
O governo, focado em 2022, terceiriza ao
centrão uma medida tão importante. O ambiente está propenso a mais desvios.
Todo o cuidado é pouco nas discussões de outras reformas, como a tributária.
O Senado não deveria se omitir.
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