quarta-feira, 26 de maio de 2021

Nilson Teixeira - Retomada dos EUA dá inveja ao Brasil

- Valor Econômico

Ao contrário dos EUA, o quadro do mercado de trabalho no Brasil é desfavorável

Os EUA contribuirão bastante para o crescimento global deste e do próximo ano, com a sua economia respondendo aos expressivos estímulos fiscais e monetários, bem como à rápida recuperação da confiança associada à vacinação contra a covid-19. Após contrair 3,5% no ano passado, o PIB dos EUA pode crescer em torno de 7% em 2021 e de 5% em 2022. Isso corresponderia a 2,7% ao ano em três anos, acima do que era esperado no começo da pandemia - muito superior à expansão média do Brasil de 2020 a 2022 de 1,6% ao ano em um cenário muito otimista.

O consumo das famílias - 66% do PIB dos EUA de US$ 20,9 trilhões em 2020 - recuou 3,9% no ano passado. A forte retomada a partir do 3º trimestre passado e a persistência da recuperação garantirão um crescimento do consumo por volta de 7,5% em 2021 e de 4,5% em 2022. A dinâmica desde meados de 2020 tem sido favorecida pela transferência de recursos para a sociedade por meio de repasses diretos, ampliação do seguro-desemprego e financiamentos para as empresas manterem seus funcionários.

A continuidade desse movimento dependerá da evolução benigna da vacinação. Sua persistência será estimulada pela provável utilização até o fim de 2022 de grande parte do aumento da taxa de poupança de 7,5% do PIB em 2019 para 16% do PIB em 2020, resultante das restrições de mobilidade e da consequente redução na demanda por serviços.

A dinâmica do consumo das famílias no Brasil não é muito diferente da americana, ambas com forte expansão a partir do 3º trimestre de 2020. No entanto, as previsões para a expansão brasileira são menores - 5% em 2021 e 2% em 2022, por conta de um processo de vacinação muito mais lento, do fim das transferências para os mais desfavorecidos e do desemprego elevado. A incerteza sobre a evolução das contas públicas e sobre o panorama político até as eleições do próximo ano são causas adicionais para uma dinâmica menos favorável no Brasil.

A trajetória benigna do PIB dos EUA será também influenciada pelos investimentos - 17% do PIB. Após a contração de 4% em 2020, os investimentos das empresas crescerão quase 10% neste ano e 5% em 2022. Esse aumento responde à aceleração dos gastos em tecnologia em um cenário de: ampliação do trabalho remoto; mudança do consumo para um ambiente digital; e necessidade de aumento da produção, inclusive para recomposição dos estoques, após a forte expansão do consumo em um contexto de entraves nas cadeias de suprimentos. Ademais, os investimentos tendem a ser estimulados pela ampliação dos projetos em fontes de energia renovável e pelos primeiros efeitos do programa de infraestrutura do governo americano.

Da mesma forma, os investimentos residenciais são cruciais para a dinâmica favorável da economia, com alta de 6,1% em 2020 e expectativa de expansão de cerca de 20% neste ano e 10% em 2022. A longa duração da pandemia explica os gastos para melhoria das residências e o deslocamento das famílias, ao menos temporariamente, para cidades e regiões com menos aglomerações.

A redução dos investimentos em 2020 assegurará, por conta do efeito-base favorável, uma expansão dos investimentos no Brasil em 2021. Não obstante, o hiato do produto muito aberto e as incertezas em diversas frentes dificilmente garantirão desempenho muito positivo em 2022.

A eclosão da pandemia foi acompanhada pelo aumento da taxa de desemprego nos EUA de 3,5% em 2019 para 13% no 2º trimestre de 2020, enquanto a relação de empregos como proporção da população em idade ativa recuou de 61% para 53%. Desde então, as condições do mercado de trabalho têm melhorado, com a taxa de desemprego alcançando 6% em abril. A expectativa é que essa relação recue para 5% em 2021 e a 4% em 2022.

A desaceleração da população ocupada nos EUA em março e abril ampliou a discussão sobre a dificuldade para contratação de trabalhadores, em particular daqueles com menores salários, mesmo com 8 milhões de desempregados a mais do que antes da crise sanitária. A menor oferta de trabalho deve-se à antecipação da aposentadoria por muitos trabalhadores durante a pandemia e, principalmente, à alta do custo de oportunidade gerada pelos programas federais - envio de cheques para uma parte da população e aumento adicional de US$ 300 por semana do salário-desemprego até 6 de setembro - expira em alguns Estados em junho ou julho. Esses pagamentos reduzem o interesse pelos empregos com menores salários e explicam a significativa elevação dos salários dessas atividades nos últimos meses.

Ao contrário dos EUA, o quadro do mercado de trabalho no Brasil é desfavorável. Em vez de mostrar um recuo expressivo como nos EUA após a sua alta no 2º trimestre, a taxa de desocupação no Brasil permanece acima de 14% desde agosto e a massa salarial mais de 10% abaixo da média de 2019. O desemprego permanecerá provavelmente alto neste ano, com a força de trabalho aumentando nos próximos trimestres dos atuais 100 milhões para próximo à média de 2019 de 106 milhões. Para 2022, a alta incerteza fiscal e política pode dificultar um recuo expressivo da desocupação.

Mesmo tendo um PIB cerca de 15 vezes maior do que o do Brasil, a economia dos EUA cresceu mais do que a brasileira nos últimos 40 anos - crescimento anual médio de 2,5% nos EUA e 2,2% no Brasil. Essa diferença é mais expressiva quando se considera a última década, quando a expansão anual média foi de 1,7% nos EUA e 0,3% no Brasil. A diferença é ainda maior no PIB per capita, com o crescimento populacional anual de 0,5% nos EUA e 0,8% no Brasil. O início dos anos 2020 sugere que esse padrão não se alterou, com o país se afastando cada vez mais da aspiração de alcançar um maior crescimento.

A menos que o próximo governo e o Congresso avancem com ajustes muito mais profundos do que os aprovados e os em tramitação no Congresso nos últimos anos, o Brasil ficará cada vez mais para trás em termos de desenvolvimento das economias desenvolvidas e de países que enfrentaram guerras, crises e desastres em um passado não muito distante. Triste sina!

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