- Valor Econômico
Ao contrário dos EUA, o quadro do mercado
de trabalho no Brasil é desfavorável
Os EUA contribuirão bastante para o
crescimento global deste e do próximo ano, com a sua economia respondendo aos
expressivos estímulos fiscais e monetários, bem como à rápida recuperação da
confiança associada à vacinação contra a covid-19. Após contrair 3,5% no ano
passado, o PIB dos EUA pode crescer em torno de 7% em 2021 e de 5% em 2022.
Isso corresponderia a 2,7% ao ano em três anos, acima do que era esperado no
começo da pandemia - muito superior à expansão média do Brasil de 2020 a 2022
de 1,6% ao ano em um cenário muito otimista.
O consumo das famílias - 66% do PIB dos EUA
de US$ 20,9 trilhões em 2020 - recuou 3,9% no ano passado. A forte retomada a
partir do 3º trimestre passado e a persistência da recuperação garantirão um
crescimento do consumo por volta de 7,5% em 2021 e de 4,5% em 2022. A dinâmica
desde meados de 2020 tem sido favorecida pela transferência de recursos para a
sociedade por meio de repasses diretos, ampliação do seguro-desemprego e
financiamentos para as empresas manterem seus funcionários.
A continuidade desse movimento dependerá da evolução benigna da vacinação. Sua persistência será estimulada pela provável utilização até o fim de 2022 de grande parte do aumento da taxa de poupança de 7,5% do PIB em 2019 para 16% do PIB em 2020, resultante das restrições de mobilidade e da consequente redução na demanda por serviços.
A dinâmica do consumo das famílias no
Brasil não é muito diferente da americana, ambas com forte expansão a partir do
3º trimestre de 2020. No entanto, as previsões para a expansão brasileira são
menores - 5% em 2021 e 2% em 2022, por conta de um processo de vacinação muito
mais lento, do fim das transferências para os mais desfavorecidos e do
desemprego elevado. A incerteza sobre a evolução das contas públicas e sobre o
panorama político até as eleições do próximo ano são causas adicionais para uma
dinâmica menos favorável no Brasil.
A trajetória benigna do PIB dos EUA será
também influenciada pelos investimentos - 17% do PIB. Após a contração de 4% em
2020, os investimentos das empresas crescerão quase 10% neste ano e 5% em 2022.
Esse aumento responde à aceleração dos gastos em tecnologia em um cenário de:
ampliação do trabalho remoto; mudança do consumo para um ambiente digital; e
necessidade de aumento da produção, inclusive para recomposição dos estoques,
após a forte expansão do consumo em um contexto de entraves nas cadeias de
suprimentos. Ademais, os investimentos tendem a ser estimulados pela ampliação
dos projetos em fontes de energia renovável e pelos primeiros efeitos do
programa de infraestrutura do governo americano.
Da mesma forma, os investimentos
residenciais são cruciais para a dinâmica favorável da economia, com alta de
6,1% em 2020 e expectativa de expansão de cerca de 20% neste ano e 10% em 2022.
A longa duração da pandemia explica os gastos para melhoria das residências e o
deslocamento das famílias, ao menos temporariamente, para cidades e regiões com
menos aglomerações.
A redução dos investimentos em 2020
assegurará, por conta do efeito-base favorável, uma expansão dos investimentos
no Brasil em 2021. Não obstante, o hiato do produto muito aberto e as
incertezas em diversas frentes dificilmente garantirão desempenho muito
positivo em 2022.
A eclosão da pandemia foi acompanhada pelo
aumento da taxa de desemprego nos EUA de 3,5% em 2019 para 13% no 2º trimestre
de 2020, enquanto a relação de empregos como proporção da população em idade
ativa recuou de 61% para 53%. Desde então, as condições do mercado de trabalho
têm melhorado, com a taxa de desemprego alcançando 6% em abril. A expectativa é
que essa relação recue para 5% em 2021 e a 4% em 2022.
A desaceleração da população ocupada nos
EUA em março e abril ampliou a discussão sobre a dificuldade para contratação
de trabalhadores, em particular daqueles com menores salários, mesmo com 8
milhões de desempregados a mais do que antes da crise sanitária. A menor oferta
de trabalho deve-se à antecipação da aposentadoria por muitos trabalhadores
durante a pandemia e, principalmente, à alta do custo de oportunidade gerada
pelos programas federais - envio de cheques para uma parte da população e
aumento adicional de US$ 300 por semana do salário-desemprego até 6 de setembro
- expira em alguns Estados em junho ou julho. Esses pagamentos reduzem o
interesse pelos empregos com menores salários e explicam a significativa
elevação dos salários dessas atividades nos últimos meses.
Ao contrário dos EUA, o quadro do mercado
de trabalho no Brasil é desfavorável. Em vez de mostrar um recuo expressivo
como nos EUA após a sua alta no 2º trimestre, a taxa de desocupação no Brasil
permanece acima de 14% desde agosto e a massa salarial mais de 10% abaixo da
média de 2019. O desemprego permanecerá provavelmente alto neste ano, com a
força de trabalho aumentando nos próximos trimestres dos atuais 100 milhões
para próximo à média de 2019 de 106 milhões. Para 2022, a alta incerteza fiscal
e política pode dificultar um recuo expressivo da desocupação.
Mesmo tendo um PIB cerca de 15 vezes maior
do que o do Brasil, a economia dos EUA cresceu mais do que a brasileira nos
últimos 40 anos - crescimento anual médio de 2,5% nos EUA e 2,2% no Brasil.
Essa diferença é mais expressiva quando se considera a última década, quando a
expansão anual média foi de 1,7% nos EUA e 0,3% no Brasil. A diferença é ainda
maior no PIB per capita, com o crescimento populacional anual de 0,5% nos EUA e
0,8% no Brasil. O início dos anos 2020 sugere que esse padrão não se alterou,
com o país se afastando cada vez mais da aspiração de alcançar um maior
crescimento.
A menos que o próximo governo e o Congresso avancem com ajustes muito mais profundos do que os aprovados e os em tramitação no Congresso nos últimos anos, o Brasil ficará cada vez mais para trás em termos de desenvolvimento das economias desenvolvidas e de países que enfrentaram guerras, crises e desastres em um passado não muito distante. Triste sina!
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